(VESTIBULAR) Vestibulares estão falidos
Vestibulares estão falidos (Diário da Manhã, 07/03/2008)
Gabriel Lisita
EDITORIA DE CIDADES
O caso do garoto João Victor, 8, aprovado para o curso de Direito da Unip, escancara uma realidade: o vestibular não tem mais o mesmo peso de antigamente. “Hoje em dia, temos mais vagas do que candidatos.” Essa constatação é do senador e ex-ministro da Educação, Cristovam Buarque (PDT-DF). Para ele, esta democratização às avessas do ensino superior não é benéfica: “Qualquer pessoa acaba entrando em faculdade por causa disso. Que tipo de profissionais estamos formando?”
O vestibular no Brasil foi criado em 1911. Até aquela época, só ingressavam nas faculdades os alunos que haviam freqüentado colégios renomados. Algumas faculdades tinham cursos preparatórios e quem fosse aprovado no curso também ingressava. Quem não pertencia a esse meio estava automaticamente fora. Quando o número de candidatos cresceu demais para ser absorvido apenas por esse processo, o governo instituiu o vestibular, que demorou algumas décadas para tomar a forma que tem hoje. Até os anos 1960, por exemplo, exames exigiam muito, com provas orais de temas sorteados na hora.
Com a explosão das faculdades particulares no início desta década (hoje, o número total passa de 2.200), o número de vagas aumentou, assim como a disputa por alunos entre elas, já que muitas dessas vagas acabam ociosas. Nos últimos anos, o número de particulares no Brasil cresceu de forma desenfreada. Entre novembro de 2001 e julho de 2003, 544 novos estabelecimentos de ensino superior foram autorizados a funcionar pelo Ministério da Educação (MEC), quase um por dia.
Desde 1995, o número de estudantes cursando o ensino superior dobrou, mas ainda é baixo. Apenas 12% dos jovens com idade entre 18 e 24 anos freqüentam faculdade. Na Argentina, o número passa dos 40%. “Se todos os alunos que começaram os estudos junto com o João conseguissem chegar ao final, ou seja, na condição de prestar vestibular, não teríamos concorrência tão baixa a ponto de aprovar quantidade e não qualidade”, atesta o senador.
Essa disputa faz com que as faculdades ofereçam opções de prova, como eletrônica e agendada, tornando-a mera convenção, vez que é exigida por lei. A professora Olga Ronchi, pró-reitora de graduação da Universidade Católica de Goiás (UCG), acha que é preciso mais seriedade no trato com o vestibular. “Os vestibulares mais sérios publicam o conteúdo das provas. Se outras instituições não fazem o mesmo, tem alguma coisa a esconder, por isso é preciso que a sociedade e os órgãos competentes fiscalizem isso.” O conteúdo da prova de João Victor não foi divulgada pela Unip.
O reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Edward Madureira, acredita que o vestibular ainda é um sistema essencial, mas que passou da hora de ser debatido: “Precisamos ter critério para o acesso nas universidades. O essencial seria ter vaga para todos, mas, como não é o caso, a seleção é necessária. Só que o sistema precisa ser aperfeiçoado.”
Luciana Freire, presidente do Centro de Seleção da UFG, vai na mesma linha. “Precisa ser mais valorizado. Outros métodos são ótimos, mas enquanto não tivermos uma educação justa, com qualidade e vagas para todos, precisamos pensar que o vestibular vai existir.”
Opinião semelhante tem a professora Olga. “Ainda é necessário, pois é um retrato do candidato que estamos recebendo”, diz ela, que, como o senador, acredita que o problema não é apenas na educação superior: “O vestibular nos mostra as condições precárias da educação básica através dos estudantes com graves falhas de alfabetização, por exemplo.”
opções
Opções existem, mas por se tratar de um sistema que avalia anualmente milhões de alunos por todo o país, mudanças precisam ser feitas com cuidado. “Se mudarmos radicalmente algum ponto aqui, desestruturamos totalmente o ensino médio. Precisamos realizar aos poucos as mudanças, para haver este tempo de maturação”, explica Madureira. A UCG já adota há alguns anos o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como complemento na nota da prova de vestibular, método que a UFG também deve adotar este ano.