Descoberta célula do medo
Descoberta célula do medo (Diário da Manhã, 27/07/2008)
Cristiane Lima, Da Editoria de Cidades
A identificação das células cerebrais ligadas ao medo abre uma nova janela de oportunidades para tratamento de males como o estresse pós-traumático, ansiedade, síndrome do pânico e fobias. Um grupo de cientistas da Universidade Rutgers, do Estado de Nova Jersey (EUA), realizou estudo que pode levar ao desenvolvimento de tratamentos mais eficientes para esses tipos de distúrbios. Mesmo sendo saudável e necessário, o sentimento de medo pode assumir caráter anormal. Esse é o momento de procurar ajuda médica, de acordo com o médico psiquiatra José Reinaldo do Amaral, especialista em psiquiatria e saúde mental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor da Universidade Federal de Goiás.
A pesquisa identificou um componente da rede neural da amígdala (são pequenas estruturas arredondadas, em forma de amêndoa, localizadas na parte de trás da boca, ao lado da garganta) normalmente envolvida na eliminação de memórias do medo. Trabalhos anteriores haviam revelado que a amígdala está envolvida na expressão de respostas inatas ao medo, como de cobras ou de insetos, e na formação de novas memórias resultantes de experiências, como aprender a sentir medo ao ouvir o som da sirene de um carro de polícia ou de aviso de um bombardeio militar. O psiquiatra diz que o mais importante da pesquisa são os avanços no conhecimento detalhado das conexões cerebrais, já que estudos referentes a esse assunto já são destacados há vários anos.
Os pesquisadores descobriram que aglomerados de células da amígdala, conhecidos como neurônios intercalados, têm papel fundamental na extinção do medo. Esses neurônios inibem os sinais da amígdala para as estruturas cerebrais que atuam na geração de respostas. Os testes foram feitos em ratos e foi verificado que quando tais estruturas eram destruídas, a extinção da memória era prejudicada, como acontece no estresse pós-traumático. A extinção não apaga a memória do medo inicial, mas a suprime em um contexto específico. Pessoas com distúrbios de ansiedade exibem o que se pode chamar de déficit de extinção, ou deficiência para esquecer.
Juliana Rodrigues Pereira, 21, (foto) já passou por experiências que julga ser o motivo para seus medos. Ela não gosta de viajar de ônibus ou ir ao centro da cidade sozinha. Já foi assaltada há cerca de um ano e desde então teme não ter companhia. Juliana estava na casa do ex-namorado, quando foram rendidos por dois ladrões. Eles foram amarrados e o ex-companheiro foi agredido com socos e pontapés. “Não gosto nem de lembrar, mas isso realmente me deixou más recordações. Tenho certeza que por isso não faço certas coisas.”
Lembranças
Juliana está desempregada há quase um ano. Ela acredita que sua ansiedade é o maior motivo para que não consiga emprego. As entrevistas e testes para trabalho são encarados por ela como verdadeiro calvário. “Nunca acho que pode dar certo. Tenho medo de dizer algo errado, de como as pessoas me olham e por isso sempre fico nervosa. Daí gaguejo, minhas mãos ficam geladas e até perco a fala.”
Psicóloga especialista em psicodrama, Benice Pereira Ataíde diz que medos, como os de Juliana, podem ser resolvidos com associação de tratamentos. A jovem nunca procurou auxílio médico, mas avalia a possibilidade para conseguir um novo emprego. “Não sei o que fazer porque não tenho controle sobre minhas reações”, explica.
Benice diz que medos têm motivações internas e externas e que, por isso, as patologias não podem ser compreendidas de forma isolada. Para diagnosticar e tratar, só com a intervenção de um especialista, diz a psicóloga. Ela justifica que para alguns casos de fobias, o tratamento terápico é suficiente, mas em outros não. Em alguns casos, afirma que são necessárias as duas formas de terapia. “Vai depender da dinâmica de cada indivíduo e da sua maneira de encarar o problema.”
O psiquiatra José Reinaldo diz que a fobia é uma ameaça irreal que torna-se insensata. Ela é disfuncional e prejudica o funcionamento pessoal, familiar, social e ocupacional da pessoa. José Reinaldo exemplifica que ter medo de levar um tiro, no meio de um tiroteio, é importante para que a pessoa se proteja. Ter medo de levar um tiro todas as horas da vida leva a pessoa ao enclausuramento em casa. “A busca de ajuda está relacionada ao prejuízo que o medo anormal causa. O medo normal não causa prejuizo, muito pelo contrário.”