Avanços e desafios na luta em defesa do cerrado

Avanços e desafios na luta em defesa do cerrado (Diário da Manhã, 20/07/2008)

“Buriti minha palmeira, toda água vai olhar / cruzo assim tantas veredas, alegre
de te encontrar.
Buriti vendeu seus cocos, tem família a sustentar / ninho de arara vermelha, dois
ovinhos por chocar.
Buriti me deu conselho, mas adeus não quis me dar / amor viaja tão longe, junta
lugar com lugar”
G. Rosa

A luta em defesa do cerrado tem perpassado toda nossa trajetória política e a de milhares de militantes ambientalistas, pessoas conscientes da importância e da necessidade de conservar esse patrimônio natural que abrange 25% do território nacional, especialmente a Região Centro-Oeste. É claro que a nossa luta e, repito, a de milhares de pessoas espalhadas nos quatro cantos do mundo não se restringe à defesa de um ou de outro bioma. Queremos a Amazônia intacta, sem devastação; a Mata Atlântica da mesma forma, o Pantanal bonito e exuberante como é hoje. Defendemos a Zona Costeira e todos os outros biomas que, juntos, constituem o equilíbrio ambiental e nos propicia uma paisagem esplêndida com diversidade de espécies, matas, árvores, flores, folhas, plantas que nos encanta, inspira, alimenta e enche de beleza o planeta azul. Entendemos que a natureza é uma rede solidária que se complementa. Os biomas irmanados formam o nosso patrimônio natural. Mas defendemos ainda mais o cerrado, a caatinga e os pampas sulinos porque estes não mereceram, por omissão ou preconceito, o mesmo tratamento destinado aos outros biomas na ocasião em que foi aprovado o texto constitucional de 1988 em que, no seu Artigo 225, § 4º, estabelece que a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônios nacionais e que sua utilização garantirá a preservação do meio ambiente.
É como se estabelecesse uma valoração aos biomas. Uma primeira categoria superior, de maior importância e a outra nem tanto. Esse pensamento, omisso e preconceituoso, pode ser contestado facilmente. Primeiro porque o equilíbrio do meio ambiente está no conjunto dos biomas e não em um específico. Segundo porque o cerrado é uma das mais ricas floras dentre as savanas mundiais e é o berço das águas brasileiras. As três maiores bacias hidrográficas da América Latina recebem águas do cerrado. A bacia amazônica (Araguaia-Tocantins) tem 78% de suas nascentes no cerrado. A bacia do Paraná-Paraguai é formada por 48% de suas nascentes no cerrado, enquanto a bacia do São Francisco dispõe de quase 50% de seu volume de água proveniente do cerrado. A caatinga ocupa cerca de 850 mil quadrados no semi-árido nordestino, talvez seja o bioma brasileiro mais severamente devastado pela ação antrópica. Caatinga do pau-ferro, umbu, araticum, jatobá, murici, licuri, aroeira, baraúna, quatro-patacas, pinhão, velame, marmeleiro, angico, sabiá, jericó, entre outras. Os pampas sulinos que têm vegetação formada por gramíneas, arbustos e árvores de pequeno porte não dependem de grande quantidade de chuvas e sua extensão atinge os territórios da Argentina e Paraguai. É um dos ecossistemas mais ricos em relação à biodiversidade de espécies animais raras, como a onça-pintada, a jaguatirica, o mico-leão-dourado, o caxinguelê e o tamanduá. Por isso – insistimos – nada justifica não oferecer o tratamento digno a estes imprescindíveis biomas brasileiros, hoje relegados.
