Os milagres da cigarra e da libélula
Os milagres da cigarra e da libélula (Diário da Manhã, 22/09/2008)
Jávier Godinho
escreve às quartas-feiras neste espaço
As cigarras, depois de um ano enterradas, emergem para cantar ao sol. É assim o seu milagre e a sua sina, que se repetem há milhões de anos ante olhos que não vêem e ouvidos que não ouvem. Com as libélulas, o fenômeno é mais espantoso ainda.
A cigarra vive 12 meses na escuridão da raiz da árvore onde saiu de um ovo, para então subir para o tronco, mudar de roupagem, contemplar o astro rei pela primeira vez, deliciar-se com a primavera, também botar seus ovos, cantar e depois morrer. É por isso que as cigarras só são encontradas entre setembro e outubro. Em novembro, elas desaparecerão, mas seus filhos, com certeza, no mesmo ciclo vital, estarão chamando a chuva da primavera de 2007.
Apenas o macho canta. Fecundada a fêmea, cerca de 15 ovos descem em fios finíssimos até o chão. Ali, a ninfa abre um minúsculo túnel e vai dormir a até um metro de profundidade no chão.
Em cada árvore se hospedam de 100 a 300 ninfas, que se nutrem nas raízes.
Em um ou dois anos, para as espécies conhecidas no Brasil, ou em 13 a 17 anos, para espécies da América do Norte, a ninfa sobe a árvore, já com forma de cigarra. Cria asas, seca, deixa a casca e vai completar seu ciclo. A fêmea, em 15 dias, põe ovos. Quinze dias depois, já morreu.
As cigarras da região de Goiânia são totalmente inofensivas, e três espécies já foram identificadas e estudadas pelo Departamento de Botânica da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Depois do amor, a morte
A natureza inventou o helicóptero perfeito, milhões de anos antes do homem, que lhe deu o nome de libélula. Ela não possui boca e vive o tempo suficiente para procriar. No ar, em evoluções primorosas, permanece os minutos exatos para as núpcias e a morte. Em Obras Poéticas, Cecília Meireles apresenta nada menos de 15 nomes para a libélula, que recolheu pelo Brasil afora: libelinha, cambito, canzil, cavalinho-de-judeu, cavalinho-do-diabo, cavalo-de-judeu, cavalo-judeu, jacina, lava-bunda, lavadeira, lavandeira, odonata, macaquinho-de-bambá, pito e ziguezague.
A libélula vive três anos debaixo dágua, em estado larval. De dois em dois meses, a larva deixa a pele, que não cresce com seu corpinho. Fora dela, é acometida de descomunal apetite, comendo tudo em sua volta.
Com sua vigésima primeira epiderme, sai da água, subindo por algum arbusto ou capim. Ao calor do sol, rompe-lhe nas costas um par de asas, de onde sai o corpo, abandonando a antiga vestimenta, mas sem boca. Voa, então, alucinada, até encontrar um par, unir-se a ele, garantir a continuação da espécie e morrer em poucos minutos.