A doença de Chagas e os barbeiros

A doença de Chagas e os barbeiros (Diário da Manhã, 26/05/2008)

Dois ilustres médicos, cientistas de altíssimo conceito no mundo acadêmico, ambos professores eméritos da Universidade Federal de Goiás, publicaram na Revista de Patologia Tropical um importante estudo explicando por que os triatomíneos são chamados de “barbeiros”. São eles os doutores Joffre Marcondes de Rezende e Anis Rassi, homens que se dedicam há anos à pesquisa do transmissor da doença de Chagas e têm o respeito e a admiração dos que tratam de moléstias tropicais. Eles recebem constantes láureas da Organização Mundial de Saúde e são consultados pelos conhecimentos adquiridos em suas pesquisas científicas na América Latina.

Os professores Joffre e Anis dizem que o inseto transmissor do Trypanosoma Cruzi, causador da doença de Chagas, recebeu no Brasil, em linguagem popular sertaneja, vários nomes, conforme a região geográfica. De todos eles, “barbeiro” é o mais comum nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, onde essa doença passou a ser conhecida popularmente como “a doença do barbeiro”, expressão usada pelo próprio Chagas em uma de suas publicações. Firmados em vasta bibliografia nacional e estrangeira, e em experiência própria, admitem que o nome de “barbeiro” não se deve ao fato de o inseto sugar de preferência a face, já que consideram esta interpretação equivocada, pois a verdadeira é a que foi sugerida por Carlos Chagas em um trabalho publicado no ano de 1910.

Os dois doutores afirmam que certamente se atribui o nome de ‘barbeiro’, dado do triatomíneo transmissor da doença de Chagas, ao homem, ao fato de o inseto picar principalmente a face por ser a mesma mais acessível, em virtude de permanecer descoberta durante o sono. E, em seguida, argumentam:

“A associação de face com barba teria dado origem à denominação de ‘barbeiro’. Esta explicação, no entanto, não parece correta. O próprio Carlos Chagas que a mencionara em seu primeiro artigo escrito em alemão, em 1909, descartou-a no trabalho seguinte, escrito em português, em 1910, e concluiu que o nome de ‘barbeiro’ estaria relacionado com a função deste profissional de praticar sangrias e aplicar sangressugas no passado. Na história da medicina brasileira dos tempos coloniais, o profissional barbeiro, além de cortar o cabelo e a barba, era um humilde profissional da medicina, cabendo-lhe, entre outros misteres, praticar a sangria, então usada como panacéia para todas as doenças. ‘Em numerosas vilas e povoados, o barbeiro foi por muito tempo o único profissional existente’, registra o historiador Lycurgo Santos Filho. A literatura médica realça a espoliação de sangue como um dos aspectos mais importantes na transmissão vetorial da doença de Chagas. O inseto, ao sugar o sangue de sua vítima, imita o profissional barbeiro, quando este realiza uma sangria e não quando corta a barba de seus clientes. Embora aceita pela maioria das instituições oficiais de saúde, os autores discordam da interpretação de atribuir o nome de ‘barbeiro’ dado ao inseto por ele picar mais vezes a face e defendem a que foi dada por Chagas em seu trabalho de 1910, segundo a qual o nome procede da prática da sangria por aquele profissional do passado.”

Está aí a lição que recebi dos preclaros professores Joffre Marconde de Rezende e Anis Rassi. Não sabia eu dessa história, que me parece ignorada pela maioria dos leigos. A lição é extensiva para todos que desejam conhecer as pesquisas sobre o assunto, dada por cientistas de muito relevo que têm contribuído bastante para o avanço do combate ao Trypanosoma Cruzis, causador da doença que grassa diferentes regiões do Brasil e de outros países da América Latina.





José Luiz Bittencourt
escreve às segundas-feiras
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