Do barro se fez arte (Diário da Manhã, 02/08/2008)
Do barro se fez arte (Diário da Manhã, 02/08/2008)
No quintal de uma casa em Goianira (a 32 quilômetros de Goiânia), trabalha o ceramista Gabriel Machado, 40, em meio à simplicidade. São várias prateleiras lotadas de peças coloridas de cerâmica, enquanto dois cachorros dormem embaixo de uma das estantes, e ao lado um amontoado de barro aguarda processamento. Sua esposa ajuda na pintura e no acabamento das obras; os três filhos também se dividem nas etapas da produção.
É neste ambiente acolhedor e familiar que nasceu o trabalho do artista que acaba de chegar da Itália, berço dos maiores artistas que a humanidade já viu, onde foi ensinar sua arte. A simplicidade e a maneira arcaica de produzir arte a partir do barro conquistaram os italianos e o resultado das aulas práticas será exposto de 15 a 17 de setembro no museu da comunidade San Giovanni Lupatoto (Verona).
Animais da fauna do cerrado, mascarados das Cavalhadas, entre outros ícones característicos do Estado, ganham forma a partir do barro, pelo manuseio dos alunos italianos, que, segundo Gabriel, ficaram encantados com o jeito rude e primitivo de fazer arte. “Eles estão acostumados a ver e trabalhar mais com o mármore, bronze e ferro. Mas foi mostrado que a argila pode também ter status artístico.”
A proposta do curso na Itália partiu de uma ex-aluna de Gabriel, Eliana Silva, brasileira emigrante no país europeu e apaixonada pela maneira de produzir cerâmica proposta pelo artesão. “Ela procurou um meio de apresentar o fazer da arte por lá”, explica o ceramista, que é também educador social.
Eliane conseguiu articular em Verona a realização de dois cursos intensivos, um ministrado para adultos de um centro comunitário e outro realizado numa entidade voltada para portadores de deficiência física e mental.
O processo da artesania da cerâmica, desde a obtenção e coleta da argila à abertura das placas com sabugos de milho e construção das i-magens, utilizando principalmente as mãos, sem moldes, foi demonstrado no curso.
Até mesmo a construção de um forno artesanal para secagem das peças foi realizada durante as aulas. O artesão conta que os alunos se surpreenderam com a maneira rudimentar de fazer o forno, sem precisar de cimento e tijolos refratários. A forma arcaica de artesania foi uma surpresa agradável aos europeus, acostumados com a sofisticação. Com o mínimo de interferência possível do homem, sem usar adição de elementos como óxido de ferro e magnésio, é possível fazer nascer da argila belas imagens, desde panelas e outras peças utilitárias até elementos da arte sacra barroca brasileira e figuras do folclore goiano.
intercâmbio
A cultura do cerrado se fez presente na Itália, pelas mãos dos próprios filhos do país do velho mundo. Além de fazer o barro se transformar em arte nas mãos estrangeiras, Gabriel levou a cultura goiana ao conhecimento daquele povo. “Quando se menciona o Brasil para os europeus, só conhecem Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. Eles pensavam que no interior do nosso País só havia tribos indígenas e florestas”, conta o ceramista.
Conhecer a cultura rica do interior do Brasil e saber da existência da cidade de Goiás, tombada pelo patrimônio histórico da Unesco, fizeram crescer o interesse italiano em aprender sobre o Brasil. O sucesso foi tanto que os organizadores, junto com Gabriel, estão analisando a possibilidade de realizar nova edição do projeto no próximo ano. “Gostaria de fazer uma intercessão cultural e apresentar entidades do candomblé com os respectivos santos católicos, para a construção das peças de cerâmica. Mas vou estudar as formas de levar isso, já que os italianos têm grande devoção religiosa”, diz.
Sem apoio ou patrocínios de entidades italianas e brasileiras, a saga na Itália saiu do bolso de Gabriel. “Encontramos dificuldade em arquitetar apoio na Itália, já que meu trabalho não era conhecido. Aqui, infelizmente não consegui patrocínio com governo ou empresas, mesmo com a possibilidade de abatimento no Imposto de Renda.”
Apesar do custo alto, o artesão garante que lhe valeu a pena em diversos sentidos. “A comunidade de Verona aprovou meus cursos, já que a maioria dos artistas que visitam o país vai a fim de somente aprender, extrair conhecimento.” O ceramista conta que voltou com a bagagem cultural bem mais rica. “Estive em lugares que só conhecia dos livros e vi monumentos, pinturas e igrejas que fazem parte da história”, conta. A aventura no país ainda lhe proporcionou momento de emoção – ele visitou a cidade de Assis, famosa por ser o lar de São Francisco, retratado inúmeras vezes pelo artesão.
brinquedo
O barro sempre se transformou nas mãos de Gabriel. Virava brinquedo na época da infância e depois passou a ser fonte de renda e objeto de estudo do artesão. Hoje, além de comercializar obras na Feira do Cerrado (todo domingo, das 9h às 12h, em frente ao Estádio Serra Dourada), trabalha numa obra social, onde ensina a arte da cerâmica e ainda dá aulas particulares.
Cursou Artes Visuais na Universidade Federal de Goiás, visando obter conhecimento mais aprofundado sobre sua atividade. Apesar do curso ser mais voltado para as teorias da arte, ele foi induzido a buscar mais conhecimento sobre as representações artísticas e culturais que fazem parte da história do Estado. Tanto que seu trabalho de conclusão de curso teve como tema “A produção artística na cidade de Goiás”.