Cursos teóricos sofrem resistência das famílias
Cursos teóricos sofrem resistência das famílias (Jornal Hoje, 01/06/2008)
Liana Aguiar
Mesmo com o avô, o pai, a mãe e o tio odontólogos e todo o suporte que a tradição familiar pode proporcionar, Renato Mendes Rocha, 22, optou por trilhar seu próprio caminho. Surpreendeu muitos familiares quando escolheu cursar Filosofia. O rapaz reconhece as facilidades que teria se seguisse a carreira de dentista, pois a família tem uma clínica e renome em Anápolis. Jovens como ele que optam por fazer cursos mais teóricos, como Ciências Sociais, História e Física, ainda encontram resistência na família ou entre amigos.
“Sempre tive liberdade para fazer as minhas próprias escolhas e, para falar a verdade, achava Odontologia um negócio muito chato”, comenta Renato. Até hoje há familiares e amigos que insistem para que ele siga a tradição da família. Devido à pressão sofrida, chegou a passar no vestibular para Odontologia, mas optou por cursar o Mestrado em Filosofia da Linguagem e Teoria do Conhecimento. Quer seguir a carreira acadêmica, pois vê perspectivas muito boas de trabalho. Depois do mestrado, já planeja o doutorado e quer ministrar aula no ensino superior.
O pai de Renato, o odontólogo Marcos Virgílio Torlezzi Rocha, 52, conta que ele e a esposa, Nádia, nunca cobraram muito a decisão profissional do filho. “Mas outros parentes cobram, dizem que esta seria uma tendência natural”, afirma. Marcos reconhece que a maior preocupação dos pais quanto à escolha profissional dos filhos refere-se mesmo ao mercado de trabalho. Explica que para o filho seria mais fácil seguir a carreira de dentista, pois ele encontraria uma estrutura pronta para chegar e atuar.
Quando Renato passou no vestibular para o curso, Marcos lembra que tinha certeza de que o filho não abriria mão da carreira de filósofo. “Eu fico muito orgulhoso com o posicionamento dele. Ele tem de investir na carreira acadêmica, que é onde se sente bem e já tem desenvoltura.”
Rogério Saucedo Corrêa, 39, coordenador do curso de Filosofia da Universidade Federal de Goiás (UFG), lembra que ao escolher a profissão a mãe lhe alertou: achava que a Filosofia não lhe traria retorno financeiro. Mesmo assim, Rogério seguiu a carreira. O professor diz que o mercado de trabalho no Centro-Oeste e Norte do Brasil carece de profissionais na área, e o País vive um bom momento. O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) e a aprovação de lei que torna Filosofia obrigatória no ensino médio vão permitir a abertura de postos de trabalho.
APAIXONADOS PELA ÁREA HUMANA
Paulo Winícius Teixeira de Paula, 24, ouviu inúmeras críticas quando optou pelo curso superior de História. “Minha mãe me apoiou, mas muitos familiares e amigos me criticaram, falaram que eu preciso é ganhar dinheiro”, recorda o universitário, que hoje está no 7º período e é militante do movimento estudantil. “Sempre fui apaixonado pelas questões de humanidade, queria entender as guerras, as disputas, o que se passou até chegar aqui.”
O jovem se prepara para, no final do ano, participar da seleção do mestrado em História Econômica e Política do Brasil. Ele ressalta que o bom profissional é aquele que gosta do que faz. “Sou muito mais envolvido com o cotidiano do que obturar um dente, fazer contas. Acho mais envolvente conhecer essas transformações através do tempo.”
Paulo Winícius conta que está muito feliz pelo curso que escolheu. Ele já ministra aulas no ensino médio e pretende fazer pesquisa e publicar artigos e livros. Quer chegar à docência universitária. Segundo o estudante, o fato de fazer um curso considerado em alta no mercado não é garantia de emprego. Tudo vai depender da dedicação do profissional.
Elizabeth Bicalho, diretora do Departamento de História, Geografia, Ciências Sociais e Relações Internacionais da Universidade Católica de Goiás (UCG), afirma que a resistência a cursos na área de humanas está mais ligada a um processo crítico da sociedade, porque “o humano é colocado como centro do universo e não o mercado”. Ela observa que os cursos de ciências humanas e sociais encontram mais resistência nas licenciaturas. A carreira no magistério tem sido desestimulante devido ao baixo salário, más condições de trabalho, desvalorização da profissão, dificuldade de transporte e a violência nas escolas.