Direito humano à comunicação
Direito humano à comunicação (Diário da Manhã, 07/09/2008)
Sempre que se buscam formas de caracterizar o tempo em que vivemos, algumas das expressões mais usadas têm sido “Era do Conhecimento” e “Sociedade da Informação”. Ambas referem-se à importância fabulosa que os diferentes aparatos e meios de comunicação passaram a ter na difusão de conteúdos de toda a natureza, numa velocidade e numa amplitude sem precedentes. É imenso a força e o potencial que a mídia possui na vida contemporânea para reforçar e atribuir sentidos aos fatos, de transmitir e reforçar valores. Tanto é que quando falamos em opinião pública, há sempre um gaiato que logo vai relativizar o conceito e perguntar se está se falando de opinião pública ou opinião publicada.
No que se refere aos direitos humanos, é extremamente relevante o papel da mídia tanto como ator como instrumento de educação. A mídia tanto pode ser no sentido de promover valores éticos e solidários, contribuindo para construir processos pedagógicos libertadores, quanto pode instrumentalizar preconceitos de toda ordem e legitimar a violência, estimulando o egoísmo e consumismo desenfreados. Em outras palavras, a mídia pode ser tanto a maior aliada da luta pelos direitos humanos, quanto sua pior inimiga.
Os dois movimentos – para o bem e para o mal – estão visíveis diariamente. Até porque – vamos combinar assim – verdadeiramente não há comunicação isenta. O que há é a isenção como uma saudável utopia a ser perseguida pelos meios de comunicação, a começar pela garantia de espaços para todos os lados envolvidos nos fatos narrados. Outro fator a considerar é que junto com a força que a mídia tem, vem a responsabilidade no emprego dessa força. O fato é que a mídia é um espaço político, com capacidade de influir em comportamentos, valores, crenças e atitudes.
Do lado da valorização dos direitos humanos, muitos jornalistas e muitos órgãos de comunicação desempenharam um papel fundamental para que chegássemos aos avanços que o Brasil conquistou. Embora tenhamos muitos atrasos a superar, muitos avanços a conquistar, a sociedade brasileira acumulou, sim, conquistas que tornam nossos padrões atuais de respeito aos direitos humanos melhores do que antes. A repulsa às violações, a difusão dos valores democráticos, dos direitos previstos na Declaração Universal e na nossa Constituição Cidadã, a exigência de efetiva implementação dos diplomas legais, tudo isso teve uma inegável contribuição de jornalistas e de órgãos de comunicação.
Lembremos da trajetória de resistência à ditadura militar feita corajosamente pelos jornais O Pasquim, Movimento, Coojornal, Opinião, que tanto contribuíram para mobilizar a opinião pública e formar consciência de cidadania. Wladimir Herzog foi o símbolo daqueles que pagaram com a própria vida em defesa da liberdade de expressão, em defesa da vida.
Hoje usufruímos a conquista democrática da liberdade de expressão. Não há restrições à liberdade de opinião, de imprensa, de expressão, por parte do Estado. O que há – e isso é um pressuposto do Estado de Direito – são os limites impostos pela Constituição e pela lei para que o exercício da liberdade não transborde para ofender a liberdade e os direitos do outro.
Mas isso não significa que o jornalista esteja a salvo no seu trabalho de denunciar as grandes violações de direitos humanos. O que mudou foi que hoje o opressor da liberdade de comunicação não é mais o Estado. Agora é o crime organizado, pode ser o adversário político do jornal onde o profissional trabalha. E o exemplo do jornalista Tim Lopes, só para ficar num exemplo mais conhecido, é exemplar dos riscos que correm os jornalistas investigativos.
Não convém esquecer outra fonte de opressão e por vezes, censura, quando os fatos narrados pelo jornalistas se chocam com os interesses dos donos do órgão de comunicação onde trabalha. Há um exercício diário de adaptação, quando não de cooptação.
