30 anos da Lei da Anistia ampla, geral e irrestrita

 

30 anos da Lei da Anistia ampla, geral e irrestrita (Diário da Manhã, 17/08/2008)

Pedro Wilson Guimarães
é deputado federal (PT/GO), ex-prefeito de Goiânia e professor das universidades Católica e Federal de Goiás.

Caminhando contra o vento
Sem lenço, sem documento,
No sol de quase dezembro
Eu vou...
Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou ... por que não,
por que não?

Caetano Veloso

Prestes a completar 30 anos da sua sanção, a Lei da Anistia é uma conquista da democracia, da luta pelos direitos humanos, da memória, da verdade e da história brasileira. Sancionada em 28 de agosto de 1979, a anistia ampla, geral e irrestrita representou um clamor em favor da liberdade democrática, uma mobilização nacional a favor da reintegração de brasileiros punidos pelo regime de exceção à plena cidadania, da libertação de presos políticos e do retorno de centenas de exilados ao Brasil. A luta pela anistia já havia iniciado há alguns anos. Primeiro, entre os estudantes; depois, envolveu religiosos, jornalistas e políticos, e aos poucos foi alcançando outros segmentos da população.
Em todo o País e no exterior, formaram-se comitês e temos muito orgulho em afirmar que participamos intensamente desta luta. Formaram-se entidades em defesa de uma anistia ampla, geral e irrestrita aos brasileiros exilados. Prestávamos assessoria a presos políticos, parentes de desaparecidos ou de pessoas mortas pela ditadura. Muitas entidades se somaram nessa luta e em 1º de novembro de 1979 marca a volta dos primeiros exilados. Apesar de ter sido uma grande conquista da sociedade brasileira , a Lei da Anistia não beneficiou todos os perseguidos pelo regime militar. Muitos servidores demitidos por perseguição política não foram reintegrados. Quase 10 anos depois, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi estabelecido o direito ao reconhecimento dos anos de prisão ou de clandestinidade como tempo de serviço. Para reparar essas lacunas, foi criada a Comissão de Anistia, instalada pelo Ministério da Justiça, no dia 28 de agosto de 2001. Criada pela MP nº 2151, a Comissão analisa os pedidos de indenização formulados pelas pessoas que foram impedidas de exercer atividades econômicas por motivação exclusivamente política desde 18 de setembro de 1946 até 5 de outubro de 1988.
Ainda hoje são muitos os desafios para a consolidação da anistia. Nesse sentido, saudamos e manifestamos nosso apoio às declarações dos ministros Tarso Genro e Paulo Vannuchi sobre a polêmica amplamente divulgada e potencializada na mídia sobre a Lei de Anistia, no que diz respeito aos militares e civis acusados da prática de tortura durante a ditadura. A Lei da Anistia está posta. A Constituição de 1988 está posta. Agora e sempre lutamos pelo direito à memória e à verdade da história. Anistia é uma coisa. É para todos. Agora nem na lei e nem na Constituição cidadã existe proteção para crimes de tortura. Os crimes de tortura por leis, constituição e convenções internacionais são e estão imprescritíveis ética e penalmente. Tortura não se aceita ontem, hoje e amanhã. Tortura é contra os direitos humanos.
Concordamos e lutamos pela necessidade de responsabilização no caso da tortura, mas que o foco dos direitos humanos “não é o olho por olho, dente por dente” e sim “a paz”. Não há nenhum sentimento de revanchismo, como pregam setores, sempre os mesmos, da imprensa e organismos conservadores que sempre buscam criar intrigas no interior do governo e na opinião pública. É fundamental para a história do Brasil o resgate desse período de trevas. Inclusive para que reparem as barbaridades cometidas e faça justiça a milhares de pessoas que foram presas, torturadas, perseguidas pelo regime militar. E entendemos que fazer a paz exige o conceito de reconciliação. Agora, para ser uma reconciliação verdadeira, é preciso que a verdade, a memória sejam garantidas. O Brasil precisa saber o que aconteceu. Precisa saber que o Herzog e o Rubens Paiva, Honestino e tantos outros/outras não desapareceram; foram presos e assassinados pelo aparelho de repressão.
Existem no Brasil mais de 100 associações de ex-perseguidos políticos e familiares de mortos e desaparecidos políticos. Mais de 60 mil brasileiros ingressaram com pedidos de reparação na Comissão de Anistia nos últimos sete anos, restando quase 25 mil por apreciar. A União apreciou mais de 500 processos movidos por famílias que tiveram familiares mortos ou desaparecidos durante a ditadura miiltar. Diversos particulares, em todo o Brasil, ingressaram com ações na Justiça pedindo responsabilização de quem os torturou ou levou à morte seus familiares. O Ministério Público Federal promove, atualmente, Ação Civil Pública contra coronéis que chefiaram o DOI-Codi de São Paulo. O “custo-ditadura” para a União já ultrapassa 2,5 bilhões de reais. Nesse sentido, não há de se falar que o assunto está morto na sociedade.
É preciso lembrar ainda, como dados para enriquecer esse debate, que:
1. Desde 1970 o Brasil é signatário de acordos internacionais que consideram a tortura crime imprescritível e não-passível de anistia;
2. O assassinato já era considerado crime durante a ditadura, e nunca foi regulamentado como forma oficial de atuação policial;
3. A tortura nunca foi oficialmente aprovada como método investigatório durante o regime militar; neste sentido, é crime comum;
4. Os perseguidos políticos, para obterem anistia, passam por um processo administrativo longo, precisando apresentar provas, além disso, passaram por processos penais militares e foram processados pela Lei de Segurança Nacional; os agentes que praticaram condutas atentatórias aos Direitos Humanos se consideram plenamente anistiados sem terem jamais sido processados em qualquer instância;
5. Estudos recentes apontam que, nos países onde a anistia pregou o esquecimento forçado, as taxas de violência policial são mais altas que nos países que processaram seus carrascos. A idéia-chave é que a impunidade legitima práticas como a tortura e o assassinato, tanto comuns como políticos;
6. Responsabilizar agentes públicos que desviaram de suas funções e cometeram crimes não é agressão às Forças Armadas, justo o oposto, é uma forma de mostrar como as mesmas não aceitam a tortura e o assassinato;
7. A responsabilidade por julgar as ações é da Justiça. O Poder Judiciário brasileiro nunca se manifestou sobre o tema e agora, com as diversas ações que vêm sendo movidas, deverá adotar posicionamento. Sendo assim, é fundamental o amplo debate público sobre o tema.
Por fim, queremos saudar os 29 anos da Lei da Anistia e afirmar valores como liberdade, justiça, igualdade, solidariedade, tolerância e paz. Queremos a paz, cultura da paz, justiça social, cidadania, democracia, liberdade e desenvolvimento sustentado para todos/as brasileiros/as das cidades e dos campos cerrados. Viva a vida digna de ser vivida pela humanidade peregrina de Deus. Oxalá hoje e sempre. Viva a educação. Viva os Direitos Humanos. Viva a democracia e a liberdade com a fraternidade e a igualdade social entre homens e mulheres do planeta azul.


Pedro Wilson Guimarães é deputado federal PT/GO. Ex-prefeito de Goiânia. Professor das universidades Católica e
Federal de Goiás