O esquartejador
O esquartejador (Diário da Manhã, 14/08/2008)
O esquartejador Mohammed d’Ali dos Santos teve a infância e a adolescência marcadas pela tragédia de seu pai, o cabo Santos.
No dia do aniversário da cidade de Goiânia, no ano de 1990, perdemos um grande amigo, que era o cabo Lázaro José dos Santos. Eu havia acabado de ser promovido à graduação de cabo da Polícia Militar de Goiás e servia no 2º Esquadrão do Regimento de Polícia Montada (RPMont), que era responsável pelo policiamento de Rádio Patrulha na região norte da Capital. Neste mesmo ano, ainda como aluno cabo da PM, tive o prazer de ser comandando pelo cabo Santos. Cheguei a estagiar na mesma viatura com ele. Pessoa respeitada e admirada pelos superiores, pares e subordinados. O ‘CB’ Santos era muito brincalhão e sabia muito bem como proceder diante das dificuldades enfrentadas no dia-a-dia da função que exercíamos. Nas horas de folga, ele nem parecia ser aquele policial experiente e aguerrido, mas, sim, um “meninão”. Ele amava as artes marciais e seus ícones, daí o motivo de ter registrado seus filhos como Bruce Lee e Mohammed d’Ali.
Depois daquele fatídico dia em que foram encontrados dois corpos no município de Trindade(GO), sendo que os dois estavam com as cabeças cobertas e um deles sem as orelhas, nariz, órgãos genitais castrados, com os olhos furados, pernas quebradas e outros sinais de torturas pelo corpo, este mesmo corpo só foi reconhecido pelos familiares e, infelizmente, depois de exames periciais foi comprovado como sendo o corpo do cabo Santos.
Recordo-me muito bem que, no velório do cabo, havia duas crianças, e uma delas falava com a voz embargada pelo choro: “Papai, levanta, levanta, papai.” Aquela simples frase fez com que todos nós, que nos encontrávamos no velório, começássemos a chorar. Recordo também que um de nossos colegas, o cabo Elias, teve uma crise incontrolável de choro pela revolta do ocorrido, que motivou posteriormente sua baixa na Polícia Militar. Há alguns anos, cheguei a me encontrar com o ex-cabo Elias, que havia passado em um concurso da Universidade Federal de Goiás (UFG) e prestava serviços de segurança àquela instituição. Hoje, não sei por onde anda aquele amigo, mas tenho certeza que ele se lembra perfeitamente desta tragédia ocorrida com o cabo Santos.
Neste momento, não queremos justificar a atitude monstruosa de Mohammed D’Ali ao esquartejar a inglesa Cara Burke, mas acredito que, se a instituição Polícia Militar de Goiás, as comissões de Direitos Humanos da OAB, Câmara Municipal, Assembléia Legislativa de Goiás ou Câmara Federal tivessem oferecido um acompanhamento psicológico aos filhos do cabo Santos na época de seu assassinato, talvez esta tragédia tivesse sido evitada.
Faço este desabafo como policial militar da reserva que viveu a situação na época da tragédia do cabo Santos. E hoje, como presidente da APBM (GO), fico triste em saber que absurdos como este ainda continuam acontecendo no seio de nossa corporação. Podemos citar como exemplo o caso do sargento Santana, morador da cidade de Luziânia, pastor evangélico, que criou seus filhos dentro da igreja e que hoje vivencia uma perseguição implacável contra seus garotos, até mesmo com torturas – perseguição esta que já virou sindicância contra o próprio sargento, como se ele tivesse cometido algum erro. Temos provas documentais contra um tenente de Luziânia que vem cometendo absurdos contra esta família, que tem na pessoa do sargento Santana um pai preocupado e, mesmo sendo pastor evangélico, se encontra revoltado com tal situação.
Ao escrever este artigo, estamos a dois dias de uma audiência com o comandante-geral coronel Edson Costa Araújo, na qual levaremos todos documentos comprobatórios da perseguição, inclusive com provas de torturas.
Bem, podemos nos perguntar se caso os filhos do cabo Santos tivessem tido acompanhamento psicológico ao longo destes quase 19 anos, não poderíamos ter excelentes policiais como era seu pai. Por outro lado, se a PM não tomar providências relacionadas aos filhos do sargento Santana, poderemos ter mais dois revoltados.
Se fossemos falar de todos os problemas dos servidores, nos faltaria espaço, por serem inúmeros. Para encerrar, vamos citar o caso do sargento Jesus Antônio Ferreira dos Santos, da cidade de Anicuns-GO, que foi executado pelas costas dentro de seu estabelecimento comercial em meados de outubro de 2007.
Falamos de apenas três casos atuais. Temos centenas de outros, mas por que citamos este último caso? Porque a tragédia maior no caso do sargento Jesus foi que seu filho, ainda criança, presenciou a execução do pai, registrando para sempre na memória este acontecimento. E, como ocorreu no caso do cabo Santos, a família nunca recebeu visita da assistência psicológica da instituição militar.
Será que alguém poderá imaginar que estamos correndo o mesmo risco destes filhos cometerem algum absurdo como no caso de Mohammed D’Ali?
Mais uma vez digo: não queremos justificar tal absurdo em favor do filho do cabo Santos, que é um esquartejador, mas, sim, chamar a atenção das autoridades para que tais fatos não continuem a acontecer entre a família miliciana.
Coloco-me à disposição de quem quer que seja para esclarecer a comprovar tais fatos.Fiquem com a bênção de nosso poderoso Deus e um abraço a todos do sempre amigo cabo “Buchecha”.
Josué F. de Araújo Júnior é presidente da ABPM-GO