Há mais de meio século

Há mais de meio século (Diário da Manhã, 07/09/2008)

Quando aqui cheguei, em princípios de 1945, ainda era menina, e brincava descalça nas ruas sem asfalto de Goiânia.Vim acompanhando meus pais, que buscavam um futuro melhor para a família, visto que a nova capital já prometia amanhecer para melhores oportunidades, especialmente para os estudos de uma menina do interior.

E tudo deu certo!

Coisas importantes aconteceram a partir de 1945. De fato, o mundo passou a ser outro depois daquele ano. Minhas lembranças voltam para mais de meio século. Em 1945, foram-se as luzes desta, então muito jovem capital, apagadas pelo furor das águas que levaram, Meia Ponte abaixo, a usina do Jaó! Foram meses e meses de escuridão desmanchada à custa de lamparinas e lampiões...

Em 1945, deu-se o término da guerra, da terrível Segunda Guerra Mundial, pela rendição das forças japonesas em princípios de setembro daquele ano, quando já haviam decorridos quatro meses do desmoronamento do III Reich, deixando no seu rastro a lembrança tenebrosa de milhões de mortos, dentre aos quais milhares de brasileiros. E a terrível destruição de Hiroshima e Nagasaki, vítimas da bomba atômica, fantasma que até hoje atemoriza o mundo? Ah! Coisas importantes aconteceram a partir de 1945!... Em Goiás, bruxuleava a chama dos primeiros anos de vida da então capital caçula do Brasil. Doze anos, se considerarmos como ponto de partida o ano de 1933, data do lançamento da pedra fundamental, e três, se considerarmos o Batismo Cultural realizado em 1942.

A partir do Batismo Cultural, quando Goiânia já contava com 51 mil habitantes, a cidade experimentou um crescimento vertiginoso no campo da cultura, da educação, do esporte e da economia. Durante o chamado “Batismo Cultural”, foram aqui realizados três importantes eventos: o VII Congresso Brasileiro de Educação, a 5ª Sessão Ordinária das Assembléias Gerais do Conselho Nacional de Geografia e Estatística e a I Exposição – Feira de Pecuária, esta por iniciativa do saudoso Altamiro de Moura Pacheco. Um ano após, em 1943, é criada a Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos, trazendo a lume os contos de Bernardo Élis, em Ermos e Gerais. No mesmo ano foram fundados em Goiânia o Goiás Esporte Clube e o Vila Nova Futebol Clube. Assim é que o ano de 1945 já se encontra uma Goiânia florida com esse importante ramalhete cultural, buquê que cresce, floresce e dá frutos à mão cheia. Nesse ano é fundada a Associação Brasileira de Escritores – Seção de Goiás –, hoje denominada União Brasileira de Escritores, a nossa UBE. É também criado o Parque Agropecuário de Goiânia, e realizada a II Exposição – Feira de Pecuária, essas ainda por iniciativa do nosso Altamiro de Moura Pacheco.

Daí até 1950, muitos melhoramentos foram registrados: foi criado o Departamento Estadual de Cultura, o Museu do Estado, hoje denominado Zoroastro Artiaga, e também criado, por obra e mérito de Altamiro de Moura Pacheco, o Banco Agropecuário de Goiás.

Nesse período foram criadas pela Cúria Metropolitana de Goiânia e as Faculdades de Farmácia e Odontologia e a de Filosofia, integradas, mais tarde, a primeira à Universidade Federal e a segunda à Universidade Católica. Também foi fundada, em 1950, a Associação Médica de Goiás, de onde nasceria o ideal que levou a criação, alguns anos mais tarde, da nossa Faculdade de Medicina.

Uma rodovia partindo de Belém até Anápolis, completando a Transbrasiliana que vinha do Rio Grande do Sul, permitindo o cruzamento do Brasil de Norte a Sul, projetada pelo deputado federal goiano Jalles Machado, levava ao entusiasmo os servidores e dirigentes da Comissão de Estradas de Rodagem de Goiás (Cerg), mais tarde transformada em Dergo.

