Entrevista: Milca Severino
Jornal Tribuna do Planalto, 15/12/2007
Entrevista: Milca Severino
Um problema de todos. É assim que a secretária de Educação do Estado de Goiás, Milca Severino, sonha em ver a sociedade tratando a educação. Na opinião da educadora, que já exerceu dois mandatos à frente da Reitoria da Universidade Federal de Goiás (UFG), a educação só avançará em seus índices quando toda a sociedade abraçá-la como uma prioridade de todos.
Na opinião de Milca Severino, a própria sociedade não valoriza e não defende a educação, não defende melhores condições salariais e de trabalho para os trabalhadores da educação; não exige uma escola melhor para seus filhos e não reconhece a educação como um bem social. A secretária Milca Pereira Severino visitou a redação da Tribuna do Planalto na quinta-feira, 13. Em entrevista concedida à equipe do caderno Escola, a secretária falou da reforma administrativa do governo do Estado. Ela garantiu que, se não houver onde cortar, a SEE não sofrerá os impactos do enxugamento determinado pelo governador Alcides Rodrigues.
“Estamos fazendo o estudo completo e a partir daí é que faremos os cortes, isso se houver necessidade”, explica a secretária Milca Severino. A titular da pasta com o maior número de funcionários fez um balanço de sua gestão e disse que está feliz com os resultados apresentados pela educação em Goiás. Citou os bons exemplos da educação da rede pública e lançou o desafio a si própria de garantir vagas nas escolas para todas crianças, adolescentes e jovens. A seguir, a entrevista:
Elizeth Araújo, Maria Cristina Furtato e Maria José Rodrigues
Tribuna do Planalto - O governador Alcides Rodrigues implementou a reforma administrativa e pelo que se pôde perceber a área de Educação não faz parte da meta de enxugamento. A senhora chegou a conversar com ele sobre isso? A Educação será uma das pastas poupadas nesta reforma?
Milca Severino - A reforma administrativa do governo abrange toda a sua estrutura, inclusive a Educação. Mas o governador está tendo muito cuidado com essa área porque ela é estratégica e estruturante, além de ser uma de suas prioridades máximas. Neste momento nós estamos fazendo uma avaliação de toda uma estrutura da pasta para buscar mecanismos que possam contribuir para a redução do custo operacional da máquina administrativa. Portanto, não anunciamos nenhuma medida mais drástica na Educação porque esse estudo está sendo feito de uma forma muito cuidadosa, tanto por parte do governador quanto por parte da Secretaria da Fazenda. Eu ainda não tenho informações precisas sobre as modificações na estrutura gerencial da Secretaria porque esses estudos ainda não foram concluídos.
Mas pelo conhecimento que a sra. tem da rede, onde seria possível fazer cortes, onde dá para enxugar?
A rede é muito grande, complexa e, na minha opinião, já tem uma estrutura administrativa muito enxuta. Entretanto, o seu custo operacional é muito alto e hoje a preocupação do governo e da Secretaria de Educação, em particular, é otimizar a gestão na busca de melhorarmos as condições de trabalho para os trabalhadores da Educação. E para isso ser feito será necessário promover uma reengenharia administrativa dentro da própria Secretaria.
Neste contexto que a sra. citou, qual será o foco de sua gestão?
O foco hoje, tanto da Secretaria da Fazenda quanto da Secretaria da Educação, é tornar a SEE competitiva do ponto de vista da aplicação de seus recursos com foco no interesse da melhoria das condições de trabalho dos professores e servidores. Isso sim é o nosso desafio, a nossa pauta do dia. Então, antes de ter em mãos os dados desse estudo, não posso chegar a nenhuma conclusão do ponto de vista de enxugamento.
A sra. acha que é possível fazer cortes na área de pessoal?
