E o rio pode virar deserto
E o rio pode virar deserto (Tribuna do Planalto, 12/07/2008)
613 hectares da região Sul da Alta Bacia do Araguaia foram tomados por blocos de areias, segundo pesquisa da UFG. Desertificação nas nascentes do Araguaia se intensifica devido ao uso inadequado do solo.
E o rio pode virar deserto
Lourdes Souza
O turista que se prepara para curtir a temporada de julho nas praias do Araguaia talvez não saiba que o rio está em alerta devido ao processo de desertificação que atinge suas nascentes. Pesquisa realizada pela geógrafa Rosane Amaral Alves da Silva, da Universidade Federal de Goiás (UFG), indica o avanço dos areais nas nascentes da região Sul da Alta Bacia do Araguaia, entre Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso, a partir da década de 80, quando se intensifica o uso do solo para pastoreiro e plantações de soja.
Até 2006, as areias tinham tomado o correspondente a 613 hectares, concentrados entre duas fazendas. Ao total, a região é formada por aproximadamente 1.500 quilômetros quadrados, onde se situam as nascentes do Rio Araguaia. Estudos do professor Binômino da Costa Lima, 78, também apontam para o acelerado processo de desertificação às margens do rio, principalmente, nas regiões de Douradinho, São Domingos, Serranópolis, Jataí e Alto do Araguaia. Ele chama a atenção das autoridades para a urgente necessidade de se estabelecer um plano pró-Araguaia. "Falta compromisso de todas as partes com o Araguaia, passou da hora de mudar o sistema político. Vai chegar um momento em que nada mais poderá ser feito."
Segundo Binômino, essas áreas estão sobre a Formação do Botucatu - um grande deserto que foi sedimentado, há cerca de 129 milhões de anos, o atual aqüífero Guarani. O reaparecimento das áreas desertificadas é um reflexo da degradação da região do Araguaia, inclusive das erosões, provocadas, em sua maioria, pela ação do homem. Nesta região, ele detectou o aparecimento de uma planta típica das regiões de deserto, a espécie Mercurinho é parente da Coca.
De acordo com ele, o aparecimento de uma planta numa área já em adiantado estado de areação pode impedir que o vento carregue a areia aumentando a condição de desertificação. Atualmente, a região concentra apenas 5% da vegetação do Cerrado. Em imagens feitas no mês de junho, Binômino constatou que há locais em que os produtores rurais estão arando quase dentro do rio. "O Cerrado é uma vegetação especializada, capaz de resistir ao fogo e seca, mas a partir do momento em que é destruído, não se regenera".
O uso do solo para pasto e plantações, principalmente de soja, são os principais responsáveis pela degradação do solo da Alta Bacia do Rio Araguaia, segundo a geógrafa Rosane Amaral Alves da Silva, mestre em desertificação e erosão dos solos do Laboratório de Geologia e Geografia Física (Labogef). Ela explica que, como a região já é composta por um tipo de solo arenoso, a utilização inadequada destas áreas tem acumulado uma desertificação induzida.
A pesquisa avaliou a região entre as décadas de 60 e 2000. As imagens feitas por satélites mostram que, entre os anos de 1965 e 1980, não era visível a presença de areais. Os bancos de areias começam a parecer a partir dos anos 80, quando se intensifica as produções de soja e criação de gado. No ano de 2006, as análises detectaram 613 hectares atingidos pela desertificação. Segundo ela, as areias são soltas e estéreis, o que dificulta a manutenção da flora local. "A área possui uma intensa atividade agropecuária, nos últimos 30 anos, relacionados a incentivos para o desenvolvimento da região. Este processo resultou em desmatamento intensivo, que promoveu erosão hídrica, assoreamento e arenização".
Segundo ela, o estudo indicou que cerca de 60% do total da área se encontra com alta suscetibilidade à arenização. "Caso não seja feito nada para reverter o processo, a tendência é de que mais de 90% desta região seja atingida pela desertificação. Mas como esse processo é recente e os blocos de areias têm em torno de 10 centímetros de profundidade há grandes chances de reversão," aponta a pesquisadora que indica ações como criação de áreas de preservação permanente e áreas conservacionistas.
O grupo de pesquisa é coordenado pela geógrafa Selma Simões de Castro, também do Labogef. Em 2006, ela apresentou um estudo em que mostrava que a desertificação tinha atingido 7% da área do Cerrado. As regiões mais afetadas são Sudoeste goiano, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Impacto negativo das voçorocas
A formação das voçorocas - erosões que rasgam a terra até antigir o nível freático - também colaboram para a desertificação das áreas e conseqüente assoreamento do rio. Rosane Amaral comenta que a enxurrada e a infiltração das águas arrastam a areia até o rio e encostas. Os sedimentos descarregados pelas voçorocas afetam as nascentes e podem até causar a morte de algumas. Segundo ela, somente na região Sul mais de 20 voçorocas foram detectadas.
Na região Sudoeste, o professor Bínomino da Costa encontrou voçorocas a 30 quilômetros da nascente do rio. Segundo ele, essa escavação no solo causada por erosão é um dos principais responsáveis pelo assoreamento do rio. "Esses sedimentos cobrem o rio e suas nascentes, aos poucos vai matando toda vegetação do rio e seus peixes. A cada ano o lençol freático sofre um abaixamento de nível em seu volume de água. Pela deficiência de recarga, pela destruição dos pontos de alta capacidade de reposição como os covais, que foram destruídos”.
Segundo ele, é impossível dimensionar a quantidade de voçorocas existentes na região do Araguaia. Até o final do ano passado, a maior voçoroca era a Chitolina com 682 metros de largura -, mas segundo Bínomino, uma maior foi detectada este ano entre os municípios de Mineiros e Santa Rita. Denominada de Urtiga, a voçoroca tem 762 metros de comprimento e 523 metros de largura. largura e 80 metros de profundidade. Os levantamentos indicam que somente em 2007 essa área aumentou cerca de 20%.
Devastação em alta
Ao contrário da voçoroca Chitolina, que atualmente está estabilizada, a tendência é de que essa área devastada da Urtiga aumente, já que as ações de contenção estão apenas no início. Até o momento a área foi apenas cercada. As imagens feitas em junho deste ano mostraram o descaso dos fazendeiros locais aos impactos de uma voçoroca no meio ambiente. Dentro da Urtiga havia até plantações de milho. Essa voçoroca começou a partir de uma estrada irregular.
Segundo informações da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente (Dema), o grupo Brenco - Companhia Brasileira de Energia Renovável - firmou o compromisso de colaborar para a estabilização da Ortiga. Na região, será plantada cana-de-açúcar, que terá o papel de conter o avanço da erosão. Segundo a pesquisa Rosane Amaral, ainda não há estudos que indiquem que as plantações de cana podem ser eficazes. Mas ela comenta que é possível que, a partir de um manuseio correto, colaborem para a preservação do solo.