Formação sólida está na contramão da pressa

Jornal O Popular, 18/11/2007

Formação sólida está na contramão da pressa

“Esse país é o país dos diplomas universitários honoríficos, (...) é o país em que a educação, por isso mesmo, se transformou em título para se ganhar um emprego.”
(Anísio Teixeira)

Ged Guimarães

As primeiras escolas superiores no Brasil foram criadas em 1808 com a vinda da Família Real, e teriam como finalidade primeira e praticamente a única, formar profissionais para servir à Corte que aqui se instalava. Ao longo dos quase dois séculos seguintes, nas instituições de ensino superior, apesar de constar em seus estatutos que a formação dos alunos deva ser ao mesmo tempo profissional e humana, o maior peso tem sido jogado na formação profissional. Atualmente não é preciso pesquisa, basta uma rápida observação, para se perceber a intensidade desse peso. Em seus anúncios, faculdades e universidades, sobretudo as particulares, se apresentam como aquelas que melhor preparam seus alunos para as profissões requeridas pelo mercado.

Em certa medida, as instituições de ensino superior públicas, apesar de não se apresentarem, por enquanto, em anúncios, somam-se ao peso preponderante da profissionalização de seus alunos.

Ora, se essa tem sido uma tendência quase absoluta é porque a sociedade lhes aponta essa finalidade, pois as instituições de ensino superior não estão fora e nem acima da sociedade, sendo sua parte constitutiva. Assim, poder-se-ia inferir que há uma sintonia entre a formação profissional e as demandas do mercado. Mas o que desejam, em essência, o mercado e a sociedade? Um profissional bem formado. E o que deseja o aluno ao entrar na universidade? Não é outra coisa, senão uma boa formação. Portanto, uma outra pergunta se coloca: essas finalidades estão sendo cumpridas? Ambos responderiam pela negativa.

A dificuldade para a boa formação não estaria justamente na exigente sintonia? O mercado é muito dinâmico, apressado, acelerado. Todos os dias novas profissões são criadas, tornando obsoletas muitas prezadas pela tradição. Para não ficar, por assim dizer, fora de moda e estar em sintonia com as demandas, pais, alunos, professores, universidade, sociedade tendem a acompanhar o que chamam de exigências do mercado.

A rigor, a formação, para ser sólida, estará sempre na contramão da pressa, da aceleração, da distância entre professor e aluno, pois ela exige tempo para o estudo, a reflexão, a correção, a revisão. Tempo para o diálogo entre aquele que deseja aprender e aquele que sabe. Um tempo que não é o do cronômetro, e sim o da formação, cuja medida não é a dos créditos cumpridos ou pagos em tempo parcial. A universidade fundada nesses princípios, qualificados como sólida formação, se esforça para que seus alunos mais carentes sejam integrais, reunindo condições efetivas para estudarem, produzirem ciência, filosofia, letras e artes, afastando-se, assim, do caminho barato e ilusório das políticas de inclusão vigentes.

Mas essa universidade não existe, diriam. É verdade. E o problema não é este. O problema é que quanto mais desprezam a possibilidade dela existir, mais acreditam que a melhor, a verdadeira, é aquela em sintonia com as imediatas demandas sociais.

Sem as preocupações com a formação integral, a universidade resvala para ações próprias de uma empresa, cujos benefícios quantitativos, finalidade de sua existência, têm de ser maiores que os custos. Daí a pressa, a preocupação com a quantidade, a corrida para se formar um maior número de alunos em curto tempo. Ações, enfim, que colocam a universidade em sintonia com o mercado, mas afastam-na dos princípios fundamentais da sólida formação, requeridos inclusive pelo mercado.

Ged Guimarães é professor de Filosofia da Educação e diretor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás ged@fe.ufg.br