Essa é a área mais difícil. Hoje nós estamos fazendo a modelação, o ordenamento de rede e a locação de professores e trabalhadores da Educação que fazem parte do quadro efetivo da Secretaria. Isso vai nos ajudar a conhecer a verdadeira necessidade em relação aos contratos temporários. Esse levantamento deve ficar pronto por volta de 10 a 15 de janeiro e então nós vamos ter condições de realizar alguma alteração neste sentido.
Em relação ao custo operacional da pasta, que na sua opinião é alto, a sra. acha possível administrar uma rede tão grande com recursos aquém dos necessários?
Nós temos, sim, dificuldade com a questão de recursos, mas o problema da Educação não é só esse. E também não podemos dizer que é um problema exclusivo de Goiás. Eu acabo de chegar de Brasília, onde participei de uma reunião com outros secretários estaduais de Educação, com os secretários municipais e com o governo federal. Juntos estamos repensando as estratégias para a área da Educação. É verdade que temos poucos recursos, mas temos também de destacar a importância da gestão escolar e aí é fundamental investir na qualificação dos trabalhadores. Tem também a questão do envolvimento da sociedade brasileira, porque nós só vamos alcançar resultados positivos na educação pública quando a população perceber que a educação também precisa ser sua prioridade máxima.
A sra. realmente acredita que esse envolvimento é possível, uma vez que a educação aparece em sétimo lugar na lista de prioridades da população brasileira, conforme indicou a pesquisa do Ibope no mês passado?
Eu acredito sim. Acredito que nós só temos condições de mudar esse cenário quando a sociedade brasileira colocar a Educação em primeiro lugar em suas prioridades. E isso tem uma relação direta de causa e efeito na questão do financiamento, porque se a própria sociedade não valoriza, não defende melhores condições salariais e de trabalho para os trabalhadores da educação, não exige uma escola melhor para seus filhos, não reconhece na Educação um bem social.
Essas metas de enxugamento do governo federal podem ameaçar a principal promessa do governador, que é a implantação das escolas em tempo integral?
Não ameaçam. E isso eu falo com muita segurança. Tanto não que nós até já definimos um cronograma de expansão para 2008. Em relação a isso, o governador tem sido enfático. A escola em tempo integral é sua prioridade e é prioridade de verdade.
São quantas unidades?
Nós estamos com uma agenda que prevê a implantação de 100 unidades para o ano que vem, mas trabalhamos com a perspectiva de extrapolar este número. Hoje nós temos 52 unidades funcionando e até agosto, setembro de 2008 teremos essas 100 novas unidades.
Por que a previsão para agosto?
Porque já estamos com projetos com recursos garantidos para a construção de escolas, quadras poliesportivas e recursos para informática, laboratórios, etc, que devem estar liberados até o mês de agosto. Nós já temos um grupo de engenheiros na Secretaria trabalhando para a melhoria dos banheiros e da infra-estrutura física e esse trabalho inclui as 52 unidades já em funcionamento, que estavam necessitando de melhorias, e as que serão implantadas.
A sra. já tem números concretos sobre as melhorias realizadas em 2008?
Tenho sim e estou muito feliz com os resultados reais alcançados. Eles atendem 100% das nossas expectativas, claro que nós temos muito sonhos ainda não-realizados, expectativas de melhorias ainda não-alcançadas, mas, dentro da conjuntura que estamos atravessando, das dificuldades, dos problemas, da falta de recursos, eu só posso comemorar os resultados conquistados, mesmo com todas as dificuldades conhecidas.
Em termos de recursos, a sra. já tem idéia de qual será o montante da educação no orçamento de 2008?
Será de um bilhão e 600 milhões de reais aproximadamente. Esses são os recursos no orçamento e a Secretaria estará recebendo também recursos de projetos que estão já pactuados com o governo federal.
O Ministério da Educação anunciou esta semana a liberação de R$ 200 milhões para o Ensino Médio nos Estados, mas o foco principal deverá ser a Educação profissional? A sra. acha que esse é o melhor caminho agora?
