(CIÊNCIA) Chance para a ciência

Chance para a ciência (Diário da Manhã, 04/03/2008)

Wanda Oliveira
wanda@dm.com.br
DA EDITORIA DE CIDADES


Os cientistas ainda não falam em cura. É preciso esperar, no mínimo, cinco anos para saber a ação das células-tronco no tratamento de uma série de doenças. Em busca de uma chance, portadores de diabetes, mal de Parkinson, Chagas, leucemia e males do coração acreditam no potencial da terapia celular para escrever nova página na história da Medicina. No Brasil, o trabalho de análise está em fase inicial. O assunto volta ao auge das discussões. Divide grupos religiosos e gera polêmica. O Supremo Tribunal Federal (STF) vota amanhã a lei que determinará se os pesquisadores poderão usar ou não embriões humanos em estudos de células-tronco.

Hoje, os médicos brasileiros só podem trabalhar com as células-tronco adultas, que estão presentes no cordão umbilical e na medula óssea. Atualmente, os estudos mais avançados e promissores envolvem a recuperação do músculo cardíaco, como doenças de Chagas, insuficiência cardíaca, problemas coronários e infartos. Especialistas preferem falar que caminham para emplacar este tipo de tratamento no País do que prever em quantos anos a Medicina poderá comemorar definitivamente essa conquista com células-tronco.

O uso clínico da terapia celular depende de inúmeras pesquisas para avaliar o risco dos pacientes. “Para os estudos que estão mais avançados, no caso da cardiologia, creio que em menos de uma década o tratamento seja utilizado regularmente”, diz a bióloga Daniela Silvestre Alves, mestra e doutora em Genética e Biologia Evolutiva pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP).

Segundo a doutora, praticamente qualquer doença degenerativa poderia ser corrigida com o uso de células-tronco novas. Assim, milhares de doenças seriam curadas, como o tecido cardíaco, para repor um coração infartado; tecido muscular, para crianças com distrofia; neurônios em cérebros com Parkinson ou Alzheimer; pele, para revestir extensas queimaduras; medula óssea, para leucemias, além dos mais diversos tecidos para repor o que foi danificado por acidentes ou por doenças, sejam elas genéticas, infecciosas, ou mesmo câncer.

Daniela explica que, geralmente, as pesquisas envolvem as doenças cujos tratamentos convencionais são ineficazes, ou não valeria a pena investir em novo tratamento mais arriscado. Em muitos casos, a terapia celular deverá substituir os atuais tratamentos, que só minimizam os sintomas. Em outros, pode ser que o risco ou o custo da terapia não valha a pena em termos de benefícios. Isso não quer dizer que é preciso conter a euforia dos cientistas.

É caminho ao mesmo tempo imprevisível e promissor. Existem situações em que o uso de células-tronco apresenta chance de sucesso. Para a bióloga, todo pesquisador que trabalha com a ciência de ponta está acostumado a avaliar riscos antes de divulgar resultados miraculosos: “O que existe é empolgação em realizar cada vez mais estudos para se chegar a conhecimento sólido e útil na prática.”

As primeiras células-tronco humanas foram reproduzidas em laboratório nos Estados Unidos. As células-tronco do cordão umbilical, classificadas como adultas, são limitadas. Elas não conseguem fabricar todos os tecidos do corpo, enquanto que as células-tronco embrionárias, essas sim, têm todo esse poder. A única restrição é que, no caso de doenças genéticas, as células adultas do próprio paciente não podem ser utilizadas, pois apresentam o mesmo defeito.

Segundo Daniela, a expectativa dos pacientes submetidos a terapia celular é essa: se o problema era causado por trauma e for curado pela terapia, como queimadura ou dano à espinha, por exemplo, é esperado que o paciente se recupere de forma definitiva. Por outro lado, doenças degenerativas voltarão a piorar, como uma distrofia ou um mal de Parkinson. “O paciente recebe a terapia, melhora, e, após um tempo, recebe de novo o tratamento, para que os sintomas não retornem.”



Coração

Goiás foi o primeiro Estado do Centro-Oeste a realizar estudo de investigação com células-tronco no tratamento de doenças do coração. A terapia inédita aconteceu em abril de 2006 no Hospital Anis Rassi e no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (UFG). O cardiologista Anis Rassi Júnior, do Hospital Anis Rassi, informa que os resultados deste trabalho só serão conhecidos quando todos os 1,2 mil pacientes em todo o País tiverem sido acompanhados por, pelo menos, um ano após o tratamento. “Por isso, não dá ainda para falar em novidades”. Ressalta que as técnicas já são amplamente conhecidas agora, restando saber se o tratamento é eficaz. “É preciso ser provado através de estudo controlado com placebo.”

Rassi acredita que o tratamento poderá substituir o convencional desde que se prove a eficácia em regenerar músculo cardíaco lesado.