Detento tem nota acima da média nacional

Jornal Hoje, 18/12/2007

Detento tem nota acima da média nacional

Lidia Borges

Ao saber de suas notas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o estudante Valdir Ferreira de Oliveira teve uma surpresa: sua média no Enem superou a nacional em dois pontos. Aos 50 anos, ele terminou o 2º ano do Ensino Médio em escola pública, duas décadas depois de ter deixado a sala de aula. Agora, já faz planos de cursar faculdade de Sociologia. Como todo candidato, traça seus objetivos. “Quero atuar em pesquisa e, quem sabe, ajudar políticos e líderes a repensar o nosso País.” Mas as metas do ex-motorista de caminhão, nesse momento, ainda estão separadas por muros de segurança máxima. Valdir é detento do regime fechado da Penitenciária Coronel Odenir Guimarães (POG).

No boletim do Enem, os gráficos mostram claramente a diferença entre as notas do reeducando e a média brasileira. Valdir obteve 76,19 pontos na parte objetiva e 70 na Redação. A pontuação nacional média foi de 51,52 e 55,99 respectivamente. “Fiquei surpreso porque era algo inédito para mim. Mas o que mais me assustou não foram minhas notas e, sim, a média nacional, que é muito baixa.” O detento voltou a estudar em maio, um dia depois de ter sido transferido para a POG, onde cumpre pena de sete anos.

Na Escola Estadual Dona Lourdes Estivalete Teixeira, que fica dentro da penitenciária, tem aulas de segunda a sexta-feira, das 13 horas às 15h30. Segundo Valdir, sua intenção era recordar os conteúdos e aproveitar o tempo ocioso. Além disso, o esforço dentro da POG é recompensado. Assim como na indústria da unidade prisional (onde trabalha em serigrafia e costura de bolas), três dias de estudo representam um dia a menos na pena. Ele não quis revelar o crime a que foi condenado; apenas diz que está preso injustamente.


Valdir comenta que dedica poucas horas de leitura fora do horário de aula, mas dá a sua explicação para a obtenção de boas notas. “Não me considero inteligente, mas tenho facilidade de assimilar idéias e recordar o que já tinha aprendido”, afirma, referindo-se aos conteúdos da época em que ainda estudava na década de 80. O reeducando se mostra indignado com a situação da educação no Brasil e diz que é necessário uma mudança urgente. “A população evoluiu, mas o ensino está estagnado.”

A diretora do colégio dentro da POG, Maristela Barcelos Costa, explica que os bons resultados adquiridos dentro da unidade são uma oportunidade para que os reeducandos sejam “percebidos” dentro do sistema prisional. “Já tivemos alunos finalistas nas Olimpíadas de Matemática da UFG, outros que conseguiram bolsas no Prouni. Esses destaques são importantes.”


Apesar do bom desempenho, Valdir não poderá aproveitar o atual resultado no Enem como nota em vestibular, já que ainda não terminou o Ensino Médio. Mas, para ele, isso não é problema. “Aprendi que nunca é tarde para recomeçar. Eu tive essa sorte e tive sucesso”, ressalta.