O Ensino Médio representa um verdadeiro gargalo na Educação no Brasil. Eu advogo a idéia de que o Ensino Médio tem de atender uma diversidade, focada em três possibilidades de formação. Nós precisamos oferecer o Ensino Médio clássico, em que o adolescente tenha a oportunidade de cumprir um currículo que lhe permita acesso à universidade. Nós temos também de oferecer a Educação profissional para aqueles que quiserem fazer faculdade, mas que também queiram entrar no mercado de trabalho. E ainda oferecer o Ensino profissional para quem já possui o nível médio e precisa de capacitação para conquistar sua vaga no mercado. Nós hoje estamos trabalhando mais ou menos nesta direção, que se tornou um modelo de sucesso em vários outros países.
Como a sra. analisa a pesquisa do Instituto Paulo Montenegro que detectou que 45% dos alunos de Ensino Médio estão recebendo o diploma de conclusão do curso, mas encontram dificuldades para ler e compreender textos um pouco mais elaborados?
É um número muito alto. Na verdade esse cenário de aprendizagem no Brasil é muito preocupante e retrata a falta de priorização na educação. A pergunta que precisamos fazer é o que a escola está fazendo com a criança, com o adolescente e com o jovem e nós precisamos revisitar todas as ações pedagógicas implementadas dentro desse universo escolar para que isso seja alterado. Há poucos dias nós concluímos um curso de capacitação em gestão escolar para 4 mil trabalhadores de nossa rede. Atendemos todos os diretores das unidades escolares, todos os vices e todos os secretários-gerais das escolas e o foco do nosso treinamento foi exatamente este: o que a equipe gestora pode fazer para modificar esse cenário dos indicadores educacionais e qual é a metodologia, o compromisso, o envolvimento da escola.
‘Temos muitos exemplos de sucesso’
Em relação à realidade dos outros Estados, como a sra. situaria o ensino da rede estadual de Goiás?
Nós temos avançado muito na educação. Não só o Estado de Goiás, mas o Brasil como um todo. Em Goiás, nós temos muitos exemplos de sucesso – e não são isolados – que podem ser citados aqui. Temos estudantes que tiraram nota 10 na redação do Enem e que conquistaram média 9,2 no mesmo exame. Esses estudantes de Goiás sabem ler, escrever, interpretar. Temos crianças, temos jovens e adolescentes aprendendo em nossas escolas. O que está ruim é a média e por isso é que não podemos colocar todos no mesmo balaio. Temos diversas experiências em escolas pobres, sem a menor condição de estrutura física, em que as crianças estão aprendendo, sim. Em Goianésia temos dois alunos – o Aurélio, que venceu o Soletrando – e a Laura, que conquistou o primeiro lugar do 35º concurso internacional de redação da União Postal Universal.
Ela é uma aluna da zona rural, de família carente, que está recebendo uma excelente educação na rede pública. Ela escreve muito bem, fala muito bem, é uma pessoa inteligente e uma menina de sucesso. Temos também o exemplo do Emerson, que venceu um concurso de meio ambiente da revista Época e do Conselho Britânico, que é aluno da rede estadual de Inhumas. Temos ainda o Diogo, aluno de uma escola nossa na periferia de Goiânia, e que ficou em primeiro lugar no concurso de desenho da Agência Espacial Brasileira. Tivemos o prêmio de Gestão Escolar e quem ganhou foi uma escola de Silvânia, conveniada com o Estado, mas que é uma escola pública 100% gratuita.
A Escola Estadual José Costa Paranhos, de Ipameri, foi a melhor colocada do Centro-Oeste em Matemática na 4ª série da Prova Brasil de 2006. O Colégio Estadual Raimundo Santana do Amaral, de Rubiataba, recebeu o prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia em 2007, com o projeto Córrego da Serra, que visa a recuperação e a preservação do meio ambiente. Portanto, são muitos os exemplos de sucesso de alunos e de escolas da rede estadual.
Os bons índices de Goiás no Enem animaram a sra.?
