Drama social nas Forças Armadas

Jornal O Popular, 23/11/2007

Drama social nas Forças Armadas

Fatos hoje vivenciados por companheiros oficiais da reserva e reformados da Marinha, do Exército e da Aeronáutica em Goiás, merecem atenção do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, reconhecidamente aberto ao diálogo, a quem foi encaminhada carta com um dramático apelo. A preocupação maior é com aqueles menos assistidos, os soldados e graduados, atualmente em grandes dificuldades para a manutenção de suas famílias e mesmo para honrar dívidas menores, em face da irrisória remuneração recebida pelos serviços prestados à Nação.

Eurides Curvo

Delineamos, a seguir, um quadro da grave realidade atual das Forças Armadas.

Os militares brasileiros trabalham em regime de dedicação exclusiva, quando necessário diuturnamente, às vezes em condições adversas, inclusive de moradia, sem direito a dispensa do serviço para repouso, sem hora extra ou diferencial noturno, sem direito à greve, às leis trabalhistas comuns para ampará-los, às compensações conquistadas por quase todas as categorias profissionais. Na verdade, a disciplina prestante os faz sofrer em silêncio. Observa-se, por exemplo, que a transferência de um militar por necessidade do serviço para localidades menos desenvolvidas tem ocasionado sérios problemas. Dependentes de um segundo emprego, normalmente da mulher, e com dificuldades para obter ensino adequado para os filhos, quase sempre em decorrência da inexistência de escolas adequadas nos perdidos rincões da Pátria, eles têm visto se multiplicarem os dramas de separação das famílias e os problemas sociais decorrentes.

Constata-se que a remuneração das Forças Armadas está muito defasada em relação às demais do Poder Executivo, como a Polícia Federal, e a das polícias estaduais; e, ainda, considerando-se outros tantos setores que obtiveram no atual governo reajustes de até 130%, justos e merecidos. A injustiça realmente vem ocorrendo com as Forças Armadas, que amargam um congelamento virtual de vencimentos por mais de dez anos, sem uma atualização salarial compatível com o esforço e a importância de seu trabalho. Neste sentido, vale lembrar do tempo em que o presidente Lula lutava pelos direitos dos menos favorecidos.

Verifica-se que as assistências médico-hospitalar e odontológica são mais onerosas para os militares usuários. Elas dependem dos chamados Fundos de Saúde, cujo funcionamento está calcado em desconto mensal do salário de todos os militares (inclusive da reserva), existindo ainda uma indenização de 20%, parcelada em folha, para cada procedimento de atendimento ou tratamento. Estas condicionantes tornam o salário ainda menor. A situação é realmente crítica e entendemos que alguma providência emergencial deve ser implementada, sob risco de assistirmos ao agravamento de verdadeiros dramas sociais, hoje já vivenciados por expressivo número de militares. Sugerimos que o governo se disponha a contribuir para os Fundos de Saúde, abolindo a cobrança da atual indenização ou, ainda, determinando a redução dessa contribuição para 5%. Essas iniciativas ou outras do Poder Executivo poderão minorar o drama da família militar, ainda que seja apenas quanto aos aspectos referentes à saúde. Outra situação crítica é a falta de alimentação nos quartéis por contingenciamento de verbas orçamentárias para outros fins, contrariando o apanágio presidencial de três refeições ao dia para todos os brasileiros.

Lembramos que o trabalho das Forças Armadas, em um país com as deficiências estruturais do Brasil, é sempre importante, múltiplo e estratégico. Os militares atuam, quando necessário, nos desastres naturais, nas calamidades públicas e, por imposição constitucional, na garantia da lei e da ordem. São as alternativas do governo nas greves dos serviços públicos, na falência das instituições estatais, nos transportes, nas construções e ainda nas atividades cívico-sociais junto às populações carentes, inclusive nas aldeias indígenas e nas áreas inóspitas das fronteiras. Elas são o último argumento do Poder Executivo, força de pronto emprego e baixo custo, para se utilizar nas horas difíceis e nas situações onde nada ou ninguém tem a habilidade específica. Recordamos a pronta a efetiva solução das Forças Armadas do Brasil no infausto acidente do avião da Gol na floresta amazônica, na crítica situação político-militar no Timor Leste e no labirinto de segurança no Haiti. Forças Armadas eficientes e bem equipadas são poder dissuasivo, são demonstrações vivas das capacidades de uma nação, são capazes de diluir pretensões e intenções espúrias de outras nações.

Devemos observar que a vida do militar das Forças Armadas é muito complexa. Na sociedade moderna, em todos os países, formar um indivíduo como soldado tem se mostrado uma tarefa cada vez mais difícil. Em um mundo progressivamente materialista, continuamente mais voltado para a satisfação própria do indivíduo, torna-se um desafio o cumprimento do dever para com a Pátria e o compromisso com valores verdadeiros, tais como a honra, a verdade, a honestidade e a disciplina, apanágio dos legítimos soldados. Seguramente, a baixa remuneração das Forças Armadas tem estiolado esses valores e isso tende a se agravar com a perda da credibilidade da profissão, nos chefes e nas instituições. O serviço militar prepara o indivíduo para a vida civil.

Instituição com a maior credibilidade do País nas pesquisas de opinião pública, das Forças Armadas exigem-se profissionalismo e competência no cumprimento da missão constitucional. Assim, é mais do que justa a atualização da remuneração dos militares. Aguardamos uma solução efetiva antes do fim de 2007, para que possamos desfrutar todos de um feliz Natal e de um próspero ano novo.

Eurides Curvo é tenente-coronel de Infantaria reformado, ex-comandante da Polícia Militar e ex-secretário de Segurança do Estado de Goiás, engenheiro eletricista, professor titular aposentado da Escola de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade Federal de Goiás