Estudantes preferem medicina especializada

Estudantes preferem medicina especializada (Jornal Hoje, 28/06/2008)

Márjorie Avelar

Apenas 12% dos estudantes de Medicina se sentem preparados pelas universidades para atender às urgências imediatas do Sistema Único de Saúde (SUS). É o que apontou uma pesquisa divulgada pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC), fruto da tese de Doutorado em Ciências do médico e professor universitário Neilton Araújo de Oliveira, de 58 anos. Para ele, o perfil dos profissionais da área de saúde, como um todo, está em descompasso com a realidade. “A maioria forma sem saber tratar, por exemplo, de um caso de diarréia ou não sabe a taxa de mortalidade infantil de sua região. Isso mostra que os alunos, as famílias e a sociedade continuam com uma visão elitizada da Medicina”, disse Oliveira.

Conforme a pesquisa do médico, que entrevistou 1.004 estudantes de 13 cursos de Medicina do País, incluindo os de Goiás, entre os anos de 2005 e 2007, deste total apenas 5% quer trabalhar em pequenas cidades do interior, em projetos de Saúde da Família (nos PSFs). “Hoje, 70% querem fazer especialização, sendo que o ideal deveria ser esse mesmo número de médicos atuando como clínico-gerais”, destacou.

Apesar da falta de integração entre a grade curricular das universidades de Medicina, que ainda preparam muito pouco seus alunos para a realidade da saúde brasileira, e o SUS, a partir de 2001 o Ministério da Saúde, identificando o problema, decidiu se aproximar do Ministério da Educação (MEC). “Para diminuir essa distância, o Ministério da Saúde criou o Pró-Med que, posteriormente, foi substituído pelo Pró-Saúde. Aos poucos, esse projeto vem promovendo a integração entre os cursos de todas as áreas da saúde, para que todos falem a mesma língua”, informou. “O SUS prevê atendimento hierarquizado mais próximo da casa do usuário do sistema, já que 70% dos municípios brasileiros, que têm menos de 20 mil habitantes, não têm condições e nem seria viável, financeiramente, construir hospitais”, ressaltou.

DEFICIÊNCIA
A pesquisa de Oliveira mostrou também que se 70% dos médicos formados optassem por trabalhar nas pequenas cidades, a maior parte do problema da saúde pública brasileira seria resolvida. “Do total, 63% dos alunos querem ser especialistas, entre 10 e 11%, pesquisadores ou docentes, e apenas 16% desejam trabalhar no sistema público de saúde”, enumerou o médico.

Apesar do desinteresse pelo atendimento público de saúde, 90% dos pesquisados gostariam de associar esse trabalho com o do sistema privado. É o caso da estudante Luciana Mara Nogueira Fonseca, de 27 anos, que faz o último ano do curso de Medicina na Universidade Federal de Goiás. Ela é da primeira turma da UFG (2003) que começou a participar do Pró-Med. “Quando eu me formar, quero trabalhar no sistema público para ganhar mais experiência e no privado, por causa do retorno financeiro”, disse. “Desde o terceiro ano, passamos a ter contato com a realidade nos Cais, postos do Programa Saúde da Família, tanto da capital quanto de cidades do interior”, informou a universitária.

Segundo o diretor da Faculdade de Medicina da UFG, Heitor Rosa, a Comissão de Avaliação das Escolas Médicas classificou a universidade goiana como uma das mais inovadoras, com fortes tendências avançadas, exatamente por promover a integração de seus alunos com a realidade da saúde pública. “Reformulamos todo o curso para nos adequar a essa nova forma de pensar o curso de Medicina e a atuação dos futuros médicos. Por isso, desde o primeiro ano, os alunos já começam a ter contato com os CIAMs, Cais e PSFs”, contou.

De acordo com ele, no 5º ano os universitários se revezam em estágios no interior do Estado, onde permanecem, em forma de rodízio, por um mês. Entre vários municípios, Jataí, Morrinhos, Nerópolis e Uruaçu já foram beneficiados com o trabalho dos futuros médicos goianos. No 6º ano, eles vão para os Cais. “Nossa escola vem cumprindo seu papel na formação de médicos generalistas, ou seja, preparados para atender à realidade da saúde pública brasileira”, garantiu Heitor Rosa.


SAIBA MAIS

Conforme pesquisa do médico Neilton Araújo de Oliveira:

– 5% dos alunos de Medicina querem ir para pequenas cidades
– 63% dos estudantes desejam se especializar
– Apenas 12% dizem que faculdades atendem às necessidades do SUS