Entrevista (Tribuna do Planalto, 02/08/2008)

Entrevista (Tribuna do Planalto, 02/08/2008)

A qualificação das comunidades quilombolas é uma das prioridades do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo o ministro da Secretaria Especial de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Edson Santos, que lançou em Goiânia uma Agenda Social voltada para o Estado, na última terça-feira. Em entrevista à Tribuna do Planalto, afirmou que o governo tem como objetivo levar dignidade e os direitos da cidadania a mais de 1.700 comunidades remanescentes de quilombos localizadas em 22 Estados e 330 municípios. Foram liberados R$ 2 bilhões em recursos para investimentos em todo o País.

Ele explica que a Agenda Social de Goiás vai congregar o debate, com participação das comunidades quilombolas, das aplicações a serem realizados pela Agenda Social. Na segunda e terça-feira, Edson se encontrou com o governador Alcides Rodrigues e com o prefeito Iris Rezende, além de participar de debate na Assembléia Legislativa e da abertura oficial da quinta edição do Congresso Nacional de Pesquisadores Negros. Eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro, o petista assumiu a Seppir em fevereiro e defende a educação como o principal instrumento de combate ao preconceito e à ignorância.

Para ele, a disciplina História da África vai complementar o ensino no Brasil, até porque a África é o berço da humanidade. "Tem toda uma história das pessoas que vieram para o Brasil de nações africanas, pessoas cultas, o escravo era retratado como um ser ignorante, mas isso não corresponde à realidade. Tínhamos, no Brasil, escravos mais cultos do que os seus senhores. É preciso que isso chegue a público, que essa faceta da história do Brasil seja conhecida por todos". Confira a seguir trechos da entrevista.

João Camargo Neto


Tribuna do Planalto - Entre outros compromissos, o senhor veio a Goiânia lançar a Agenda Social Quilombola. Quais são as principais ações dessa agenda em Goiás?
Edson Santos - A ação, no âmbito da titulação, das terras quilombolas, da assistência às comunidades com políticas de saneamento, reforma de casas, de equipamentos educacionais, de saúde, criação de acessos onde não houver. Enfim, é um conjunto de medidas, políticas de geração de renda de forma sustentável. A Agenda Social é um conjunto de medidas envolvendo vários ministérios, visando qualificar a vida das comunidades quilombolas de Goiás. Temos, em nível nacional, recursos da ordem de R$ 2 bilhões destinados para esse fim. Instalamos o comitê gestor da agenda social aqui em Goiás, onde se dará o debate, com participação das comunidades quilombolas e os investimentos a serem realizados pela Agenda Social.

O projeto tem a cooperação de todos os ministérios?
A ação é julgada prioritária pelo presidente Lula e tem como objetivo levar dignidade e os direitos da cidadania a mais de 1.700 comunidades remanescentes de quilombos localizadas em 22 Estados e 330 municípios. As metas são: a titulação fundiária; o acesso à saúde e educação; a construção de moradias; a eletrificação; a recuperação ambiental; o incentivo ao desenvolvimento local, de acordo com a vocação de cada comunidade; o estímulo e valorização da cultura quilombola; e o atendimento por parte dos programas sociais, como o Bolsa Família e o Luz para Todos.

O programa prevê a remarcação das terras?
Não. Há muitas indagações sobre isso, tanto com quilombolas quanto com indígenas. No entanto, a demarcação destas regiões é feita levando em consideração a relação que essas populações têm com o meio ambiente em que estão inseridas. Vamos aprofundar a agenda social nestas áreas.

E quais são as ações do Ministério para as outras etnias no Estado?
Na verdade, nós viemos tratar da questão quilombola. Houve pedido de demanda para um centro de referência para as comunidades ciganas, que nós iremos buscar articular em nível de governo, já que a Seppir não é uma secretaria que finalize as ações de políticas públicas. Vamos verificar, em nível de governo, o financiamento para o centro de referência, à medida que, por duas vezes, essa questão foi colocada aqui por lideranças ciganas de Goiás.

O que, de prático, o Conselho de Igualdade Racial pode conseguir para a sociedade negra goiana?
Na verdade, o Conselho é um instrumento para aferir o andamento das políticas de promoção da igualdade racial. O Estado de Goiás tem um plano estadual de igualdade racial. O Conselho, que é um órgão paritário, com participação do governo e da sociedade civil, servirá para implementar a monitoração das políticas definidas no Conselho, o nível de avanço das ações  para a igualdade racial e até proposição de políticas públicas voltadas para esse fim.

