Os prejuízos do leite batizado

Jornal Tribuna do Planalto, 02/11/2007

Os prejuízos do leite batizado

João Camargo Neto

A divulgação pela Superintendência de Proteção aos Direitos do Consumidor (Procon) de 18 marcas de leite com possíveis irregularidades resultou em quedas significativas de vendas nos supermercados do Estado. A lista consta de 43 produtos testados pelo laboratório da Universidade Federal de Goiás (UFG). Das 19 marcas de leite pasteurizado (em embalagem de saco plástico), 12 – todas de empresas goianas – foram reprovadas. Das 24 de leite longa vida, seis não passaram no teste. Duas são do Rio Grande do Sul, duas do Mato Grosso do Sul e duas de Goiás. A proibição de venda dos produtos foi divulgada na segunda-feira, 29, e até o fim da semana a Associação Goiana de Supermercados (Agos) já calculava um decréscimo médio de 51,8% nas vendas do produto. Na mesma proporção, aumentaram as vendas de leite em pó nas regiões de classes média e alta de Goiânia.

Segundo o presidente da Agos, João Bosco Pinto de Oliveira, o Supermercado Extra do Setor Oeste, uma das áreas mais nobres da Capital, registrou queda de 64% nas vendas de leite líquido e aumentou em 80% a saída de leite em pó. Como o produto é mais caro, o mesmo não foi detectado em setores menos favorecidos, onde a substituição do alimento não tem sido feita. "Na região do Norte-Ferroviário, houve decréscimo de 50%, mas não houve acréscimo na saída de produto equivalente", exemplifica João Bosco. Em Inhumas, de acordo com ele, ocorre o mesmo. Conforme o levantamento da Agos, Goianésia foi a única cidade que não sofreu impacto. Segundo João Bosco, a venda de leite vinha apresentando um crescimento ascendente nos dois últimos anos. Para ele, a conquista é resultado da campanha implementada pelo Sindicato das Indústrias de Laticínio no Estado de Goiás (Sindileite).

Sob os slogans "Viva com mais alegria, beba leite todo dia" e "Viva com mais energia, beba leite todo dia", a campanha de marketing da entidade tem veiculado anúncios publicitários em todas as mídias, ao custo anual de R$ 7 milhões. A campanha do Sindileite de Goiás elevou o consumo em 21%. Também como resultado em 21 meses de campanha, segundo o diretor-executivo do sindicato, Alfredo Luiz Correia, mais de 30% da informalidade no setor foi reduzida. Goiás é o segundo maior produtor de leite do Brasil, com a produção de 2,8 bilhões de litros por ano. Deste porcentual, apenas 15% são consumidos no Estado. O restante é vendido para outras unidades ou exportado.

De acordo com Correia, não está prevista nenhuma medida de urgência para frear a queda no consumo, que tende a minar os efeitos da campanha publicitária da entidade. "Nosso marketing continua com normalidade. Não vamos comprar mais espaço", diz. A expectativa, diz, é que, com o tempo, as pessoas entendam que as denúncias se restringem a casos isolados, e não a todo o segmento. "A reversão vai ser natural à medida que os esclarecimentos forem surgindo", diz o presidente da Agos, João Bosco.

Novas regras
Visando justamente aumentar a confiabilidade no procedimento de análise dos produtos, uma série de medidas emergenciais foi anunciada na quarta-feira, 31. Entre as quais, a redução do intervalo de fiscalização, que era feita apenas uma vez por mês. Outra medida adotada foi o rodízio das equipes. Antes, um grupo de fiscais ficava responsável pelas mesmas empresas. Agora, não há equipe fixa. A ênfase destas ações serão os laticínios com casos reincidentes ou suspeitos de fraudes. "Indústrias e produtores irregulares serão penalizados com o fechamento", diz o secretário Estadual de Agricultura, Leonardo Veloso.

Veloso também anunciou a realização de um concurso público para a contratação de 350 novos fiscais sanitários para a Agrodefesa, que é responsável por inspecionar 57 laticínios em todo o Estado. A expectativa é de que a seleção e convocação dos novos contratados ocorram até março de 2008. Para a procuradora da República Mariane Guimarães de Mello Oliveira, os órgãos de governo estão unidos para uma força-tarefa em prol do controle da qualidade do produto. "O maior prejuízo é a população deixar de beber leite", diz, acrescentando que os problemas servirão para que produtores e indústrias se empenhem mais pela qualidade. O Ministério Público aguarda a comprovação dos laudos para estudar as ações punitivas aos responsáveis.

