(UFG) Violência juvenil em estudo

Violência juvenil em estudo (Diário da Manhã, 23/02/2008)

Matheus Álvares Ribeiro
matheusalvares@dm.com.br
Da Editoria de Cidades

Poderia uma pessoa já nascer com predisposição para atos violentos, ou esta é uma característica adquirida ao longo da história de vida? É esta a pergunta que pesquisadores de duas universidades gaúchas pretendem responder ao estudar as reações do cérebro de 50 jovens homicidas, entre 15 e 21 anos, internados em instituição socioeducativa daquele Estado. O estudo reúne 18 cientistas, dentre psiquiatras, neurologistas, psicólogos, assistentes sociais e geneticistas com um objetivo em comum: descobrir o que ocorre no cérebro deste grupo ao serem expostos a conteúdo violento e entender quais as causas (sociais e biológicas) para a manifestação deste comportamento.
Na prática, os pesquisadores observarão o cérebro por meio de ressonância magnética e estudarão seu funcionamento ao expô-los a imagens violentas. A pesquisa deve durar dois anos e, apesar de nem ter começado, já enfrenta oposição de grupos defensores dos direitos humanos. O maior temor é o uso que se fará com as descobertas, que poderiam fornecer argumentos para práticas de exclusão. Em protesto, o Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância (Ciespi) divulgou em sua página na internet uma nota de repúdio à pesquisa.
Diz um trecho da nota: “Privilegiar aspectos biológicos para a compreensão dos atos infracionais dos adolescentes em detrimento de análises que levem em conta os jogos de poder-saber que se constituem na complexa realidade brasileira e que provocam tais fenômenos, é ratificar sob o agasalho da ciência que os adolescentes são o princípio, o meio e o fim do problema, identificando-os seja como ‘inimigo interno’ seja como ‘perigo biológico’, desconhecendo toda a luta pelos direitos das crianças e dos adolescentes, que culminou na aprovação da legislação em vigor – Estatuto da Criança e do Adolescente.”
Em resposta, o professor Jaderson Costa, um dos pesquisadores, explica que o estudo analisará os jovens sob todos aspectos e que esta análise não pode ser tratada sob o ponto de vista reducionista. “Não sabemos ainda qual a participação do social, do emocional e do psicológico no comportamento violento”. O método usado para observar o cérebro (ressonância magnética) também seria menos invasivo do que outros processos e as imagens exibidas não seriam diferentes daquelas exibidas pela televisão. Para ser realizada, a pesquisa deverá contar ainda com consentimento dos jovens e de seus tutores, no caso, o Estado.
“O que procuramos é ver quais áreas são ativadas quando há exposição à violência e se há algum padrão”, explica Jaderson. O estudo também se dára à luz da genética para descobrir até que ponto o código genético é responsável pela manifestação de certos comportamentos. A hipótese, segundo o professor, é que haveria características pessoais mais modificáveis e que alguns genes dariam à pessoa predisposição maior à impulsividade. “O objetivo é estudar todos os aspectos e dar um peso a cada um.”

“Isso pode criar estigmas”

“Em princípio, eu sou contra qualquer cerceamento à pesquisa, mas este projeto em particular me preocupa”, afirma a socióloga e professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) Dalva Borges. O argumento da professora se refere ao recorte social e étnico feito pelos pesquisadores. A maioria destes jovens pertence a camadas sociais mais baixas e é majoritariamente afro-descendente.
“Isso pode criar estigmas”, avalia. A preocupação da professora é válida. A ciência, especialmente a criminologia, já cometeu erros absurdos ao julgar características físicas como sinais de predisposição ao crime, como as teorias do italiano Cesare Lombroso (1835-1909). Durante muito tempo, teorias como esta foram consideradas verdades científicas, abrindo caminhos para outras ideologias, como a da “supremacia branca”, adotada pelo regime nazista. “Os resultados desta pesquisa, ao atingirem o público, que possui uma tendência a generalizar, podem gerar interpretações erradas”, teme.
“Se eles querem dar um peso a cada fator, deveriam analisar um grupo maior e não só menores internos”, aconselha Dalva. Ainda que seja válida a iniciativa, paira a dúvida sobre a complexidade do cérebro humano, cujas funções não foram plenamente compreendidas pela Medicina. Um exemplo é a questão levantada por Jaderson sobre a relação entre deficiências no sistema nervoso e comportamento agressivo. “Essa pesquisa tem a ambição de responder estas perguntas, mas não sei se eles darão conta.”

Legislação resguarda direito dos menores, diz juiz

“O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê dispositivos no sentido de resguardar o menor”, explica o juiz da 1ª Vara Criminal de Goiânia, Jesseir Coelho de Alcântara. Segundo ele, questões legais presentes no Estatuto poderiam impedir o andamento desta pesquisa. O juiz afirma desaprovar os métodos da pesquisa, mas concorda que ela deveria ser feita, desde que por outros meios.
Jesseir explica que cerca de 90% dos homicidas são considerados imputáveis (entendem o caráter ilícito do ato e podem explicar as motivações para o crime). Os outros 10% são divididos igualmente entre os inimputáveis (doentes mentais ou pessoas que possuam desenvolvimento mental incompleto) e semi-imputáveis, cujo exemplo é o artesão José Vicente Matias, o Corumbá, que entre 1999 e 2005 matou seis mulheres, das quais ingeriu sangue e pedaços do cérebro.
“Hoje a psiquiatria já sabe que há alterações no cérebro de pessoas que cometem crimes”, afirma o psiquiatra Paulo Verlaine. Ele acredita ser importante o estudo do que ocorre no cérebro de criminosos, como forma de entender suas motivações. “Quando mais conhecemos uma situação-problema, menos ela nos parece monstro.”
“Até algum tempo acreditava-se que uma pessoa chamada de psicopata agia daquela forma porque ela era daquele jeito mesmo. Hoje já sabemos que existem causas”. As alterações no funcionamento, segundo o médico, podem tanto ter bases psíquicas quanto neurológicas. As causas para estes distúrbios também podem ser tanto de ordem genética quanto adquiridas posteriormente. “Há casos de indivíduos que sofrem lesões que levam a alterações de comportamento parecidas com a psicopatias.”
São estas causas que a pesquisa pretende investigar. “Nós somos um produto de uma equação. Temos características herdadas, mas também adquiridas”, acredita o professor Jaderson Costa. A psiquiatria moderna alega que a falta de juízos morais estaria em uma deficiência no lobo frontal do cérebro. No entanto, mesmo esta explicação não pode ser considerada padrão entre criminosos. “Existem pessoas que possuem deficiência nesta região e não cometem crimes.”
Diretor do sistema prisional de Goiás, major Anésio Barbosa apóia a iniciativa dos pesquisadores, desde que respeitados os princípios éticos. “Esta pesquisa não deve ser encarada com assombro, mas como uma possibilidade de compreensão.”