Procura-se bons professores (Tribuna do Planalto, 22/08/2008)

Procura-se bons professores (Tribuna do Planalto, 22/08/2008)

Raphaela Ferro

Cássio Sobocinski Castro, 18, era um dos melhores alunos do Ensino Médio do Colégio Integrado Jaó. O mais provável seria que o rapaz escolhesse fazer Medicina, Direito ou alguma das áreas de Engenharia. Mas o aluno foi o primeiro colocado para o curso de Matemática da Universidade Federal de Goiás (UFG). Com sua nota, ele poderia ter escolhido qualquer outro curso da instituição. O coordenador do colégio, João Batista Ribeiro, explica que escolhas como a de Cássio não são comuns. "Raramente você encontra um aluno com desempenho bom que se interesse por cursos de docência", comenta ele.

Contudo, o foco de Cássio Sobocinski não é a docência. Segundo ele, como monitor no colégio, ele pôde ter a experiência de ministrar aulas, mas mesmo tendo gostado muito da atividade, seu interesse maior recai sobre a área de pesquisa e, no futuro, talvez possa até atuar na docência universitária. Dar aulas para o Ensino Básico não é um de seus objetivos.

O futuro matemático afirma não ter sofrido pressão em casa pela escolha incomum do curso. "Meus pais me deram todo apoio e disseram que se era isso que eu queria, era o que eu deveria fazer", conta. Com os colegas foi um pouco diferente. "Eles brincavam que eu ia morrer de fome porque Matemática não dá dinheiro, mas era brincadeira, curtição." Cássio concorda que sempre há os que falam que, por ser um dos melhores alunos, não seria conveniente ele fazer o vestibular para Matemática, mas ele diz não levar a sério.

Desinteresse
O diretor do colégio, Marcos das Neves Tucano, enfatiza que no Colégio Integrado Jaó menos de 5% dos melhores alunos pensam em seguir carreira na docência. Mas esse desinteresse não é uma especificidade da instituição. De acordo com uma pesquisa realizada pela Fundação Lemann e pelo Instituto Futuro Brasil, divulgada pelo jornal Folha de São Paulo, a média nacional é um pouco melhor, mas apenas 5% dos melhores alunos formados no Ensino Médio querem atuar como docentes na Educação Básica.

Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), o professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG), Valter Soares Guimarães acredita que vários fatores tornam a profissão docente pouco atrativa. Para ele, os principais são: a baixa remuneração, a jornada muito extensa, o trabalho desgastante e o baixo status social da profissão. "No cálculo da remuneração, em geral, não se leva em conta o tempo fora de sala que o professor despende, ou teria de despender. Hoje, para viver desta profissão, o professor precisa ministrar um número excessivo de aulas", conta.

O professor Valter acredita que o quadro mostrado pela pesquisa é o mesmo em Goiás, mesmo não dispondo de dados objetivos sobre a questão. "A profissão docente não é, em geral, a primeira alternativa dos alunos que se formam como professores. Não é uma profissão que atrai os melhores alunos do Ensino Médio, embora haja exceções", explica. Ele acredita que a clientela dos cursos de formação de professores, em todo Brasil, não é, em geral, proveniente de classe sócio-econômica alta. "Mas isto não é, absolutamente, um empecilho para que se formem bons professores", enfatiza.

Realidade
A pesquisa informa também que o Brasil atrai para o Magistério os profissionais que possuem mais dificuldades acadêmicas e sociais, ao contrário dos países com sucesso educacional. Marcos exemplifica tal fato com dados de reportagem publicada pela revista Veja. "Hoje, os melhores países na área de Educação são Canadá, Cingapura, Japão, Coréia do Sul e Finlândia. Esses apresentam características que são básicas para um ensino de qualidade: valorização do profissional e seleção rigorosa para quem quer ser professor", conta o diretor.

Na pesquisa divulgada pela Folha, os pesquisadores delimitaram o patamar de melhores estudantes naqueles que ficaram entre os 20% mais bem colocados no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2005. Dentro do grupo dos melhores, 31% querem a área da saúde e 18% escolhem Engenharia. O Colégio Integrado Jaó foi responsável pela terceira melhor nota geral de Goiás no Enem 2007. Lá os cursos escolhidos pelos alunos seguem o mesmo padrão nacional. "Os mais procurados pelos vestibulandos daqui são Relações Internacionais, Engenharias, em especial a Mecatrônica, Direito e Medicina", informa Tucano.