Com toda certeza. Goiás saiu do 11º e foi para o 9º lugar no Exame Nacional do Ensino Médio e isso é um grande avanço, pois mostra que nossas ações estão tendo resultados, mostra nosso compromisso com a aprendizagem.
Segundo o Sindicato dos Trabalhadores da Educação (Sintego), o governo estadual não cumpriu sua palavra de discutir um índice de reposição para a categoria, conforme negociado com a comissão de greve no mês de maio. Como está essa questão hoje e como está seu relacionamento com o sindicato?
Na verdade não houve promessa de reajuste. O que houve foi uma compreensão dos dois lados de que o governo estadual não tinha condições naquele momento de conceder o reajuste solicitado. Os outros itens da pauta de reivindicação do sindicato nós conseguimos implementar, que foi a progressão vertical. Já assinamos 3 mil processos e isso já foi concretizado. Agora, o único – e mais importante – item é o reajuste salarial e esse nós já estamos estudando. Mas num cenário de corte, de enxugamento de máquina, como agora, falar em reajuste salarial é completamente incompatível.
Os trabalhadores da Educação, então, não terão reajuste salarial tão cedo?
O governo do Estado está profundamente sensível a essa demanda e está com o seu olhar muito atento para futuras possibilidades de atendimento à categoria. A outra pergunta que você me fez, sobre o relacionamento da Secretaria de Educação e o Sindicato, eu posso dizer que somos pautados por um profundo respeito pelas representações dos nossos trabalhadores. Nós respeitamos a legitimidade do sindicato e o nosso diálogo é profundamente democrático e respeitoso.
Os interesses do governo não são contrários aos reivindicados pelo sindicato?
Não. Nesta questão, eu fico muito tranqüila para afirmar que a pauta do sindicato é a mesma da Secretaria de Educação. Nós temos os mesmos anseios, que é a melhoria da infra-estrutura das escolas, a melhoria salarial e das condições de trabalho. E tudo isso está no nosso plano de gestão, de modo que não existem discordâncias entre o que o governo estadual defende para a educação e o que o sindicato defende. Estamos juntos na mesma caminhada. A diferença é que até agora não conseguimos recursos para conceder o aumento salarial. Mas isso irá acontecer assim que nós tivermos recursos disponíveis.
A sra. é favorável ao projeto de lei que antecipou a aposentadoria dos professores, de autoria da ex-deputada federal Neyde Aparecida?
Não sou porque o Brasil mudou bastante as suas condições epidemiológicas. Se nós formos ver a questão da qualidade de vida do brasileiro, hoje o cidadão tem uma expectativa média de vida de 73 anos. O professor que se aposenta com 40 e poucos anos ainda tem muita vida pela frente. Então, eu acho equivocado, porque ele vai viver cerca de 40 anos aposentado. Não sou contra ninguém nem nada. Só estou mostrando a mudança de um cenário. É preciso termos hoje uma postura compromissada com a nação, com o Estado brasileiro. Acho que diante desse quadro, o Congresso Nacional deveria rever isso e deveria também rever a questão da isonomia salarial entre os ativos e os aposentados. É uma questão de justiça. Depois de uma vida inteira dedicada à educação, o aposentado deve receber um salário igual ao do ativo.
E quanto às matrículas neste final de ano? A sra. tem alguma boa notícia para os pais?
Tenho sim. O período de matrícula para os alunos novatos será de 2 a 15 de janeiro e estaremos com o nosso serviço de call center em funcionamento. Já os estudantes veteranos, que são aqueles que já estudam na rede estadual, podem fazer a confirmação de suas matrículas até o dia 27 de dezembro. E aqui eu quero deixar um desafio. O governo de Goiás quer todas as crianças, adolescentes e jovens na escola. E isso é um compromisso do governador Alcides Rodrigues; onde não tivermos a infra-estrutura apropriada, nós vamos arrumar, pois é uma determinação do governador.