Sem estrutura para fiscalização

O presidente da Agência Goiana de Defesa Agropecuária (Agrodefesa), Maurício Faria, expõe a fragilidade estrutural dos órgãos fiscalizadores. "Sozinho é muito difícil vigiar", desabafa. Ele concorda que a Agrodefesa tem limitações que, por vezes, comprometem a exatidão das ações do órgão. Entre elas, a deficiência de pessoal. A entidade, que cuida da fiscalização de 57 laticínios, possui apenas 160 fiscais para todo o Estado enquanto o Ministério da Agricultura dispõe, em Goiás, de nove agentes para inspecionar 24 laticínios.
Ele não considera, porém, que as falhas detectadas nos produtos sejam resultados de falhas da agência, responsável pelo controle de qualidade dos laticínios. "Seguimos regras nacionais e internacionais. Não houve erro técnico. A fraude é econômica, e não sanitária", defende. Ao mesmo tempo, Maurício assume que a fiscalização que vem sendo feita não corresponde à capacidade total da Agrodefesa.

A partir desta semana, várias instituições desenvolverão tarefas em conjunto a fim de executar operações para fiscalizar os laticínios envolvidos em denúncias e visitar outros que não são foco da movimentação. Após o estardalhaço que causou a divulgação de lotes de marcas de leite com a presença de soda cáustica, água oxigenada e coliformes fecais, todos os setores governamentais e da sociedade organizada têm se esforçado para atestar aos consumidores que o leite produzido em Goiás é um dos melhores do País.
O Ministério da Agricultura se pronunciou na semana passada. A entidade federal esclareceu que, "nos níveis encontrados, as substâncias químicas não oferecem riscos iminentes à saúde do consumidor". Em nota, o Ministério afirmou que "adulterações e fraudes são inaceitáveis, principalmente quando envolvem alimentos".

Procedimentos
A Superintendência de Proteção aos Direitos do Consumidor (Procon) solicitou ao Centro de Pesquisa em Alimentos da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Goiás (UFG) que testasse alguns produtos suspeitos de fraude. O órgão, em seguimento à legislação, apreendeu em supermercados três exemplares do mesmo lote. Um deles fica disponível para a contraprova, caso a empresa examinada o deseje para fins de defesa.
Segundo a procuradora da República Mariane Guimarães de Mello Oliveira, até quinta-feira, 1º, nenhuma indústria arrolada solicitou novos exames para atestar a exatidão da primeira análise. Para ela, os responsáveis estão entre os produtores.

O gerente de fiscalização da Vigilância Sanitária, João Morais, afirma que o laboratório da UFG não tem autorização para a realização de exames do tipo. "No Centro-Oeste, só há uma clínica credenciada, que, por sinal, fica em Goiânia", relata. Ele contesta, além do local de exame, a metodologia aplicada pelo Procon. "Na maioria absoluta, não teve contraprova das indústrias", acentua.

O gerente jurídico do Procon, Cássio Machado Alves Bezerra, salienta que todas as empresas foram notificadas e os produtos para contraprova ficam disponíveis durante 10 dias. Caso solicite, a indústria pode realizar novo exame no laboratório que preferir, desde que acompanhado pela instituição que fez a primeira análise.

João Morais explica que a Vigilância Sanitária examinou 22 marcas de leite em 2007. Algumas coincidem com as examinadas pela UFG. "Houve apenas problema de rotulagem." Ele conta que o órgão vai centrar, a partir desta segunda-feira, 5, nas marcas apontadas pelo Procon, a maioria fabricada em Goiás. Os resultados ficam prontos em até 15 dias após a coleta de material.

Atenção

Denúncias
Telefones dos órgãos responsáveis por receber e apurar as denúncias
* Procon: 151
* Ministério da Agricultura e Pecuária: 08001995704
* Vigilância Sanitária: 150
* Ministério Público Federal: 32435462
* Ministério Público Estadual: 32438038
* Agrodefesa: 08006461122

Cuidados
Consumidor atento deve observar principalmente os seguintes detalhes antes de comprar leite:
* Cor, sabor e odor
* Verificar se o produto está dentro do prazo de validade
* Não adquirir se a embalagem estiver amassada ou adulterada
* O leite longa vida deve ser mantido em temperatura ambiente, sem refrigeração
* O leite de saquinho (barriga mole) não deve ultrapassar os 10 graus
* Observar se o vendedor mantém boas condições de armazenamento
* Após aberto, consumir o mais rápido possível
* Se aparentar cor ou odor estranhos, contatar o serviço de atendimento ao consumidor do fabricante

Legislação
* O comerciante de Goiânia que vender qualquer uma das 18 marcas reprovadas divulgadas pelo Procon-GO será autuado e multado.
* Os laticínios que estiverem produzindo leite em desacordo com as normas sanitárias vigentes ou impróprio ao consumo poderão perder seus registros do Serviço de Inspeção Estadual (SIE) e do Serviço de Inspeção Federal (SIF).
* A Lei 8.137 prevê de dois a quatro anos de prisão por venda de produto inadequado ao consumo.

Fonte: Celso José de Moura, tecnólogo em laticínio (Escola de Agronomia e Engenharia de Alimentos da Universidade Federal de Goiás)