É preciso separar o joio do trigo

Jornal O Popular, 12/11/2007

É preciso separar o joio do trigo

Wanderson Portugal Lemos

Em 1999, o Sebrae-GO, juntamente com os parceiros institucionais envolvidos direta ou indiretamente na cadeia produtiva do leite e derivados, reuniu 120 pessoas representando os mais diversos segmentos e elos desta cadeia, para juntos realizar o planejamento estratégico deste importante setor econômico que envolve 55 mil produtores e gera 220 mil empregos diretos em Goiás. Este evento definiu uma série de estratégias e ações para que todos os envolvidos tivessem, a partir daí, um norte a ser seguido em busca de maior competitividade. Desde então, muitas ações foram realizadas neste segmento, atingindo inclusive o consumidor, e hoje temos como resultado o grande avanço de Goiás, que se tornou o segundo produtor nacional, ficando atrás somente de Minas Gerais.

Este esforço de todos os elos da cadeia fez com que Goiás se tornasse referência no Brasil pela sua organização e pelo empreendedorismo dos empresários. Os produtores se adequaram às normas do Ministério da Agricultura, responsável pela edição da instrução normativa 51, que, entre muitas cláusulas, exigia a granelização do leite e seu resfriamento no máximo até duas horas após a ordenha. Fomos um dos primeiros Estados a atingir índices satisfatórios neste processo, o que demonstrou o comprometimento dos produtores com altos investimentos para conseguir melhor qualidade, afinal, são 8 milhões de litros de leite in natura produzidos em Goiás diariamente e o consumo do produto pasteurizado gira em torno de 800 mil litros por dia.

No setor industrial os avanços também foram relevantes. Os incentivos governamentais e as boas características do Estado para a produção transformaram o parque industrial goiano num dos mais avançados tanto tecnologicamente quanto em volume de produção, sendo hoje, se não o melhor, mas um dos mais modernos do Brasil.

As universidades se aprimoraram e graças ao grande esforço de toda a cadeia. Conseguimos a doação pelo Ministério da Agricultura de um moderníssimo laboratório de análises, o Laboratório de Qualidade do Leite (LQL) localizado na Escola de Veterinária da Universidade Federal de Goiás (UFG), mais especificamente no Centro de Pesquisa em Alimentos (CPA), dirigido pelo incansável defensor da melhoria da qualidade do produto goiano, Albenones José de Mesquita, que durante os últimos 15 anos vem batalhando para alcançarmos o estágio atual das estatísticas positivas. Foi o dr. Albenones quem implantou o LQL, que atende todo o Centro-Oeste e também outros Estados, possuindo um cadastro de muitos clientes entre indústrias e produtores rurais desde 2001. Mais de 50 mil análises são realizadas mensalmente pela UFG, além de outras milhares executadas em outros laboratórios, garantindo, assim, a boa qualidade do leite em Goiás.

Nos últimos sete anos, este é o melhor momento vivido não só pelos produtores, mas também pelos industriais, graças aos bons preços do produto no mercado internacional, além do aumento no consumo no Estado, ocorrido em grande parte pelo sucesso da campanha veiculada nos meios de comunicação, através do Sindileite, com o apoio do governo estadual. Entretanto, tudo isso foi por água abaixo. Muito esforço e dinheiro jogados foras em virtude de denúncias causadas por problemas pontuais que não atingem sequer 5% do total de laticínios existentes.

Sabemos, porém, que nem tudo está perfeito e que muito ainda temos que melhorar como qualquer sistema que preza pela excelência. Como presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária de Goiás (CRMV-GO), autarquia federal que congrega mais de 4 mil médicos veterinários e mil zootecnistas, cobramos incansavelmente nestes últimos oito anos, das esferas federal, estadual e municipal, melhores condições de trabalho para os profissionais dos órgãos de fiscalização e defesa agropecuária, além do aumento do efetivo destes profissionais, que sabemos ser insuficiente para executar o trabalho exigido nestes órgãos de defesa. Capacitamos mais de 1,3 mil responsáveis técnicos espalhados nos mais diversos segmentos do agronegócio goiano, inclusive nos laticínios, para executarem melhor o seu trabalho, podendo assim garantir que o leite goiano seja de boa qualidade e não ofereça risco ao consumidor.

A existência de maus profissionais ou empresários desonestos em pequena minoria numa cadeia produtiva, não nos dá o direito de generalizarmos, comprometendo toda a cadeia: temos sim de separar o joio do trigo, punindo devidamente os desonestos, assim como ocorre em qualquer outra área. Denúncias irresponsáveis e interpretações errôneas dos exames culminaram em uma veiculação sensacionalista de uma série de inverdades que acabaram se tornando verdades aos olhos do consumidor, que na maioria das vezes não se atenta aos textos que podem ser esclarecedores, mas simplesmente às manchetes incriminadoras.

Além do prejuízo econômico causado num sistema, na sua maioria constituído por pequenos produtores, e do desemprego que pode ocorrer, o pior mal que o leite pode causar ao ser humano é a sua falta. Não podemos deixar que um alarmismo irresponsável venha provocar a diminuição do consumo deste alimento essencial, principalmente para crianças e idosos.

Se a intenção da denúncia era chamar a atenção para a deficiência dos órgãos de fiscalização, o foco deveria ser direcionado a eles e não a toda uma cadeia produtiva tão importante para a saúde humana e para a economia de nosso Estado.

Wanderson Portugal Lemos é presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária de Goiás (CRMV-GO) e gerente de agronegócios do Sebrae-GO.