Línguas indígenas brasileiras: resistência e extinção

Jornal Diário da Manhã, 03/12/2007

Línguas indígenas brasileiras: resistência e extinção

Em 1500, quando os portugueses aqui chegaram, elas eram em torno de 1.300; hoje as línguas indígenas faladas no Brasil são talvez 180. Mas elas desaparecerão todas se não houver mudança nas políticas de língua e na ideologia sutil, mas real, de intolerância com as diferenças, inclusive étnica e lingüística. Conforme nos diz Cibae Eurororo, um índio bororo de Mato Grosso, “o homem branco, aquele que se diz civilizado, pisou duro não só na terra, mas na alma do meu povo, e os rios cresceram, e o mar se tornou mais salgado porque as lágrimas da minha gente foram muitas”.
É por isso, que diante desse quadro, quero hoje homenagear duas mulheres, duas pesquisadoras da Universidade Federal de Goiás, que fazem de seu objeto de pesquisa – as línguas indígenas brasileiras – não só instrumento de avanço do conhecimento mas também uma forma de posicionamento político, de estar neste mundo, e de lutar pelos direitos dos povos indígenas. São elas a dra. Sílvia Lúcia Bigonjal Braggio e a dra. Mariana de Souza Garcia, respectivamente, orientadora e orientanda de uma tese de doutorado defendida no último dia 30 de novembro na Faculdade de Letras, intitulada “Uma análise tipológica sociolingüística na comunidade indígena de Ipegue: extinção e resistência”.
Ipegue é uma comunidade de 1043 pessoas da etnia indígena terena. Ao todo são 16.000 índios terena, distribuídos por outras aldeias no Mato Grosso do Sul. Apesar do número relativamente expressivo, comparado com grupos indígenas de pouquíssimos falantes, terena corre risco de desaparecimento. Uma língua começa a morrer quando deixa de ser falada como primeira língua pelas crianças, quando deixa de ser usada para as atividades do dia-a-dia. E cada língua que desaparece leva consigo conhecimentos lingüísticos, medicinais, culturais, mitológicos, religiosos, artísticos, acumulados por gerações e gerações, empobrecendo a humanidade.
A língua Terena de Ipegue, lamentavelmente, caminha para a extinção e o grupo correspondente se direciona para um monolinguismo em língua portuguesa. Mas a escolha desse destino não tem sido democrática nem isenta. Ela é induzida por fatores econômicos e políticos. É claro que o processo vem de longa data. Começou há 500 anos, com campanhas de caça a escravos, continuou com epidemias de doenças contagiosas vindas da Europa, com a redução progressiva dos territórios de caça e coleta, e a assimilação (forçada ou induzida) aos usos e costumes. Um processo recente tem sido o esfacelamento das comunidades pela ausência de jovens, que saem em busca de emprego. A marginalização sócio-econômica do grupo de Ipegue os empurra para uma subvida como cortadores de cana-de-açúcar, nas usinas que rapidamente vão se instalando no Mato Grosso do Sul. A necessidade de dinheiro faz com que a família e a comunidade comecem a valorizar a língua portuguesa, necessária para a inclusão econômica. Daí é um passo para que os jovens e crianças progressivamente deixem de falar a língua terena. Começa a haver um sentimento de vergonha em relação a ela, criando uma situação clara de conflito entre o português e o terena.
A UFG, em parceria interinstitucional com a UnB, desenvolve o projeto LIBA: Línguas Indígenas Ameaçadas, documentação (análise e descrição e tipologias sociolingüísticas), coordenado pela dra. Sílvia Braggio. A tese da dra. Mariana, de cuja banca tive o orgulho e o privilégio de fazer parte, se insere nesse projeto. Além do amor pela lingüística em geral e pela língua terena em particular, a dra. Mariana também descobriu seu amor por um índio terena, com quem se casou e com quem tem uma filha – a Ana Wiwiko – uma linda garota, falante de terena. É assim que a luta pela manutenção das línguas ameaçadas também às vezes acontece. É uma história de luta e de sofrimento mas também de amor. A Ana Wiwiko é a esperança, a resistência. Inspiração para seus pais, ela precisa ser também inspiração para o Brasil.

Raquel Teixeira é deputada federal (PSDB-GO)