Insanidade mental na moda
Insanidade mental na moda (Diário da Manhã, 03/08/2008)
Justificar crimes hediondos cometidos por acusado por meio de transtorno mental ou dependência química está cada dia mais presente nos Tribunais de Justiça. Um exemplo claro é dos advogados de Silvia Calabresi Lima, 42, que torturou Lucélia, 12, em abril deste ano. Eles haviam pedido na época o exame de insanidade mental da empresária, porque a acusada teria sofrido transtornos na infância. O pedido dos advogados de Silvia foi negado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Para o psiquiatra e especialista em dependência química pela Unifesp/EPM e coordenador do Programa sobre Drogas do Departamento de Saúde Mental e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás, Paulo Gontijo, o papel do perito psiquiatra é essencial nesses casos. Tudo porque a perícia evita que criminosos sejam considerados inimputáveis (indivíduo que não pode responder por seus atos perante a lei) por supostos transtornos mentais e retornem para a sociedade sem terem passado antes por uma reeducação ou tratamento.
Pesquisas sobre violência e transtorno mental revelam que os principais fatores que levam as pessoas a cometerem crimes hediondos estão ligados em primeiro lugar ao gênero masculino. Em seguida, a idade jovem, baixas condições socioeconômicas, e em último lugar, a existência ou não do transtorno mental. “Existem pessoas que não possuem boa índole e não se adaptam à sociedade, mas isso não as torna doentes mentais”, completa.
O psiquiatra conta que é preciso que, assim como o sistema judiciário, o perito psiquiatra saiba utilizar suas especialidades para discernir o comportamento violento do criminoso com o transtorno mental. Um estudo realizado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), no Primeiro Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas no Brasil, revela que 70% dos brasileiros consomem álcool, uma droga lícita, e 19,4% usam drogas ilícitas.
Com as estatísticas é possível associar que a violência pode estar ligada ao abuso de substâncias tóxicas (álcool e outras drogas), e não somente associada à presença do transtorno mental. Mas o psiquiatra diz que a idéia de que o criminoso utiliza drogas, principalmente o álcool, não deveria prevalecer como condição para torná-lo inimputável dentro do laudo psiquiátrico. “Isso é uma forma de se tentar burlar a Justiça. Se ele usa drogas escondido e esconde da família e da sociedade, esse seu comportamento é porque ele tem consciência de estar praticando algo proibido”, explica.
Estudos realizados para desmistificar a associação entre os dois fatores são realizados há décadas no mundo todo. Na Alemanha, uma pesquisa mostrou que não havia excesso de doentes mentais dentre os criminosos violentos, da década de 1955-1964, quando comparados com a população em geral.
Foi encontrado também que a idade média do doente mental criminoso por ocasião do crime era 10 anos maior do que a do criminoso da população. O estudo sugeriu que a doença mental, com o tempo, retarda a expressão dos atos de violência.
Gontijo lembra também que uma pesquisa realizada dentro dos presídios brasileiros revelou que apenas 10% dos presidiários possuem doença mental. Para ele, o estudo comprova que, na maioria absoluta (90%), os presidiários são sadios mentalmente.
O fato só contribui para que os criminosos dolosos ou culposos que alegam insanidade mental ou problemas mentais para justificarem os atos hediondos devem ser melhor avaliados. Em termos médicos, Gontijo explica que somente o perito psiquiatra poderá emitir um parecer sobre a sanidade do indivíduo.
“Para o criminoso que tem a sanidade mental em discussão e que será submetido a laudo pericial, o importante é que o perito leve em conta a história psicopatológica antes de ele ter cometido o crime”, afirma o psiquiatra.