Fraude em mais de 10% das amostras de leite
Jornal O Popular, 04/11/2007
Fraude em mais de 10% das amostras de leite
Análises feitas pelo Ministério da Agricultura constataram adição de água e de sal ao leite e presença de coliformes totais no produto, entre outras irregularidades
Vinicius Jorge Sassine
Mais de 10% das amostras de leite e de outros produtos lácteos analisadas este ano pelo Ministério da Agricultura em Goiás apresentaram alguma fraude econômica ou a presença de coliformes que comprometem a qualidade do produto final. O recurso mais comum – compreendido como prática fraudulenta dos laticínios fiscalizados – é a retirada parcial ou até mesmo integral de componentes do leite.
De 952 amostras coletadas por fiscais federais de janeiro a outubro, 99 apontaram que a quantidade de gordura, de extratos secos e de proteínas estava abaixo do padrão. Além disso, as análises constataram adição de água e de sal ao leite, esse último numa tentativa de maquiar a composição química do produto e, com isso, evitar o flagrante da adição de água. Análises microbiológicas mostraram a presença de coliformes totais nos produtos lácteos, um indicativo da falta de higienização dos laticínios.
O índice de reprovação dos produtos inspecionados pelo Ministério da Agricultura é quase quatro vezes maior do que o índice da análise feita pela Agência Goiana de Defesa Agropecuária (Agrodefesa). Na semana passada, o órgão do governo estadual divulgou que apenas 3% das amostras de leite analisadas estavam fora do padrão e que, por isso, não havia razão para o consumidor se preocupar.
Multa irrisória
A julgar pelos resultados das pesquisas feitas pelo Ministério da Agricultura e pelas falhas na fiscalização e na punição dos laticínios que não cumprem as normas, há motivos de sobra para a preocupação com a qualidade do leite. A maioria das empresas que fraudam a composição dos produtos é reincidente no erro, mesmo após a constatação de que o leite está fora do padrão e a aplicação de multas em razão da fraude ou da falta de higienização do laticínio.
O valor das multas é considerado irrisório por fiscais que atuam na linha de frente. Não é capaz de inibir a prática de retirada de substâncias básicas do leite ou de adição de água, por exemplo. A multa aplicada pelo Ministério da Agricultura varia de R$ 1 mil a R$ 15,6 mil. A penalidade da Agrodefesa é ainda menor: entre R$ 200,00 e R$ 5,5 mil. No órgão estadual, a sanção mais recorrente é uma simples advertência, diferente do que ocorre no órgão fiscalizador da União.
A impunidade é uma das explicações para a atual crise da produção e do consumo do leite, como reconhecem os próprios produtores. Na semana passada, o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite, Jorge Rubez, revelou que denúncias sobre fraudes na composição do produto foram apresentadas ao Ministério da Agricultura há quatro anos, mas a burocracia impediu a punição dos empresários responsáveis pela adulteração. Segundo Jorge Rubez, uma das denúncias era sobre a adição de soro que aumenta em até 20% a quantidade de leite industrializado.
Essa é uma prática ainda existente, conforme as análises feitas pelo Ministério da Agricultura em Goiás. Em menos de dez meses, 58 laticínios inspecionados pelo órgão federal foram multados por fraudar a composição do leite. Entre as práticas mais corriqueiras estão a adição de água, de soro e de sal e a ausência de componentes básicos, como gorduras, proteínas e extratos sólidos.
Soda
Uma reunião em Brasília na semana passada definiu que a unidade do Ministério da Agricultura em Goiás vai analisar amostras do leite processado por grandes empresas para saber se o produto contém substâncias impróprias para o consumo. A Superintendência Federal da Agricultura no Estado já coletou as amostras e ainda não concluiu as análises.
A Parmalat é uma das empresas inspecionadas. O presidente da empresa chegou a reunir-se com o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, para pedir uma posição técnica oficial sobre o leite distribuído por duas cooperativas mineiras investigadas pela Polícia Federal (PF).
A operação da PF, que acusa as cooperativas de adicionar água oxigenada e soda cáustica ao leite, evidenciou os problemas existentes na industrialização do produto e de derivados. Uma pesquisa do Centro de Pesquisa em Alimentos da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Goiás (UFG), divulgada poucos dias após a PF deflagrar a operação em Minas Gerais, mostrou que 18 marcas de leite comercializadas em Goiás apresentaram problemas, inclusive com presença de água oxigenada e soda cáustica. Para piorar a crise, um laticínio de Pires do Rio é suspeito de fornecer a tecnologia de adulteração do leite e outros seis laticínios goianos podem ter fornecido queijo com data de validade vencida para comercialização em Uberaba (MG).
As normas técnicas do Ministério da Agricultura estabelecem quantidades específicas no leite de extrato seco total (11,7% para cima), de extrato desengordurado (8,4% no leite longa-vida e 8,2% no integral) e de proteínas (2,9%). É comum a comercialização de produtos com porcentagens inferiores ao que determinam as normas técnicas.
Para flagrar a presença de água oxigenada, utilizada para aumentar o tempo de vida útil do leite, a amostra deve ser coletada e analisada num prazo inferior a oito horas após a adição do produto. A água oxigenada se degrada em pouco tempo e por isso a fiscalização tem dificuldades em constatar a irregularidade.
No caso da soda cáustica, há casos de empresas que devolvem o leite ao fornecedor após verificarem a presença da substância química, segundo o Ministério da Agricultura. A soda é adicionada com o propósito de inibir a acidez do leite. Enzimas naturais protegem o produto num prazo inicial de duas horas, função que acaba sendo substituída de forma primária pela soda cáustica.
A adição de soda e de água oxigenada é vetada pelas normas do Ministério da Agricultura. Nas análises laboratoriais feitas este ano, não foi constatada a presença das duas substâncias no leite. Já a Agrodefesa flagrou um laticínio que tinha o hábito de adicionar soda cáustica para o controle da acidez.