(UFG) Sindicatos perdem mobilização

Sindicatos perdem mobilização (Jornal Hoje, 24/02/2008)

Antônio Lisboa

Quem não se lembra das grandes passeatas que mobilizavam centenas e até milhares de trabalhadores, e que saíam às ruas com carros de som, faixas, cartazes e gritando palavras de ordem? Piquetes nas portas de fábricas e agências bancárias e mensagens radicais na TV e no rádio completavam a cena de 20 anos atrás. Hoje, a ausência desses movimentos que buscavam a todo custo chamar a atenção e ganhar o apoio da opinião pública desapareceu do cotidiano da cidade. Diante disso, cabe indagar: onde está o antigo poder de fogo dos sindicatos? O que aconteceu com o movimento de reivindicação dos trabalhadores?

Manoel do Bomfim Dias Sales, presidente do Sindicato dos Bancários de Goiás, traça o que chama de “golpes” sofridos pelo movimento sindical nos últimos dez anos. O marco teria sido a globalização, com reflexos negativos como a redução dos postos de trabalho e a geração de instabilidade no emprego. Nesse processo, o País assistiu ao desmonte de grandes empresas estatais como a Vale do Rio Doce, com as privatizações cuja conseqüência direta foi levar famílias a perderem emprego e renda.

Sales acrescenta a essa rede de fatores de desmobilização sindical a ação do Judiciário que, segundo ele, “repercutindo os interesses do capitalismo, pratica verdadeiras intervenções nos movimentos de luta dos trabalhadores exarando avalanche de liminares em Ações de Interditos Proibitórios, limitando a atuação sindical a 200 metros das empresas atingidas por movimentos de greve, além de impor pesadas multas diárias às entidades sindicais que buscam o atendimento das reivindicações da classe que representam. Na verdade, o poder de fogo dos sindicatos também passou por mudanças estratégicas, mas algumas categorias continuam com força capaz de garantir as conquistas históricas dos trabalhadores, bem como alcançar novas vitórias”, explica.


No entanto, nem todos os sindicatos se calaram, ressalta Sales. As formas de atuação dessas entidades realmente sofreram grandes mudanças. Hoje, até mesmo a estratégia para deflagrar uma greve é diferente. “A moda agora é a greve de consciência, como a realizada pelos bancários em outubro passado, em que os empregados não compareciam aos postos de trabalho e as agências permaneciam fechadas. Assim, não houve enfrentamento com a polícia e nem descumprimento das decisões judiciais que proibiam ações de grevistas e carros de som até 200 metros dos bancos”, diz.

A escassez de movimentação sugere que essas categorias não tenham mais reivindicações. Para o presidente do Sindicato dos Bancários não é nada disso. Ao contrário, as reivindicações até aumentaram devido à globalização da economia, que trouxe mudanças nas relações trabalhistas e nos níveis de emprego e salários, fatores que diminuíram o poder de barganha dos trabalhadores. Com isso, os sindicatos foram compelidos a buscar novas formas de luta.


Significa, na verdade, que teria havido um redirecionamento das estratégias de luta dos trabalhadores.


CIENTISTA VÊ DIVERGÊNCIAS E DISPUTAS ENTRE GRUPOS


O cientista político Itami Campos lembra que a questão sindical penetra um terreno nebuloso entre a representação de categorias profissionais e aspectos ideológicos ligados ao trabalhismo, luta dos trabalhadores no processo de formação do capitalismo e ainda de muitas divergências e disputas de poder que se estabeleceram entre sindicatos e intra-sindicais. O professor se ancora em outros estudiosos do tema e em estatísticas para concluir que os sindicatos têm perdido força em todo o mundo, inclusive no Brasil. Mesmo onde políticos saídos da esquerda chegaram ao poder essa perda será certa.

Vários fatores estariam a minar as bases dos sindicatos e a gerar essa perda de forças, como a formação atual do capitalismo que tem nas crises um de seus elementos de sustentação. Com isso fragiliza o trabalhador que, diante da perspectiva de perda de seu posto de trabalho, pensa que individualmente teria mais chance de continuar trabalhando. Na raiz do enfraquecimento da atividade sindical, Campos detecta ainda a “desideologização” da sociedade ocidental, que dá uma das cores do capitalismo atual.


