Bolsa Família, porta de entrada da inclusão
Bolsa Família, porta de entrada da inclusão (Diário da Manhã, 29/07/2008)
Na contabilização de erros e acertos, os inúmeros benefícios que o programa Bolsa Família proporciona às famílias atendidas superam em muitas vezes os problemas operacionais.
Há um preconceito, resquício da escravidão, de que o pobre não quer progredir. Dizem que os programas de distribuição de renda acomodam as pessoas, e isso é um absurdo. É a idéia de que o pobre não tem desejo, não quer uma vida melhor. Essas políticas públicas estão tornando as pessoas mais cidadãs, com maior consciência dos seus direitos e deveres. Ninguém mais é obrigado a votar por um prato de comida, uma cesta básica ou um par de botas.
Nas últimas semanas, o programa Bolsa Família esteve no centro de uma forte polêmica na mídia. A partir de denúncias de que pessoas que não se encaixavam nos critérios de pobreza estavam recebendo irregularmente o benefício, formou-se um debate democrático no qual se posicionaram grupos em defesa e contrários ao programa. Em meio às críticas, destaca-se o saldo positivo do episódio: prevaleceram o debate produtivo e as críticas construtivas, que comprovam a importância do programa e a necessidade de, como em qualquer obra de vulto, encontrarmos, coletivamente, as soluções para aperfeiçoá-lo.
Alguns fatos se sobrepõem na polêmica. As imagens veiculadas pela televisão, mesmo que utilizadas para criticar o Bolsa Família, testemunharam que o programa é absolutamente necessário para corrigir as distorções de distribuição de renda no País. Vimos imagens de famílias que vivem na miséria e que precisam do programa principalmente para recuperar a dignidade, o sentido da existência e como um primeiro passo para sua reinserção produtiva e comunitária. E este é o papel que a transferência de renda vem cumprindo, como principal programa do Fome Zero.
O programa carece de ajustes, e eles estão sendo feitos, inclusive com a ajuda da imprensa e da sociedade civil apontando onde estão os problemas. Uma das principais iniciativas neste sentido é a instituição de mecanismos de controle social, com a participação dos conselhos, além de convênios com organismos institucionais e entidades não-governamentais. Tudo isso sem perder de vista o pacto federativo, respeitando o papel dos prefeitos, responsáveis pela execução das políticas na ponta e que precisam estar atentos às suas responsabilidades.
Mas é certo que, na contabilização de erros e acertos, os inúmeros benefícios que o programa proporciona às famílias atendidas superam em muitas vezes os problemas operacionais. São mais de cinco mi-lhões de famílias beneficiadas, o que significa um contingente de mais de 20 milhões de brasileiros e brasileiras. Pelos números de nosso cadastro, o benefício chega efetivamente àqueles que mais precisam. E chega com efeitos positivos na economia local.
Um dos principais impactos do Bolsa Família é justamente permitir que as famílias melhorem a qualidade da alimentação, ao mesmo tempo em que assumem o compromisso, como contrapartida ao benefício, de manter os filhos na escola e em dia com sua atenção à saúde. Mais do que uma contrapartida a ser cobrada dos beneficiários, educação e saúde são deveres do Estado e a vinculação desses serviços ao programa serve para reforçar esse compromisso. O Bolsa Família garante, no presente, condições para que as famílias sejam capazes, elas mesmas, de romper o círculo vicioso da miséria, através da educação, saúde e acesso a outros direitos.
Entretanto, o Bolsa Família vai além do direito à alimentação, saúde e educação. O seu principal mérito foi ter ampliado o foco do atendimento do mais importante programa social do governo para a família. Com isso, ele se firma como uma maneira de criar condições para reconstituição de cidadania, como ação complementar a todas as outras políticas sociais, inclusive, e sobretudo da educação. Afinal, a família é o espaço pedagógico por excelência, que antecede e complementa a escola. Se ela estiver desintegrada, corroída pela fome e pela miséria, quebra este espaço de convívio onde devem prevalecer os valores éticos, morais e de solidariedade entre os homens.
E, por fim, o Bolsa Família marca a opção política do governo federal: o crescimento econômico só se justifica com desenvolvimento social. A lógica é incluir para crescer, superando uma discussão antiga de deixar o bolo crescer para repartir. A história nos mostra que o crescimento sem investimento social faz aumentar a desigualdade e não se sustenta. Os efeitos econômicos do Bolsa Família reforçam essa idéia.
Segundo dados de julho de 2004, só os benefícios do Bolsa Família equivalem a um adicional de repasse de, em média, 20,8% do Fundo de Participação dos Municípios. Para muitos municípios, a transferência desse dinheiro representa a possibilidade de criar condições de sustentabilidade e até mesmo a chance de impedir que seus habitantes procurem os grandes centros para conseguir emprego. Isso porque, com esses mecanismos de transferência de renda, podemos criar condições favoráveis para se implementar as políticas de desenvolvimento regional de modo a garantir desenvolvimento econômico com justiça social.
E, por tudo isso, como diz o presidente Lula, vamos aperfeiçoar e consolidar o programa que hoje é uma conquista, não só do governo, mas de toda a sociedade brasileira.
Pedro Wilson é deputado federal (PT/GO), ex-prefeito de Goiânia e professor das universidades Católica de Goiás e Federal de Goiás