Quem é a favorita?

Quem é a favorita? (Diário da Manhã, 14/08/2008)

Quando A Favorita, de João Emanuel Carneiro, estreou, os fissurados em novelas a acharam previsível e, bocejando, já adivinhavam o fim da trama. Essa é a estréia do autor no horário nobre, que começou com o pé esquerdo. O primeiro capítulo, que foi ao ar no dia 2 de julho, obteve média de 35 pontos no Ibope, com picos de 39. Esse índice bateu um recorde: foi a pior estréia de todos os tempos no horário nobre global. A baixa audiência, no entanto, fez com que o autor antecipasse uma reviravolta que movimentou o Projac e está mexendo com o imaginário do público: a revelação de Flora, personagem de Patrícia Pillar, como vilã.

O alarde sobre a nova configuração da novela gerou tal reboliço que, no capítulo em que a maldade da personagem foi revelada, a trama alcançou 46 pontos de média no Ibope. Os comentários na mídia estão atraindo a atenção do público brasileiro, que começa a abandonar Os Mutantes, da Record, principal pedra no sapato da Globo durante o horário nobre. A mudança brusca revelada pelo caráter das duas principais figuras da novela surpreendeu o público, que ainda tenta entender a lógica da guinada.

A polêmica é tanta que, em padarias, pontos de ônibus e salas de espera de consultórios médicos, o burburinho gira em torno desse assunto. O fato de Donatela, a forte personagem de Cláudia Raia, rica, poderosa, alta e explosiva, ser a mocinha, enquanto a doce Flora é vilã, ainda causa estranheza. É o caso da contadora Lúcia Neis, 41, que acredita que, além de ser estranho Donatela como mocinha, a trama perdeu a emoção por ter o principal mistério revelado bem no meio da história.

“O interessante nas novelas é a expectativa, o suspense. Quando ele revelou, perdeu o encanto”, explica. Ela esperava que a autoria do assassinato viesse de Donatela ou do mordomo Silveirinha, mas, mesmo com a quebra da expectativa, não tem planos de deixar de acompanhar a trama. Simpatia pela personagem de Cláudia Raia, ela não tem, por acreditar que não exista caracterização de boa pessoa na personagem: “Ninguém esperava que as coisas fossem caminhar para esse lado, pois Donatela sempre teve um lado sombrio.”

reviravolta

O autor afirma que a mudança não teve nada a ver com a baixa audiência inicial, pois, independentemente de resultados, ela já estava prevista. E adianta: muitas reviravoltas ainda irão acontecer. “Quando comecei a escrever, não sabia quem seria a má ou a boa. Mas, assim que vi as duas no ar, optei por desconstruir a Flora”, explica em entrevista ao blog Noveleiros. Ele explica também que no decorrer da novela todas as atitudes de Donatela consideradas sinais de mau-caratismo serão justificadas, já que a perua só queria proteger a família da irmã má.

A estudante Lutiane Portilho, 20, noveleira desde criança, confessa que ficou chocada quando viu o capítulo em que Flora se revelou assassina, mas gostou. “A cena foi forte e tensa, e a partir de então a personagem mostrou uma frieza enorme. Isso impressionou bastante”, conta. Lutiane considerou a revolução na trama algo positivo, e, ao contrário de Lúcia, pensa que agora sim a história terá emoção. “A novela é boa exatamente porque fugiu do previsível.”

Professor de Cinema da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia da Universidade Federal de Goiás, Lisandro Nogueira tem vários estudos a respeito da estrutura das novelas e afirma que não há nada de novo no trabalho de João Emanuel. Ele explica que as mudanças são apenas nas personagens, coisa que os autores de novelas têm total liberdade para fazer sem mudar a estrutura da trama. O professor considera que há uma engenhosidade por parte do autor que atrai a atenção do público, mas não há inovação.

Lisandro conta que, nos anos 1940, melodramas latino-americanos já utilizavam a reviravolta no meio das tramas. As obras brasileiras apenas tornam a estrutura mais sofisticada. Ele atribui o impacto da mudança à atuação das artistas, que, com o talento, convencem e emocionam. Mas algo na obra de João Emanuel chama a atenção do professor: “A telenovela está fazendo um espelho do que é a sociedade urbana, em que as pessoas mudam de caráter de acordo com as circunstâncias. Não são mais bons contra maus, mas cínicos contra autênticos. É assim também na sociedade, as pessoas oscilam entre cínicas e autênticas de acordo com a conveniência.