Falamos do jornalista que contribui para edificar a comunicação como direito. Mas não podemos deixar de citar também aqueles maus profissionais que reproduzem diariamente em seus jornais, emissoras de rádio, de televisão e em outros meios os velhos bordões de que direitos humanos é defesa de bandido. Muitos desses profissionais propagam e incutem na mente de crianças, de jovens, diariamente, conceitos e preconceitos que afrontam as conquistas civilizatórias, os direitos humanos e os princípios democráticos.
Mais grave que isso, porém, é o jornalismo que lança mão de seu poder de formar consciências, de construir e reforçar opinião, para criminalizar movimentos sociais, ofender e excluir segmentos da população, distorcer os acontecimentos e apresentar opiniões interessadas como se fossem fatos.
Todos nós que atuamos na defesa dos direitos humanos, seja como advogado, como magistrado, ministério público, parlamentar, devemos ver a imprensa como aliada. Devemos, sim, contar com a mídia não só na denúncia das violações, como também colaborar com ela e cobrar dela a divulgação das boas notícias, das ações positivas e exemplares de promoção dos direitos. Isso ajuda a educar e a mostrar no cotidiano que os direitos humanos não são apenas violação. Também há respeito, avanço civilizatório, comportamentos solidários. Essa relação crítica com o jornalista é necessária porque a imprensa comercial sempre terá preferência pela má notícia, já que esta é mais fácil vender num primeiro momento, pois toca no imaginário mórbido que todos nós temos. Mas notícia boa vende também. Só que dá mais trabalho. Mas é nosso papel ajudar a construir.
A mídia exerce um certo fascínio em muitos de nós. Muitas vezes, quando conquistamos, na condição de fonte do jornalista, um bom espaço na mídia para denunciar um problema, nos damos por satisfeitos e orgulhosos de ver a matéria publicada. Como se o problema se esgotasse na denúncia do problema e não na sua solução.
Este equívoco é comum na sociedade da informação, e faz parte daquela situação descrita pelo pensador francês Jean Baudrillard, segundo o qual a comunicação contemporânea produz uma confusão entre ilusão e realidade, em que o que prevalece é o simulacro da realidade e não a realidade em si. Ou seja, não importa o que é, e sim o que parece ser.
Gostaria de dar um relevo especial a um grupo de jornalistas que precisa muito do apoio dos advogados, da compreensão dos operadores do Direito. Estou me referindo aos jornalistas comunitários, especialmente os operadores das rádios e TVs comunitárias. Essas emissoras possibilitam a democratização da informação e garantem acesso às tecnologias para a sua produção a setores populares que não têm outra espaço para serem ouvidos. Muitas rádios comunitárias estão se consolidando como instrumento populares, como meio de expressão em espaços sociais que a mídia comercial não chega porque não está interessada.
Rádio comunitária e rádio pirata são coisas distintas. Essa distinção é fundamental porque ela mistura atores muito diferentes, de modo a prejudicar os setores populares realmente comunitários com as pechas dos piratas, normalmente políticos, empresários e grupos religiosos que querem passar por cima das normas.
Como a legislação sobre a radiodifusão é anacrônica e determinada pelo interesse de poucos concessionários – umas oito ou nove famílias que controlam a maior parte do espectro –, é preciso que os advogados contribuam para interpretações da legislação mais alinhadas com o conceito de comunicação como direito humano e não apenas de um negócio oligopolizado. Por fim, as rádios comunitárias propiciam um ambiente totalmente democrático. São rádios do povo e cada vez mais fazendo a diferença e mostrando grandes artistas, valorizando a cultura regional, os artistas locais, a vida do povo, enquanto que na grande TV somos obrigados a consumir programas, na maioria das vezes, sem conteúdo nenhum. Direito humano à comunicação é, entre outros, a garantia da construção de uma sociedade justa, democrática, igualitária e fraterna.
PEDRO WILSON é deputado federal (PT/GO), membro das comissões de Direitos Humanos, Educação e Legislação Participativa. Ex-prefeito de Goiânia e professor da Universidade Católica de Goiás e da Universidade Federal de Goiás. Militante dos movimentos Fé e Política, Direitos Humanos, Ambientalistas e de
Educação e Cultura