Assim, a chamada Belém-Brasília, para quem não sabe, não foi invenção de Juscelino ou de Bernardo Sayão, não!, foi inventada por Jalles Machado.

Nessa época, Goiânia já desperta curiosidade além-fronteiras: a revista Life manda aqui um repórter para documentar a eclosão dessa nova vida que se instalava no sertão do cerrado brasileiro, já havia sido criada a Federação das Indústrias do Estado de Goiás pelo catalano Antônio Ferreira Pacheco, o Conservatório de Música, de cuja fundação participou com especial liderança a nossa Belkiss Spenzière Carneiro de Mendonça, e também tínhamos criado a Orquestra Sinfônica de Goiás.

Já possuíamos o Aeroporto Santa Genoveva, cujas terras haviam sido doadas à Aeronáutica, para esse fim, pelo nosso Altamiro de Moura Pacheco.

Os movimentos em prol da mudança da capital federal para o planalto goiano se intensificaram na década de 50. Os goianos se dedicaram à nobre campanha com grande determinação. Jerônimo Coimbra Bueno criava a Rádio Brasil Central, cujo lema era “Rádio Brasil Central, fundação Coimbra Bueno pela mudança da capital federal”. Quem se lembra disso?

E do refrão “pra cima, para o alto, com Brasília no Planalto?”.

Quem se lembra disso?

A política goiana, até então feita à custa do mandonismo, a todos azucrinava com os métodos de então. Era mais tiro do que voto, diria José Asmar. Mas a cruzada em favor da mudança produzia o prodígio de a todos unir em torno do grande ideal. Inaugura-se, afinal, a nova capital do Brasil a 21 de abril de 1960, de cuja saga muito, e muito bem, participaram os goianos, podendo destacar, dentre os muitos, os irmãos Coimbra Bueno, o nosso Altamiro de Moura Pacheco e José Ludovico de Almeida.

Vários jornais, além de O Popular que já vinha circulando havia mais de 20 anos, vieram a lume. Dentre esses podemos citar o Jornal de Notícias, comandado por Alfredo Nasser, o Jornal Oió, sob a direção de Olavo Tormim, e o semanário Cinco de Março, criado em 1959 pelos jornalistas Batista Custódio e Thelmo de Faria.

E Goiânia não parava. No ano da inauguração de Brasília, a sua população já ultrapassava os 150 mil habitantes, registrando-se na década um crescimento de 181 por cento. Já tínhamos o Grêmio Lítero-Teatral Carlos Gomes (quem se lembra dele?), fundado por um grupo de intelectuais, dentre eles Vasco dos Reis e Pedro Gomes e, até o final de sua existência, administrado pelo jornalista João Guimarães.

Já contávamos, sobretudo, com as nossas duas grandes universidades: a Católica, fundada em 1959, e a Federal, em 1960. Foi sem dúvida, com a criação da Universidade Federal de Goiás, em 14 de dezembro de 1960, que a década se fecha com chave de ouro. Quanto a esse acontecimento, faço registrar, por justiça, a participação dos deputados goianos Emival Caiado e Gerson de Castro Costa, que elaboraram leis criando a auspiciosa entidade que, afinal, veio a furo por obra e mérito de Colemar Natal e Silva, por meio da Lei nº 3834-C, do próprio Poder Executivo, presidido na época por Juscelino Kubitschek. Esses idealistas encontram o terreno fértil e preparado. Anos antes, dom Emanuel Gomes de Oliveira, o “Arcebispo da Instrução”, já vinha preparando a infra-estrutura educacional de Goiás para receber as universidades que temos hoje. É por essas e outras que considero, para Goiás e para Goiânia, especialmente, o ano de 1960 como a abertura de uma nova era. Se até meados do século 20 se media o tempo por centúrias, daí, então, se passava a medir por décadas. Era o progresso. Goiânia não parou de crescer e progredir, sai década, entra década. E com ela também crescia a menina, agora já mulher feita, Maria do Rosário Cassimiro. E tudo deu muito certo.


Maria do Rosário Cassimiro é educadora e escritora. Ex-reitora da UFG e da Unitins.
Ex-presidente da Academia Goiana de Letras e do Conselho
Estadual de Educação