Ele avalia que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, um dos líderes do chamado “novo sindicalismo”, faz com que a atual administração federal tenha um pé em setores sindicais, principalmente na CUT. Muitas lideranças passaram a compor a base do governo no Congresso, o que deu impulso a algumas políticas, como a de reduzir a miséria de setores D e E. “Uma das conseqüências da ascensão das lideranças vai ser um esvaziamento da base sindical e do movimento social, não tendo havido ‘reposição’ de lideranças e de filiados. As condições da economia mundial, das diferentes formas de globalização que transformou o mundo do trabalho e as condições do trabalhador são fatores decisivos na questão sindical”, analisa o professor.

Já o professor do Departamento de Ciências Sociais da UFG Revalino Freitas vê um processo de mutação na maioria das instituições sociais. Após conquistar o espaço de interlocutor político, os sindicatos optaram por ações menos conflitivas e desistiram de romper com a estrutura sindical oficial.


“Uma vez acomodados a essa condição, passaram a valorizar as ações burocráticas, a ocupação de espaços institucionais estranhos à ação sindical, a profissionalizar seus quadros, que passaram a assumir assentos em conselhos governamentais e de empresas estatais. Essas ações têm distanciado cada vez mais direção e trabalhadores da base sindical, de tal modo que os sindicatos estão cada vez mais esvaziados, criando novas institucionalidades para se manterem em evidência”, acredita. Revalino diz que as direções sindicais estão cada vez mais profissionais e burocráticas.


HOJE A LUTA É PELA VIDA, DIZ SINDICALISTA


Os novos rumos das políticas de reivindicação dos trabalhadores são confirmados por Ubaldo Barbosa, jornalista, assessor e consultor do Sindicato dos Servidores Públicos do Estado de Goiás (Sindipúblico). Ele lembra que em todos os movimentos sociais expressivos e quando as mobilizações tomaram as ruas, lá estava o movimento sindical. Cita, por exemplo, desde o movimento pelas eleições diretas para presidente da República (Diretas Já, anos 1980) ao processo pela Constituinte, a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, denúncias do chamado mensalão até a recente mobilização, em Brasília, de sindicalistas de todo o Brasil exigindo a redução da jornada de trabalho, além de mudanças na política econômica do atual governo.

“O problema é que devido às formas como se dão as negociações com o governo federal, várias reivindicações são resolvidas ainda no processo de negociação. Por isso, não precisamos recorrer a um movimento mais radicalizado, como é o caso das greves”, justifica.


Barbosa admite que houve mudança na pauta de reivindicações. A demanda por emprego formal diminuiu, verificou-se uma pequena recuperação dos salários, grande número de trabalhadores foram absorvidos pelo mercado. “Assim, as demandas mudaram. Várias categorias de servidores públicos conquistaram, depois de muitas lutas, planos de cargos com reivindicações antigas; diversos concursos foram realizados, reduziu-se o número de doenças ocupacionais, renovaram-se os métodos de prestação dos serviços públicos. Tudo isso faz com que o perfil das reivindicações mude de foco”, avalia.

Afinal, qual é o foco dos sindicatos, hoje? Como é a sua atuação? O assessor do Sindipúblico diz que ganha espaço a luta pela vida, ou seja, as grandes jornadas pela recuperação do meio ambiente. Crescem nos sindicatos os cursos de qualificação de trabalhadores e há ainda expressivo investimento na área de informática. Trabalhadores são estimulados a voltar a estudar e diversos sindicatos oferecem cursos de língua estrangeira (inglês e espanhol) para seus filiados.


Lideranças sindicais de todo o País se reuniram em Brasília com agenda unitária e ampla. Entre as reivindicações estavam a redução da jornada de trabalho, o financiamento da estrutura sindical e a participação dos trabalhadores na gestão das empresas estatais. “O fato de se reunir seis centrais em torno da mesa para discutir e aprovar uma pauta como esta demonstra a força das entidades sindicais”, acredita. Enfim, os sindicatos não morreram, apenas mudaram sua forma de mobilizar e lutar.