Ressaltamos ainda que o cerrado é fonte de mil e uma biodiversidades em face de sua exuberante flora, fauna, rios, lagos, águas quentes e frias, chapadas, serras, jalapão, parques, quilombos, calunga, mesquita, cedro, aldeias, karajá, avá-canoeiro, tapuia, grutas, lugares e caminhos místicos, cidades planejadas como Goiânia, Palmas e Brasília. Cidades históricas e turísticas como Goiás/Vila Boa, Pirenópolis, Cuiabá, Natividade, Porto Nacional, Pilar, Jaraguá, Campo Grande, Corumbá de Goiás, Aragarças, Muquém, Corumbá/MS, Cáceres, Bonito, Uberlândia, Anápolis, Aruanã, Itumbiara, Lagoa Santa, Caldas Novas, Araxá, Uberaba, Araguacema, Bela Vista, Catalão, Luziânia, Formosa, Cavalcante, São Jorge, São João, Trindade, Guarinos, Posse, Terezina, Alto Paraíso e outras. Cerrado celeiro para conservação, reservas, proteção natural, manejos, usos e exploração adequada para alimentação, energia, saúde, pecuária, agricultura, agroindústria, turismo ecológico e de eventos, educação, cultura, popular, religiosidade, comida, música, acolhida, simpatia e alegria do seu povo dos rios Araguaia, Paranaíba e Tocantins.
A boa notícia é que o desafio de aprovar a PEC 115, do bioma cerrado, já esteve mais longe. De 1995 até hoje, há 13 anos, a proposta cumpriu o trâmite legislativo e encontra-se pronta para ser votada. Vale lembrar – como forma de agradecimento – que muitos deputados no decorrer desses 13 anos abraçaram essa causa e ofereceram as suas contribuições ao texto da PEC e ao seu bom trâmite. Podemos lembrar do deputado Gervásio Oliveira, Terezinha Fernandes, Neyde Aparecida, Joseph Bandeira, Biscaia, Hamilton Casara, Ricarte de Freitas, Wasny de Roure, Rodrigo Rollemberg, Magela, José Genoíno, Sarney Filho, Gabeira, Jusmari Oliveira, Leonardo Monteiro, Gilmar Machado, Paulo Teixeira, Elismar Prado, Zezéu Ribeiro, e muitos outros. Contribuíram nas diversas comissões permanentes que a PEC passou, na Comissão Especial que foi criado para tratar do assunto, na Frente Ambientalista, no Congresso e na sociedade.
A outra boa notícia é que o presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia, colocou a PEC 115/95 entre os projetos prioritários a serem votados no ano de 2008, numa lista de 20 proposições. Sem dúvida, uma demonstração de sensibilidade política e ambiental e que vem ao encontro dos nossos anseios de ver essa PEC urgentemente aprovada. No entanto, precisamos – e todos, homens e mulheres, são importantes dentro desse processo indiferente do lugar em que estejam – estar atentos, cobrar, mobilizar, informar e lutar para que este objetivo seja alcançado. É louvável, por exemplo, o surgimento do Fórum Goiano em Defesa da PEC 115/Cerrado, que tem feito um excelente trabalho de divulgação da PEC, coleta de assinatura em abaixo-assinado, campanhas na mídia, em estádios de futebol, envolvendo múltiplos parceiros de diversos segmentos da sociedade, como escolas, universidades, jornais, TVs, rádios, times, empresas públicas e privadas e que, pelas manifestações que nos chegam, tem jogado papel fundamental. Citamos esse exemplo do Fórum Goiano para sugerir que outras iniciativas como esta possam ser fomentadas em outros Estados brasileiros para, num grande esforço da sociedade organizada, que possamos fazer justiça ao nosso cerrado, à caatinga e aos pampas.
Por fim, queremos pedir licença e sugerir ao eleitor, que escolhe este ano os vereadores e prefeitos municipais, o voto em candidatos que defendam o meio ambiente. Nós temos candidatos e candidatas com propostas de conservação para o cerrado? Qual o grau de compromisso dos que pretendem ser, em nível municipal, gestores de políticas públicas para a preservação do meio ambiente? É isso, a nosso ver, que credencia ou não os candidatos que buscam o nosso voto para a construção de um mandato popular. Pense nisso!

O cerrado é campo
aberto / é grota, é mata
ciliar / é cipó, é maritaca e é tucano / quando não é siriema / e tatu e coruja e guará / nas vertentes nas encostas
/ nos varjões.
Álvaro Nunes


Pedro Wilson é deputado federal (PT), membro das comissões de Direitos Humanos, Educação e vice-presidente da Comissão de Legislação Participativa. Ex-prefeito de Goiânia e professor da Universidade Católica de Goiás e da Universidade Federal
de Goiás