(UFG) Depressão precisa de diagnóstico precoce
Depressão precisa de diagnóstico precoce (Jornal Hoje, 17/02/2008)
Carla Lacerda
Ela nunca imaginou que pudesse ter uma reação como aquela. Não ela, sempre calma e prestativa. Mas aconteceu. Era manhã de uma sexta-feira junina. A professora Maria de Jesus (nome fictício), 35, estava em casa. Já havia preparado o café para a família. Já havia levado as duas filhas – no ano passado com 3 e 11 anos – para a escola. Já havia limpado a cozinha, arrumado a cama, feito o almoço. Hora de buscar as meninas. OK, compromisso cumprido. Começou então a servir a refeição e foi para a área de serviço bater roupa no tanquinho. O relógio apontava o início da tarde: 12h30.
Enquanto, aflita, a dona de casa-mãe-esposa-professora terminava os serviços domésticos e pensava na dupla jornada que tinha pela frente – ela trabalhava em dois empregos –, a caçulinha dela brincava na copa, alheia ao prato de comida preparado pela mãe. Maria de Jesus lhe chamou a atenção. A pequena não deu bola. Falou outra vez. Nada. A professora, sempre comedida, estourou com o ato de desobediência. Pegou o prato da menina e jogou na parede. Desabafou. Gritou. Chorou. A filha ficou com olho arregalado. Não entendia o que acontecia. Maria de Jesus também não.
Apesar de parecer uma simples atitude explosiva, a reação da professora estava relacionada a um diagnóstico cada vez mais freqüente nos consultórios médicos. Ela tinha depressão. Os desdobramentos da doença, no caso de Maria, não foram tão graves. Ela fez tratamento. Hoje está bem. Mas se não identificada precocemente e acompanhada de forma adequada por um profissional, a patologia pode caminhar para desfechos trágicos.
Como o que ocorreu com o ator australiano Heath Ledger, famoso pelo papel do caubói homossexual no filme O Segredo de Brokeback Mountain. Ele morreu no dia 22 de janeiro e, segundo o Instituto Médico Legal de Nova York, o óbito foi causado por uma overdose acidental de medicamentos. Ledger tomava há algum tempo remédios contra ansiedade, um dos sintomas de pessoas depressivas.
Se o excesso e a combinação dos medicamentos tornam-se arma perigosa, a falta deles igualmente é prejudicial. Classificada como transtorno de humor entre as doenças mentais, a depressão tem causas biológicas. O tratamento, portanto, precisa de intervenções farmacológicas. Sem remédios, o quadro pode se tornar mais grave. “O índice de suicídio entre os deprimidos é muito maior do que na população geral”, alerta o psiquiatra Geraldo Francisco do Amaral, professor-adjunto da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Na última semana, o HOJE noticiou o caso de um jovem que, após ver o primo baleado, tomou veneno. Renato Francelino da Silva, 23, segundo parentes, tinha depressão. “Ele se desesperou ao ver o primo naquele estado”, informou uma tia do garoto à reportagem. Por sorte, a tentativa de suicídio não logrou êxito. Renato se recupera do episódio.
Para evitar situações como essas, psiquiatras alertam para a importância do reconhecimento dos sintomas da depressão. Os dois principais deles, segundo Geraldo do Amaral, são o sentimento de tristeza sem motivo (diferente daquele que é conseqüência de algum trauma ou situação difícil) e a perda generalizada do prazer. Outros sinais são a irritabilidade, fadiga, dores físicas, perda de apetite e dificuldade de concentração, que podem aparecer conjugados.
CÂNCER
O diagnóstico precoce também pode ajudar no combate de outras enfermidades. Segundo o presidente da Associação Psiquiátrica em Goiás, Salomão Rodrigues Filho, os primeiros sintomas de dois tipos de tumores (da cabeça do pâncreas e do pulmão) são bastante parecidos com os da depressão. “Por isso, quando o paciente está em sua primeira consulta, com suspeita de casos de depressão, estuda-se também a possibilidade de câncer”, pontua. O contrário também ocorre. “A pessoa pode desenvolver o transtorno de humor depois que recebe um diagnóstico de câncer.”
ELETROCHOQUE É EFICAZ CONTRA MAL
O tratamento tradicional contra a depressão conjuga intervenções farmacológicas, cujas receitas devem ser prescritas por um psiquiatra, e as psicoterapias, que podem ser ministradas também por psicólogos. Uma terceira alternativa dos especialistas é a eletroconvulsoterapia, popularmente conhecida como “eletrochoque”. A medida é recomendada principalmente quando não há resposta do organismo aos medicamentos.
Apesar do preconceito da sociedade em relação a esse tipo de terapia, psiquiatras asseguram que o método, hoje moderno e aperfeiçoado, é mais seguro e eficaz do que o tratamento à base de antidepressivos. “Na Europa e nos Estados Unidos, a técnica é bastante utilizada, principalmente em pacientes idosos. Isto porque, como este público tem baixa imunidade, os efeitos colaterais dos remédios no organismo deles são mais intensos. A eletroconvulsoterapia é mais segura”, explica o presidente da Associação Psiquiátrica em Goiás, Salomão Rodrigues Filho.