Carreira desvalorizada
"A profissão do Magistério está muito desvalorizada. Os professores têm uma dificuldade enorme, são sobrecarregados com jornadas muito grandes", afirma o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), Roberto Leão. Ele ainda enfatiza que, além da desvalorização já existente, sempre que os profissionais da área conquistam leis rumo à valorização acontece um bombardeio contra.

Para Marcos das Neves, essa desvalorização citada por Leão passou a acontecer há aproximadamente dez anos. Ele acredita que há 40 anos, por exemplo, isso não era uma realidade. "Hoje tem um segmento específico, que é o de professores de cursinho, que ganha muito bem, mas é uma minoria". Tucano conta que vários alunos de sua escola têm vontade de seguir a carreira docente, mas acabam optando por outros cursos. "Temos aqui as monitorias, em que os alunos ensinam os que têm mais dificuldades. Eles adoram dar aula, mas não pensam nisso como profissão porque não vêem futuro, nem status. Se formam em outros cursos, mas a vocação era para dar aula".

Roberto Leão explica que, para ele, enquanto a profissão não apresentar perspectiva de vida, os jovens não terão interesse por ela. "É preciso que haja a valorização, que os professores tenham uma formação continuada com tempo para atualização e melhores salários”.

Sem status
O status social do Magistério definitivamente não agrada aos alunos do Ensino Médio. Uma pesquisa da Fundação Carlos Chagas, que acompanha 2.700 estudantes de cursos de formação de professores do País, apontou que 73% dos participantes afirmam que seus amigos entendem que a carreira não vale a pena. Fato que é reforçado pelo número de cursos de Pedagogia que funcionam no Brasil. "Hoje há uma quantidade absurda de cursos de Pedagogia, porque existem muitas universidades que oferecem, de todas as formas: por carta, via internet, semipresencial", é o que entende o diretor Marcos Tucano.

Na opinião dele, com esse sistema, muitos pedagogos se formam, mas se forem trabalhar na área, não conseguirão exercer a profissão adequadamente. Marcos explica que essa situação desmerece ainda mais a docência. O diretor do Integrado Jaó conta que, normalmente, são os alunos com menor desempenho na escola que escolhem os cursos voltados para docência, porque tendem a ser menos concorridos. "Os vestibulares mais fáceis e geralmente menos almejados pelo aluno das escolas particulares são os vestibulares de Letras, História e Geografia, por exemplo".

Falta status e glamour
De acordo com Roberto Leão, o jovem precisa ver que pode conseguir se realizar com a profissão que escolheu, quando a escolha dele é o Magistério. O presidente da CNTE afirma que isso não acontece hoje no Brasil. "Se quisermos escolas melhores temos que investir em qualidade, o que passa pelo profissional. Educação de qualidade não pode prescindir de uma jornada sem horários extras, por exemplo."

Leão acredita que enquanto não houver essa preocupação em valorizar a profissão a procura pela área será realmente pequena. Marcos Tucano afirma que as condições da profissão devem ser estruturalmente modificadas. "Se mudar estruturalmente a política educacional do País, instituindo um processo meritocrático, esses resultados também mudam. Mas são necessárias remuneração e preparação adequada para os profissionais da Educação", completou.

Para ele, quando as condições mudarem, o interesse dos alunos também irá mudar gradativamente. "Penso que é preciso investir no que eu chamo de estatuto profissional do professor ou na melhoria da condição profissional do educador", afirma Valter Guimarães.

Para ele, isso significa melhorar a formação inicial e continuada dos educadores, criar melhores condições de trabalho, garantir remuneração condizente e jornada adequada de trabalho.

Roberto Leão enfatiza que a Educação brasileira só irá funcionar quando a vontade, o sonho de ser professor estiver unido com um processo de valorização que dê conta da sobrevivência do profissional na área. Marcos Tucano informa que essa va-lorização é válida porque hoje os alunos entram muito cedo na universidade e escolhem o curso pelo glamour, pelo status e pelas perspectivas de futuro. "Tudo que a carreira de educador não sinaliza", destaca o diretor.