Cotas de vestibular (O Popular, 08/08/2008)

Cotas de vestibular (O Popular, 08/08/2008)

Hélio Rocha

As exigências da modernidade, do avanço científico e tecnológico, impuseram novos limites à aprendizagem, tornando insuficiente apenas a graduação de nível superior. Os que não se aprovam em pós-graduações e doutorados ficam em desvantagem. Imagine-se então a dramática desvantagem dos que nem sequer conseguem a formação universitária.

Em princípio, a reserva de cotas no concurso vestibular de universidades contraria princípios da concorrência, pois alteram o conceito de que todos devem ter oportunidades iguais em uma sociedade democrática. Mas, existe uma realidade social injusta, no Brasil, que acaba justificando a instituição de cotas.

O Conselho Universitário da Universidade Federal de Goiás acaba de aprovar duas cotas, ambas de 10%, para candidatos afro-descendentes e para estudantes de escolas da rede pública de ensino.

No dia l3 de maio passado se completaram 120 anos da Abolição da Escravatura no Brasil. Os escravos foram definitivamente alforriados, então, mas sem receber a libertação social, pois a falta de instrução e a extrema pobreza os deixaram excluídos, assim como seus descendentes.

O resgate da cidadania do negro praticamente não ocorreu nos primeiros tempos da República, cuja proclamação se deu um ano e meio depois do fim da escravatura. Nas últimas décadas, esse resgate se dá, mas de modo lento e gradual, com o cidadão afro-descendente ficando ainda em desvantagem.

Quando a Universidade de Brasília (UnB) implantou o sistema de reserva de cota para estudantes afro-descendentes, desencadeou-se uma polêmica, com alguns entendendo que esta inovação explicitaria o racismo e geraria motivos de confronto racial. Um dos autores da proposta de cotas na UnB, o professor do Departamento de Antropologia, José Jorge de Carvalho, disse que “há poucos negros na universidade e isso dificulta que se unam para lutar por seus direitos.” E lembrou que 97% dos universitários brasileiros, hoje, são brancos, contra apenas 2% de negros e 1% de amarelos.

O professor da UnB rebate opiniões contrárias sustentando que o sistema de cota pode explicitar o racismo, que é latente, mas não gerar preconceito maior do que o já existente. E diz que sem as cotas os afro-descendentes continuarão, em grande maioria, excluídos.

Há grande desvantagem também, com raras exceções, entre os estudantes de instituições particulares de ensino e os que cursam escolas da rede pública. Estes, na maioria, também não têm acesso aos cursos que preparam candidatos a vestibulares, porque são caros.

Estudantes de escolas particulares resolvem-se melhor no concurso vestibular porque têm maior acesso ao embasamento cultural, com a possibilidade de ler mais livros, assistir a espetáculos artísticos, viajar mais, assimilando conhecimentos que ajudam no desempenho em um vestibular.

As duas desvantagens constituem fator que justifica a instituição de cotas nos vestibulares. Podem as cotas até serem classificadas como mal, mas necessário mal. Como o próprio concurso vestibular tornou-se, no Brasil, também mal necessário.

Hélio Rocha é colunista do POPULAR