Sobram vagas na residência
Jornal Diário da Manhã, 18/12/2007
Sobram vagas na residência
Lucielle Bernardes
lucielle@dm.com.br
da Editoria de Cidades
Das cerca de 25 mil vagas oferecidas no Brasil para residências médicas, 8 mil não são preenchidas. O Ministério da Educação (MEC), órgão que credencia as instituições médicas, alega que os médicos recém-formados optam apenas por especialidades que dão mais dinheiro e menos trabalho. Mas o principal motivo, reconhece o ministério, é a falta de recursos para o pagamento das bolsas. Em Goiás, ao todo, são 498 vagas distribuídas durante os quatro anos de residência (R1 - 205 vagas; R2 - 204; R3 - 81 e R4 - 8) para 110 profissionais que se formam anualmente na Universidade Federal de Goiás (UFG).
Quatorze instituições, entre públicas e privadas, são credenciadas pelo MEC. O presidente da Comissão Estadual de Residência Médica (Cerem), mastologista Juarez Antônio de Sousa, acredita que em torno de 32% dessas vagas não são preenchidas.
O Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo) conta com 10 vagas para clínica médica, mas só disponibiliza cinco. O Hospital Materno-Infantil (HMI) tem capacidade para oferecer sete vagas em ginecologia, mas utiliza apenas cinco. “Vai da conveniência da instituição. Se tem mais dinheiro, abre mais vagas. Se não tem recursos, esse número diminui”, observa.
Outro motivo é o desinteresse dos profissionais por determinadas especialidades. De acordo com o estudo do MEC, sobram vagas para residência nas áreas de saúde da família e comunidade, pneumologia, nefrologia, neurologia e cirurgia cardiovascular. Já clínica médica, cirurgia geral, dermatologia, oftalmologia e endocrinologia são as mais procuradas.
As preferidas em Goiás são dermatologia e especialidades cirúrgicas. “Daqui uns anos, vamos ter que convencer os nossos médicos a se especializarem em pediatria e ginecologia. Caso contrário, não teremos mais pediatras nem ginecologistas no mercado de trabalho, tamanho é o desinteresse”, afirma Juarez Antônio.
Os médicos goianos também não estão interessados nas áreas de cardiologia e terapia intensiva. Talvez, os recém-formados não optam pela residência médica em cirurgia cardiovascular, por exemplo, por exigir grande investimento do profissional, embora seja uma especialidade rentável.
Essencial
“Hoje, o grande funil de qualificação para os médicos é a residência, pois são muitos os profissionais que saem das faculdades a cada ano”, diz o ortopedista Robson Azevedo, professor de residência médica do Hospital Ortopédico de Goiânia (HOG). “No Brasil, faculdade de Medicina virou um bom negócio, principalmente para as particulares”, completa ao informar que existem mais de 170 instituições que oferecem esse curso no País.
Robson acredita que o profissional sem especialidade médica pode enfrentar alguns problemas, como dificuldade em se credenciar junto a planos de saúde, ser impedido de prestar concurso público, entre outros. O presidente do Conselho Regional de Medicina de Goiás (CRM-GO), psiquiatra Salomão Rodrigues Filho, concorda com o ortopedista. “A residência é essencial para que o médico exerça a especialidade com competência.” Salomão lembra que, ao se formar, o médico está preparado para exercer a Medicina, mas não a especialidade, que é a oportunidade para aprimorar os conhecimentos.
O psiquiatra diz não concordar com o MEC quando este aponta que os médicos optam por especialidades mais rentáveis e menos trabalhosas. “É preciso ter vocação. O profissional que tem boa formação, competência e dedicação vai ter sucesso, independente da área que escolher.”
Salomão defende maior número de vagas para as residências médicas: “Se 12 mil médicos são formados no Brasil a cada ano, deveríamos ter 12 mil vagas por ano e não 8 mil.” As cerca de 25 mil vagas citadas são referentes a três anos de residência médica (R1 - 10.332; R2 - 10.343 e R3 - 5.033).
Dedicação
O médico Luiz Felipe Alvarenga Salles de Almeida Brito, 28, em seu terceiro ano (R3) de residência em ortopedia, no HOG, admite que já gostava dessa área antes de prestar vestibular. Apesar de ter ficado em dúvida se optava pelo curso de Engenharia Civil (o pai é engenheiro civil), preferiu a Medicina.
Em 1997, um acidente que lhe fraturou o ombro e a perna fez com que se aproximasse ainda mais da ortopedia. “O profissional tem que gostar mesmo do que faz. Se não gosta, ele não dá conta de continuar nessa área.”
Luiz Felipe diz que a rotina de um ortopedista é pesada. O residente em ortopedia trabalha 120 horas semanais. São 12 horas por dia. Quando tira plantão de 24 horas, a cada três dias, acaba ficando no hospital 36 horas. Segundo afirma, em 2006, quatro colegas de profissão abandonaram a residência médica em ortopedia.
“Não adianta ser uma área rentável. De que vale conhecer só a parte boa da especialidade? É preciso conhecer bem o que vai fazer durante o resto de sua vida”, aconselha. O futuro médico pode começar a fazer suas escolhas ainda na faculdade. “Tente fazer um estágio extracurricular e conheça a parte ambulatorial e a cirúrgica de um hospital, por exemplo, e tenha dedicação acima de tudo.”