Em louvor de Eli

Em louvor de Eli (Diário da Manhã, 08/09/2008)

No ano passado, Eli Brasiliense, escritor goiano bastante conhecido aquém e além fronteiras, completou trinta anos de militância literária, tendo sido o marco inicial de sua trajetória o romance Pium, publicado em 1949. No trigésimo aniversário de sua estréia como romancista, Miguel Jorge, então presidente da União Brasileira de Escritores, colocara na pauta de realizações daquela entidade uma homenagem a Eli, o que afinal veio acontecer na atual gestão da UBE-GO, quando foi promovido, em colaboração com o Centro de Cultura Goiana, da UCG, o I Seminário sobre Regionalismo Goiano. Nessa oportunidade, a obra do vigoroso romancista foi estudada e debatida.

Eli Brasiliense, além de ser um dos prosadores mais fecundos da literatura goiana, é uma figura humana admirável: culto, modesto, um trabalhador sério, um bom escritor que não alardeia sua própria obra, simplesmente trabalha e prova o talento com o produto de sua messe.

Reli há pouco a sua obra para fazer uma revisita ao seu denso universo e defrontar-me novamente com os tipos humanos que criou, na sua luta contra os percalços do meio, contra as forças econômicas, políticas e sociais que os oprimem e os impedem de viver na plenitude de sua dignidade humana. Revisitei e reforcei o meu apreço por essa obra de real peso na cultura goiana.

Em Pium, o romancista relata a vida na região do garimpo, a linguagem de seus habitantes e sua psicologia. Embora obra de estréia, foi bem recebida pela crítica que nela ressaltou "o estilo olímpico e sugestivo e poderosas faculdades de observação". O escritor já mostrava a sua garra. Veio depois Bom Jesus do Pontal, narrativa sobre a destruição do lugarejo do mesmo nome pelos índios e o início da construção de Porto Nacional. A seguir, o romance Chão vermelho, no qual a grande personagem é Goiânia, cidade em formação. O quarto livro é o romance Rio Turuna, prêmio do I Concurso Literário da Universidade Federal de Goiás, editado em 1964. Depois veio o Irmão da Noite, contos, editado pela Edições Correio da Manhã, do qual se escreveu que "o autor nos entrega seu pedaço de mundo e seu punhado de humanidade, criaturas vivas respondendo ao meio e ao destino, com a paixão e a ternura que lhe conferem caráter universal". Publicou ainda o romance O perereca e mais dois livros de cunho filosófico, O grão de mostarda e A morte do homem eterno. Finalmente, saiu o romance Uma sombra no fundo do rio, editado pela José Olympio e aplaudido pela crítica nacional. Assim, dando um balanço na produção de Eli Brasiliense, vamos encontrar (não contando trabalhos esparsos e inéditos) seis romances, um livro de contos e dois de cunho filosófico, o que é uma bibliografia bastante rica para um ficcionista goiano.

Conversando com a escritora Nelly Alves de Almeida sobre Eli Brasiliense, ela afirmou encontrar na sua obra uma estrutura firme e grande unidade; contém referências históricas valiosas sobre o norte goiano; apresenta um regionalismo intelectualista, em que a linguagem é usada de acordo com o meio cultural em que vive o personagem. A paisagem humana e física e a trágica luta do homem contra o meio e as forças opressoras são muito autênticas, pois coletadas da experiência do romancista. Ele foi colher a matéria de sua ficção nas fontes que conheceu e vivenciou.

Bernardo Élis, analisando recentemente a obra de Eli, também nela vê uma produção vasta e coerente, atingindo o autor maior maestria, maior equilíbrio no romance Uma sombra no fundo do rio. Bernardo chama a atenção para a linguagem, na qual reside o forte de sua obra. Sabedor de nossos hábitos e costumes, de nossa linguagem, apanhou palavras e expressões típicas, que se aproximam do mais castiço português. Ele emprega expressões curiosas, inventadas, dando assim um sabor genuíno e original à sua linguagem. Do mesmo teor é a afirmação de Modesto Gomes, falando sobre Irmão da noite: Eli capta, com propriedade impressionante, toda a riqueza dialetal da região eleita para cenário de sua ficção. E depois, trabalhando com técnica de artesão consciente de seu ofício todo o material coletado, reproduz aquele linguajar de forte gosto telúrico, imprimindo-lhe os acentos de oralidade, que são, em última instância, a simbiose plena do popular com o erudito... Certas frases, por outro lado, além da maravilhosa construção, ajustam-se esplendidamente à situação considerada.

Assim, o romancista Eli Brasiliense, que é, na expressão de Waldemar Cavalcanti, a um tempo regional e universal, representa um nome digno de respeito na literatura brasileira.

A ele a minha homenagem e a minha admiração pelo trigésimo ano de sua entrada vitoriosa no mundo das letras.

Goiânia, dezembro de 1980