Governo lança pacote contra a crise do leite
Jornal Hoje, 03/11/2007
Governo lança pacote contra a crise do leite
Bruna Mastrella
Apesar de unânimes em contestar aspectos relativos aos resultados da pesquisa que reprovou 18 marcas de leite produzidas em Goiás, órgãos do governo estadual e entidades fiscalizadoras anunciaram, ontem, medidas para conter a crise no setor. Entre as decisões está o aumento do número de fiscais e da freqüência das vistorias dos laticínios. Segundo o secretário de Agricultura, Leonardo Veloso, até o fim do ano será realizado concurso para a contratação de 350 fiscais sanitários para a Agência Goiana de Defesa Agropecuária (Agrodefesa). Os órgãos responsáveis pela inspeção deverão intensificar o número de visitas aos laticínios, que passará de mensais para quinzenais, e também o número de amostras a serem examinadas.
Além da integração entre as entidades fiscalizadoras, que a partir de agora trocarão mais informações entre si, as equipes de inspeção passaram a fazer rodízio para evitar que visitem o mesmo estabelecimento sucessivas vezes. Para o secretário, os problemas são pontuais e passíveis de rápida solução. “Não existe perfeição em nenhum sistema produtivo, mas as irregularidades encontradas são pontuais e passíveis de saneamento”, destaca. Veloso acredita que houve excesso na forma de divulgação da pesquisa, pois não houve o repasse adequado de informações, principalmente sobre substâncias como soda cáustica e água oxigenada. “A soda, por exemplo, é usada para a limpeza dos instrumentos de ordenha, e isso não foi dito. Se era para fraudar, seria melhor usar bicarbonato de sódio, que tem mesma função e é mais barato”, argumenta.
Em silêncio desde a divulgação da pesquisa pelo Procon, o superintendente do Ministério da Agricultura em Goiás, Helvécio Magalhães Ribeiro, comentou o resultado da pesquisa. Além de também criticar a forma como os resultados foram anunciados, causando temor na população, ele também contesta algumas conclusões apresentadas no laudo elaborado pelo Centro de Pesquisa em Alimentos da Escola de Veterinária da UFG. “Não é possível, com uma única análise, detectar a presença de soda cáustica no leite. Não existe método 100% eficaz neste sentido”, argumenta, se referindo ao resultado da pesquisa que aponta existência da substância na marca Big Leite.
Ribeiro também nega que o Ministério da Agricultura, responsável por fiscalizar as indústrias que recebem o selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF), tenha falhado em suas atribuições. Ele informa que a lei determina inspeção de quatro em quatro meses, mas que tem sido feita a cada 60 dias. Nos últimos meses, houve a coleta de 400 amostras e problemas foram encontrados em pouquíssimas delas. “Não acredito em falhas de fiscalização, houve má-fé por parte de alguns empresários, mas que ainda não foram identificados. Quando constatarmos irregularidades, com certeza haverá punições”, garante.
CONTRAPROVAS
Para o secretário-executivo do Sindicato das Indústrias de Laticínios do Estado de Goiás (Sindileite), Alfredo Luiz Correia, o resultado da pesquisa só poderia ter sido divulgado após os estabelecimentos envolvidos terem concluído as contraprovas. “As denúncias não foram responsáveis. Foi precipitado (divulgação)”, observa. O sindicalista afirma, por exemplo, que muitas das marcas reprovadas apresentaram teor de gordura abaixo do exigido, o que indica um produto em desacordo com as normas padrões, mas não inadequado ao consumo.
“Temos, sim, bons e maus profissionais, mas o leite goiano é de excelente qualidade. Não podemos admitir que, por falha de algumas empresas, toda a indústria seja posta numa vala comum”, opina. Na próxima segunda-feira (5), a Agrodefesa anunciará o resultado de pesquisa das 18 marcas reprovadas por pesquisa divulgada pelo Procon. O diretor do Centro de Pesquisa em Alimentos da Escola de Veterinária, Albenones José de Mesquita, não foi localizado para comentar o assunto.
DEPUTADOS DEFENDEM COOPERATIVAS
O deputado Paulo Piau (PMDB-MG) levou ontem à Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados sacos de leite e embalagens com derivados produzidos pelas cooperativas Casmil e Copervale, numa tentativa de defendê-las da acusação de fraudar a produção de leite do tipo longa vida. Diante de jornalistas, o deputado bebeu do leite das cooperativas.
