Vontade de transformar

Jornal O Popular, 15/11/2007

Vontade de transformar

Muitos universitários ainda mantêm o comportamento contestador e o visual básico de antes. A diferença é que a preocupação com a carreira agora é maior

Zuhair Mohamad

Rosane Guimarães: “Acaba faltando tempo de ir atrás dos nossos interesses”

Rodrigo Alves

Muitos ainda conservam o mesmo figurino: a bata ao estilo hippie ou uma simples camiseta, pulseirinha de couro no braço, calça jeans, tênis. O discurso contestador, contra “tudo o que está aí”. A figura do universitário engajado, que surgiu nos anos 1960, época de intensas mudanças sociais e, no Brasil, dos duros anos da ditadura militar, ainda permanece nos dias atuais. A diferença é que a preocupação com a carreira agora é maior.

Estudantes ouvidos pela reportagem concordam que a situação atual nada tem a ver com a vivida por outras gerações. “Tudo mudou, mas acho que continua aquela velha vontade de transformar”, acredita o estudante de relações internacionais Pablo Henrique Silva, 22 anos. Um dos coordenadores do Diretório Central dos Estudantes (DCE), da Universidade Católica de Goiás (UCG), Pablo é daqueles que encaram uma boa discussão em prol de direitos estudantis. “Mas prefiro ser apartidário. Não quero assumir posição política.”

Entre os principais assuntos que ele gosta de debater, estão as “bandeiras que tocam o estudante”, como diz. E o que pensa de colegas que não atuam no movimento? “Eles são maioria. Isso talvez seja um problema, porque são desarticulados”, opina. “Mas a gente não pode culpá-los. Muitos têm de trabalhar e acabam não tendo tempo de correr atrás”, pondera. Visão semelhante tem a vice-presidente do DCE da Universidade Estadual de Goiás (UEG), e também vice da União Estadual dos Estudantes (UEE), Tamara Naiz, 23.

Ela é estudante de história, curso que sempre esteve recheado de estudantes reivindicadores. “O universitário típico de hoje não é como aquele de antes. Hoje, por causa da conquista da democracia, as pessoas podem escolher se querem ou não se engajar em alguma ideologia”, avalia. Também adepta do jeito camiseta-jeans de se vestir, ela é participante do movimento estudantil desde o ensino médio, partidária do PCdoB, acredita no comunismo e prega uma sociedade sem classes.

“Sei que isso é difícil, mas não posso deixar de acreditar.” Mas engana-se quem acreditar que Tamara é uma radical. “A pós-modernidade tem a vantagem de permitir que as pessoas mostrem as várias faces e ideologias que existem”, diz, dando vazão ao discurso maleável que encontra eco entre os colegas.

Falta de tempo
Muitos universitários alegam falta de tempo para não se engajarem nas causas estudantis. “Acho o curso muito puxado e acaba faltando tempo de ir atrás dos nossos interesses”, desculpa-se Rosana Guimarães, 19, estudante de farmácia na Universidade Federal de Goiás (UFG).

Ela assume que, do visual do universitário típico, ela mantém só a forma descontraída de se vestir. “Tenho vontade de me doar mais para manifestações estudantis”, diz. Estudante de educação física na UFG, Kassius Lucas Pinheiro acredita que os universitários continuam sim combativos diante de tudo que não concordam. “É verdade que tem uma turma que também só quer boa estrutura para estudar, mas não agem e só reclamam”, constata.

Aluno no câmpus de Catalão, ele sempre participa das reuniões do DCE. “A universidade só cresce com nossa atuação”, assegura. Kassius cita dois assuntos em voga entre ele e os colegas recentemente. Trata-se dos programas Prouni (que oferece bolsas em instituições particulares) e do Reuni (que, entre outras metas, propõe aumento do número de estudantes na universidade e a criação de mais cursos). “De uma maneira geral, esses programas mostram um interesse do governo de rumar para a privatização do sistema público”, critica.

Pública e privada
Política, partidarismo, combatividade sempre estiveram e estarão entre os assuntos que os universitários discutem. O que mudou talvez seja a forma e a intensidade com que lidam com esses temas. “Hoje, especialmente dentro dos centros acadêmicos das universidade particulares, a gente briga mais pelas condições de estudo”, diz Renato Frantz, estudante de zootecnia da UCG.

Renato estabelece uma diferença que outros estudantes de universidades particulares e públicas também observam: na pública, as posições políticas externas à instituição são mais debatidas. Mas Renato acha que é equivocado pensar que, por isso, as instituições públicas são necessariamente mais politizadas. “O problema é que, na particular, acabamos concentrando esforços em resolver problemas como redução de mensalidades, bolsas, etc. Além do mais, grande parte ainda tem de trabalhar para pagar o curso”, justifica.

Aline Carneiro, 21, acadêmica de administração da UCG, concorda com Renato. “Talvez haja um pouco de falta de esclarecimento entre minha geração. Mas percebo que, em uma universidade pública, o pessoal tem mais tempo para discutir.” Ela, que trabalha à tarde, aponta também a área de humanas com um natural berço do universitário mais engajado. “Mas essa é uma figura que está mudando. Até mesmo na aparência. Em algumas faculdades, o povo se veste como se estivesse pronto para ir a uma festa.”