O sr. participou também de um debate que discutiu a questão das cotas para acesso à universidade. O que tem de novo nesse movimento?
Na verdade, o debate foi mais amplo, sobre política de promoção da igualdade racial, mas é evidente que as cotas acabam assumindo um relevo nesse encontro. O que há é a expectativa da Universidade Federal de Goiás, com quem nós estivemos tratando do tema de cotas. O Conselho Universitário vai tratar do tema com a grande possibilidade de adoção da política de cotas na UFG.

Tem ganhado repercussão a posição de parte do movimento negro que se levanta contra a política de cotas. O sr. acredita que isso pode atrapalhar as negociações com as universidades?
Tem tomado relevo a posição de um negro, um negro, uma liderança do movimento negro que se coloca contra. Nós temos centenas, milhares de lideranças do movimento negro favoráveis à política de promoção da igualdade racial. É uma pena que a mídia só dê destaque a esse cidadão. É preciso que o Estado cumpra com a função de ser um instrumento de redução de desigualdades. Se existe desigualdade racial, o Estado brasileiro tem de trabalhar para compensá-la. Enquanto tratarmos os desiguais como iguais, tudo será mantido. E as cotas são um dos instrumentos de redução das desigualdades.

Como o sr. vê as críticas oriundas de outros segmentos?
Não é novo no Brasil. Já existiram cotas nas universidades rurais para filhos de agricultores, pessoas do campo. Já teve a experiência e, na minha avaliação, com êxitos. Basta olhar a situação de modernidade da agricultura, resultado de quadros capacitados que trabalharam neste segmento. Muitos usaram de cotas. Do ponto de vista da sociedade houve um ganho. Há desigualdade racial no Brasil. É só ver a pirâmide social, que vai escurecendo à medida que tem a sua base alargada.

A legislação contra o racismo no Brasil precisa ser adequada ou o sr. considera que ela só precisa ser aplicada?
Tem de ser aplicada. A legislação que criminaliza o racismo existe. Ela tem de ser aplicada. Os órgãos que cuidam disso, como delegacias, devem estar preparados e qualificados para tratar de casos como esses. A Constituição afirma que o racismo é um crime sem fiança e imprescritível. Há também uma legislação complementar que estabelece punições de acordo com as infrações. Se existe a lei, há racismo no Brasil. A sociedade está mais consciente e atenta. Em todas as camadas e segmentos sociais não se aceita mais certos comportamentos e atitudes de racismo, que são constantemente denunciados.

O ensino da disciplina História da África conseguirá sensibilizar os jovens do Brasil?
A educação é o principal instrumento de combate ao preconceito e à ignorância. Não creio que a matéria soe distante, até porque a África é o berço da humanidade. Só agora, muito recentemente, é que se tem a informação científica de que o primeiro ser humano surgiu na África. Além disso, tem toda uma história das pessoas que vieram para o Brasil de nações africanas, pessoas cultas, o escravo era retratado como um ser ignorante, mas isso não corresponde à realidade. Tínhamos, no Brasil, escravos mais cultos do que os seus senhores. É preciso que isso chegue a público, que essa faceta da história do Brasil seja conhecida por todos.

Qual é hoje a principal bandeira do movimento negro?
Do movimento negro eu não sei.

As políticas públicas não convergem com os anseios do movimento?
Com certeza absoluta. No âmbito nosso, do governo, as prioridades são a questão das comunidades quilombolas é uma prioridade, um resgate histórico nosso, e a Lei 10.639, que é a da História da África.

Em Goiânia, o sr. participou também de discussão sobre o Estatuto da Igualdade Racial. O que falta para aprovar o código?
O Estatuto é uma questão central. Nós necessitamos de diálogo com o movimento negro organizado para chegar a um entendimento, a um texto de consenso, para que possamos dialogar com os poderes Executivo e o Legislativo para dar as condições para a aprovação do Estatuto. Está em negociação. Já conversamos com representantes do PMDB, PR, PSB E PCdoB. Vamos dar continuidade às articulações. A votação ainda este ano é uma prioridade para transformar as medidas em política de Estado, a ser cumprida por esse e outros governos.