A Casmil e a Copervale foram acusadas pela Polícia Federal (PF), com base nas investigações realizadas durante a Operação Ouro Branco, de adicionar soda cáustica e água oxigenada ao leite do tipo longa vida em um processo de reaproveitamento de produtos com prazo de validade vencido. Outro deputado – Luiz Carlos Setin (DEM-PR) – também tomou do leite, com um pouco de café.
Piau disse que não estava fazendo apologia da fraude e afirmou que o problema, no caso dos laticínios, é “estrutural” e que, portanto, não se deveria “crucificar” o produto das duas cooperativas nem transformá-las em bodes expiatórios. “Tem que fiscalizar e esse papel essencial é do governo. Mas não há como ter um leite de Primeiro Mundo em um país em que as condições de produção são de Terceiro Mundo”, disse Piau. Ele afirmou que a qualidade do leite em outros países é superior à do Brasil e que para que o leite brasileiro tenha qualidade, será preciso ainda um processo demorado.
Piau criticou a ação da Polícia Federal afirmando que as investigações foram feitas apenas em cooperativas responsáveis e só atingiu os pequenos produtores. “É uma atitude deliberada para destruir o cooperativismo”, acusou Piau. Ele acrescentou que os laboratórios atestaram que os produtos adicionados reduzem o valor nutritivo do leite, mas não causam problemas à saúde humana. “Nós não podemos parar de tomar leite por causa das denúncias. É melhor tomar leite do que refrigerante”, afirmou o deputado mineiro.
Entre os derivados de leite expostos por Piau durante a entrevista estavam queijo tipo mussarela, requeijões cremosos e bebidas lácteas. Ele afirmou ainda que, em 2002, foram realizadas investigações por Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) em Assembléias Legislativas de seis Estados sobre as condições do leite produzido em cooperativas e que, na época, foram identificadas fraudes, e o resultado foi encaminhado ao Ministério Público e à Justiça. (Agência Estado)
PF OUVIRÁ DIRIGENTES DE LATICÍNIOS
A Polícia Federal em Uberaba (MG) pretende ouvir os dirigentes dos laticínios de Goiás e Minas Gerais, cujas marcas aparecem em embalagens encontradas no depósito clandestino onde foram apreendidas 16 toneladas de queijo tipo mussarela. A mercadoria estava com prazo de validade já vencido ou prestes a vencer e a PF acredita que o queijo impróprio recebia embalagens com novas datas de validades. O responsável pelo depósito clandestino foi identificado como Leonardo Alves de Lima. Até o início da noite de ontem, ele não havia comparecido à PF para prestar depoimento. “Até o momento não tem expedição de nenhum mandado (de prisão) contra ele”, disse o delegado Davidson José Chagas, chefe da PF em Uberaba.
O depoimento de Lima é considerado fundamental para a avaliação do tamanho da fraude. Em depoimento, um funcionário do depósito clandestino disse que eram vendidas por semana 20 toneladas de queijo supostamente impróprio para o consumo em São Paulo e outras quatro cidades do interior (Bauru, Guaratinguetá, Presidente Prudente e Ribeirão Preto).
A PF acredita que a mercadoria era comercializada também em Minas. No depósito foram encontradas embalagens de pelo menos sete marcas de laticínios, sendo seis de Goiás e uma de Canápolis, no Triângulo Mineiro. O diretor-administrativo da fábrica de laticínios Doce Mineiro Ltda., que produz o queijo mussarela “Triângulo Mineiro”, Ricardo Figueira, já confirmou que tinha relação comercial com Lima, mas o acusou de clonar o rótulo da empresa. Figueira disse que chegou a registrar dois boletins de ocorrência contra Lima, o mais recente há cerca de um ano, em outubro de 2006. Porém, confirmou que vendeu a ele, “dias atrás”, cerca de “dois a três mil quilos” do queijo. “Provavelmente devem ser expedidas cartas precatórias, porque a sede não é aqui em Uberaba (MG), para que eles (os responsáveis pelos laticínios) sejam ouvidos sobre a forma que esses queijos chegavam aqui e se tinham alguma informação (sobre a fraude)”, disse Chagas. (Portal G1)