Guarda-roupa ecológico

Jornal O Popular, 06/11/2007

Guarda-roupa ecológico

Em palestra em Goiânia, especialista aponta os caminhos da bio-roupa, que prega uma nova consciência de reciclagem

Mantovani Fernandes

Ana Paula Miranda: “Há uma demanda reprimida para o consumo bioconsciente”

Margareth Gomes

Vestir-se com atitude e com roupas e acessórios que não agridam ao ambiente. Não dá mais para deixar de lado a trilogia: consumo consciente, manutenção do meio ambiente e justiça social. O estilista belga Martin Margiela, que nunca foi fotografado, uma rara exceção no afetado mundo dos pop-stars da alta-costura, na última coleção exibiu um colete ecochique construído a partir de luvas de esqui usadas, daquelas bem detonadas pela ação do tempo. Ele aplicou com inovação o preceito de revitalização para elementos que teriam o destino da lata de lixo. Este é um dos exemplos que merece ser cada vez mais copiado no mundo fashion, apontou Ana Paula Miranda, doutora em marketing pela USP, em palestra ministrada na semana passada sobre o tema Ecologia Humana, no anfiteatro da Faculdade de Artes Visuais, na UFG.

Mas o que significa realmente o termo ecologia humana? “É uma moda que se propõe a ter mais respeito à natureza, pregando a eliminação do desperdício, mais equilíbrio do consumo e o pagamento do justo valor”, respondeu Ana Miranda. Nas últimas edições da São Paulo Fashion Week, camisetas em fibra de bambu e outros acessórios confeccionados com material reciclado despertaram a atenção da mídia justamente pela leitura adequada do conceito, lembrou ela.

Na opinião de Ana Miranda, um dos grandes desafios da moda atual é abrir os olhos para propostas que retratem a ecologia humana. Sair do lugar- comum da apologia do mero consumo, do efêmero ciclo de moda para uma estação. “Este produto que estou comprando é fruto de exploração de trabalho escravo? Estou feliz vestindo uma marca que é fruto de uma série de sofrimentos?”, expôs Ana Miranda, dando exemplo de questionamento que devem ser feitos antes de comprar um produto. Ela citou marcas que já estão sinalizando para o que considera uma das maiores revoluções na moda do século 21: o selo de qualidade obtido graças a ecologia humana.

Recuperação de técnicas
“É um processo de mudança lento, gradual, sem retorno. É daqueles momentos da história onde tudo pára e volta. Se está à beira do precipício, dá uma ré e volta”, ressaltou Ana Miranda. Entre outras coisas, explicou ela, é o momento de buscar a recuperação de técnicas antigas de pigmentação. As chamadas tinturas naturais que recorrem a cebola, açafrão, espinafre, urucum para dar cor a roupa. O diferencial é que há uma tecnologia por trás desse conhecimento ancestral, ressaltou ela, para que se possa usá-lo da melhor forma e sem que cause danos ao meio ambiente e às pessoas em volta.

Outro exemplo é o jeans que ganha na sua composição látex dos seringais, é reciclado com restos de tecidos que se desfiam e se transformam, consumindo ainda menos água na sua lavagem. Roupas com fio de algodão natural também entram na lista, assim como aquelas confeccionadas pelo trabalho manual de cooperativas.

Alguns trabalhos desenvolvidos para o Amazônia Fashion Week, que começa amanhã em Manaus e se estende até o dia 11, revelou a pesquisadora, vem reciclando conceitos ao dar uma nova finalidade ao uso de fibras naturais como roupas com aplicações de bordados em palha de buriti, escama de peixe (em substituição a lantejoulas). Ana Miranda sublinhou que quando se trabalham propostas de moda com ecologia humana as referências recaem sobre roupas que trazem uma linguagem que evoca o artesanal, porém sem cair no conceito fácil do caricato, da moda dita riponga. São peças que têm um cara, uma identidade única. Por isso, agregam mais valor. “Há uma demanda reprimida para o consumo bioconsciente. A tendência é de se comprar menos e produtos mais caros, com o rótulo de biovalor.”