Ele acrescenta que a resposta ao tratamento é também mais rápida. Na primeira semana, já pode ser verificada uma melhora. “Com um mês, temos a recuperação completa do paciente”, assinala. Os resultados com os remédios aparecem após 15 dias, e a cura, em média, vem depois de 12 semanas.
Coordenador de pesquisas sobre depressão na Universidade Federal de Goiás (UFG), o psiquiatra Geraldo Francisco do Amaral também atesta a eficiência do método. Ele diz que as únicas contra-indicações são para pessoas com problemas cardíacos ou com fratura de ossos. “Até grávidas podem”, informa.
O psiquiatra explica que a depressão é uma doença que desestrutura as neuroenzimas existentes no cérebro. Há a predisposição genética; fatores externos (alguma perda, por exemplo) podem desencadear o problema. Não é raro o transtorno aparecer em conjunto com outras enfermidades, como a síndrome do pânico ou o transtorno obsessivo compulsivo (TOC). Por ter causas biológicas, é de difícil prevenção.
ATÉ 12% DA POPULAÇÃO SOFRE COM DOENÇA
Embora não existam cálculos exatos, estimativas sobre os casos de depressão assustam. Segundo o psiquiatra Geraldo Francisco do Amaral, entre 8% e 12% da população mundial sofre com a doença. A quantidade que apresenta sintomas depressivos é maior – em torno de 17%. A despeito do desconhecimento do motivo, provavelmente por causa do sistema endocrinológico, as mulheres estão mais suscetíveis a desenvolver a patologia.
Os prognósticos também não são nada animadores. Relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2001 aponta que a depressão será a segunda causa de incapacitação no mundo em 2020 – ficará atrás apenas do grupo de doenças cardíacas. Atualmente, no Brasil, os registros de afastamento do trabalho contabilizados pelo Ministério da Previdência Social são considerados deficientes. “Existe uma subnotificação, decorrente da metodologia utilizada”, assinala a professora do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB), Anadergh Barbosa-Branco. O anuário estatístico do ministério de 2006 apontou 326 casos de licença por causa da depressão em todo o País, com 26 ocorrências no Centro-Oeste. “O número é muito maior”, reforça.
Pesquisas realizadas pela especialista mostraram que em seis anos (entre 2000 e 2006), o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) concedeu 582.735 benefícios auxílio-doença por doença mental. Destes, 285.418, quase 50% tiveram diagnóstico de depressão. Ainda de acordo com Anadergh, os ramos de atividade com maior prevalência de casos de transtorno de humor (grupo do qual a depressão faz parte) são os seguintes: fabricação de produtos têxteis; preparação de couro e fábrica de artefatos de couro; transporte terrestre; intermediação financeira (bancos); saúde e transporte aéreo.
SAIBA MAIS
A depressão é um distúrbio afetivo que acompanha a humanidade ao longo de sua história. No sentido patológico, há presença de tristeza, pessimismo, baixa auto-estima, que aparecem com freqüência e podem combinar entre si. É imprescindível o acompanhamento médico tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento adequado.
Sintomas:
– humor depressivo ou irritabilidade, ansiedade e angústia;
– desânimo, cansaço fácil, necessidade de maior esforço para fazer as coisas;
– diminuição ou incapacidade de sentir alegria e prazer em atividades anteriormente consideradas agradáveis;
– desinteresse, falta de motivação e apatia;
– falta de vontade e indecisão;
– sentimentos de medo, insegurança, desesperança, desespero, desamparo e vazio;
– pessimismo, idéias freqüentes e desproporcionais de culpa, baixa auto-estima, sensação de falta de sentido na vida, inutilidade, ruína, fracasso, doença ou morte. A pessoa pode desejar morrer, planejar uma forma de morrer ou tentar suicídio;
– interpretação distorcida e negativa da realidade: tudo é visto sob a ótica depressiva, um tom “cinzento” para si e os outros ;
– dificuldade de concentração, raciocínio mais lento e esquecimento;
– diminuição do desempenho sexual (pode até manter atividade sexual, mas sem a conotação prazerosa habitual) e da libido;
– perda ou aumento do apetite e do peso;
– insônia (dificuldade de conciliar o sono, múltiplos despertares ou sensação de sono muito superficial), despertar matinal precoce (geralmente duas horas antes do horário habitual) ou, menos freqüentemente, aumento do sono (dorme demais e mesmo assim fica com sono a maior parte do tempo);
– dores e outros sintomas físicos não justificados por problemas médicos, como dores de barriga, má digestão, azia, diarréia, constipação, flatulência, tensão na nuca e nos ombros, dor de cabeça ou no corpo, sensação de corpo pesado ou de pressão no peito, entre outros.
Fonte: Associação Brasileira de Psiquiatria e Ministério da Saúde