Um viva para os nossos poetas
Um viva para os nossos poetas (Diário da Manhã, 11/08/2008)
Algumas horas de minha juventude foram consumidas na leitura de poetas hispano-americanos, entre eles Santos Chocano, Ruben Dario, Pablo Neruda e outros tantos, como Alfonsina Storni, uma argentina falecida em solo francês e que mereceu, ainda em vida, o elogio da intelectualidade do seu tempo. Verdade que também me encantei com os versos harmoniosos de Olavo Bilac, a límpida prosa de Machado de Assis, do padre Vieira, os ensaios críticos de Tobias Barreto (a águia de Sergipe), os romances do ciclo da cana-de-açúcar assim como a poesia modernista de Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Augusto Frederico Schmidt, os contos de Coelho Neto e a magia do caprichado texto de Alceu Amoroso Lima.
Naquela época, saudosa sob todos os aspectos, ainda não conhecia a literatura regionalista de Hugo de Carvalho Ramos e nem a arte poética dos goianos Leo Lynce, Benedito Rocha, Xavier Júnior, Ricardo Paranhos e mais outras vozes que souberam habitar nos paradisíacos sonhos do espiritual encantamento de viver. Quando adentrei no universo dessa ilustre gente, logo senti que o nosso Goiás é um território cultural que não desqualifica, antes enriquece a produção literária brasileira. Basta a leitura de Bernardo Elis, Carmo Bernardes, Eli Brasiliense e outros que rompem a nossa fronteira para que se tenha a noção exata do que somos e do que representa a nossa valia no conjunto nacional.
Hoje, a saber, da geração nova, nota-se a presença de poetas da linhagem de Miguel Jorge, Luiz de Aquino, Helvécio Goulart e Lêda Selma levantando a sua voz inspirada nas emoções de seus mais íntimos sentimentos e despedaçando as dores das amarguras e desilusões. Não há como ignorar-se aqui Ieda Schmaltz, Cora Coralina, Leodegária de Jesus, Regina Lacerda e muito menos Gilberto Mendonça Teles, que é o mais representativo de todos os nossos escritores no mundo da cultura brasileira. Também os nomes ilustres de Ursulino Leão, Martiniano José da Silva, Antônio Geraldo Ramos Jubé, Hélio Moreira, José Fernandes, Modesto Gomes, Coelho Vaz, José Mendonça Teles e muitos ainda que brilham em nossa terra.
Graduada em letras vernáculas pela Universidade Católica de Goiás e em lingüística pela Universidade Federal também de Goiás, Lêda Selma é autora de livros que se recomendam pelo seu alto conteúdo poético. Pertencendo ao grupo de imortais da Academia Goiana de Letras, é uma poeta que inaugurou o seu roteiro literário com o Das Sendas à Travessia, uma coletânea de poesias da mais alta sensibilidade lírica, de qual seguiu-se A Dor da Gente. Cronista e contista, deu a lume recentemente o Sombras e Sobras, o sétimo de sua bibliografia, que Miguel Jorge diz tratar-se do produto de uma poeta que fala de alma para alma, numa extensão significativa de reflexões pessoais. É uma carmelita de sandálias a percorrer o mundo esbanjando poesia.
Quero destacar que a poesia de Lêda Selma tem um pouco do misticismo de Thereza do Menino Jesus porque penetra como poucos no amor de Deus, isto é, no próprio centro de sua espiritualidade. Ela expressa o que sente, caminha por sombras, recebe a divina luz, canta a felicidade do céu e o amor do filho arrebatado pela morte e convocado pelo Senhor para servi-lo na eternidade. O teólogo Juan Martin Velasco, professor da Universidade de Salamanca, explica muito bem como se pode viver com essa experiência de Deus, de fé e oração em todas as circunstâncias da vida.
Leonina do mês de agosto, baiana de Urandi, com raízes plantadas no sertão da Bahia, tendo as sementes migradas para a charmosa Goiânia, a sua dupla cidadania multiplicou-se sem aos abismos do medo e construiu uma poesia escalando momentos de dúvidas e apreensões para chegar ao cimo das estrelas demarcando percursos e caminhos. Na Academia Goiana de Letras ocupa a cadeira que é patrocinada por Hugo de Carvalho Ramos, nosso regionalista maior que ela enaltece e honra com o seu perfil poético. Saudemo-la, pois, como uma poeta de fé neste mundo de tanta turbulência e agressões contra a espécie humana.