O LHC não é uma ameaça Arthur M. Moraes

‘O LHC não é uma ameaça’ Arthur M. Moraes (Tribuna do Planalto, 20/09/2008)

No último dia 10, começou a funcionar na Suíça aquela que é considerada a maior máquina já construída pelo homem. Trata-se do LHC, Large Hadron Collider (grande colisor de hádrons), um túnel de 27 quilômetros de circunferência e 3,8 metros de diâmetro, que levou 14 anos para ficar pronto e consumiu um investimento de US$ 10 bilhões. Dali, espera-se respostas para os mistérios acerca da origem da matéria e de enigmas como a ainda discutível teoria sobre a matéria escura que comporia a maior parte do Universo. "Experimentos que ajudarão a entender como o Universo começou e como evoluiu com o passar do tempo", diz o físico Arthur M. Moraes. Ele é parte do grupo de cerca de 70 brasileiros que integram o corpo de 1.700 cientistas e engenheiros de 500 instituições em 60 países que trabalham no LHC. Na semana passada, Moraes veio a Goiânia para falar sobre o projeto aos colegas da Universidade Federal de Goiás (UFG), onde se formou e fez mestrado. Em entrevista exclusiva à Tribuna do Planalto, ele fala sobre a importância do projeto, seus objetivos e, categórico, refuta a idéia, alardeada aos quatro cantos do mundo, sobre a possibilidade de a máquina gerar um buraco negro capaz de engolir a terra: "A quantidade de energia com a qual vamos trabalhar no LHC não se compara com o fenômeno da formação do buraco negro a partir de uma estrela", explica. "Então, dizer que estamos colocando o planeta em risco é má informação. Quem afirma isso está promovendo informação incorreta ou parcial."

Raphaela Ferro


Tribuna do Planalto - Como é o trabalho do CERN e como estão se desenvolvendo as pesquisas do LHC?
Arthur M. Moraes - O CERN é o laboratório europeu para a ciência de partículas. Eu acho que foi fundado há pouco mais de 50 anos. Inicialmente era uma instituição formada por países europeus apenas, mas, hoje em dia, envolve a colaboração de mais de 40 países, se não me engano. Nesse laboratório são feitas várias experiências na área de física de partículas, assim como na área de física nuclear. Os experimentos são feitos para desenvolver tecnologia, para construir os aceleradores e também tem desenvolvimento de materiais, uma série de outras investigações e pesquisas que são feitas em paralelo. Mas a marca mesmo são os experimentos que são feitos com o que a gente chama de aceleradores de partículas. O LHC é, atualmente, o grande projeto do CERN. Tem mais de 20 anos que eles estão trabalhando nesse projeto.

Como descrever o LHC para um leigo?
O LHC é um acelerador de partículas a velocidades muito próximas à da luz. Quando você acelera uma partícula assim, na verdade, é como se você colocasse naquela partícula uma quantidade muito grande de energia. É um experimento de alta energia, porque quando fazemos a aceleração das partículas a altas energias, colocamos muita velocidade. As partículas ficam correndo em torno desse anel. No LHC, a energia que vamos atingir será pelo menos sete vezes maior do que já se foi feito em qualquer outro lugar do mundo. Fazendo isso, podemos produzir novas partículas, geralmente um pouco mais pesadas, que nos ajudarão a entender como o Universo começou, como evoluiu com o passar do tempo e coisas básicas, como, por exemplo, o que é massa ou como as partículas diferentes adquirem a massa que têm. Cada um das partículas tem uma massa diferente. O próton tem uma massa quase duas mil vezes maior que a massa do elétron. Ninguém consegue explicar direito porque é assim. Ninguém sabe o porquê.

O LHC dará a resposta?
Com essas experiências que nós vamos fazer no LHC, estamos buscando descobrir partículas novas ou mais pesadas, uma delas é a partícula chamada bóson de Higgs. Se descobrirmos essa partícula, teremos a confirmação de uma teoria que conta por que o elétron tem a massa do elétron e o próton tem a massa do próton. Ela deixaria de ser teoria e passaria a ser uma lei fundamental ou algo assim. Por isso, todo esforço em que estamos, para tentar comprovar essa teoria ou não. Se não descobrirmos, significa que teremos de voltar para o quadro negro e reformular o problema, para tentar resolver.

O principal objetivo é (ou refutar) a teoria do bóson de Higgs?
Sim, um dos principais objetivos é verificar ou não a existência do bóson de Higgs e o mecanismo Higgs. Isso é, sim, um dos principais objetivos.

E o que essa descoberta significaria para a comunidade científica?
Significaria que resolvemos de uma vez por todas essa dúvida de como as coisas adquirem a massa que elas têm. Se brincar, poderemos até aprender a manipular isso. Dependendo de como você forma o Higgs, com quem você o interage e coisas desse tipo. Abre-se um leque de possibilidades, se descobrirmos.

Como vocês, que estão realizando a pesquisa, tentam controlar a reação negativa das pessoas em relação ao experimento?
Esse trabalho que estou fazendo aqui [a palestra na Faculdade de Física da UFG, em Goiânia] e o que eu vim fazer é parte desse esforço. Tentar divulgar realmente o que estamos fazendo, porque muito do risco que as pessoas vêem nesse tipo de experimento, na verdade, da maneira como nós da comunidade científica vemos, parte da falta de informação que as pessoas têm. Às vezes, tentar ir à universidade, dar palestras em escolas e em outros fóruns de discussão são tentativas de elucidar, de esclarecer e mostrar para a população o que estamos fazendo. A única coisa que fazemos é colocar em laboratório algo que já acontece ou que já aconteceu naturalmente. Não significa que vamos criar algo que nunca existiu. Nos primeiros momentos do Universo, basicamente, tudo que vamos fazer no laboratório já existiu, já aconteceu. Nós não estamos criando um monstro novo, igual a mídia, às vezes, gosta de colocar. Nós não estamos colocando o Universo em risco, nem nada do tipo.

Tem algum fundamento essa idéia negativa? Por que ela surgiu na mídia?
Surge porque existe esse termo buraco negro.

Há a possibilidade de que o LHC gere um buraco negro?
Sim. Mas, na verdade, essa é uma probabilidade pequena. O fundamental é entender de que tipo de buraco negro se está falando. Para se formar um buraco negro, desses que observamos nas galáxias, é preciso, pelo menos, uma estrela de dimensão maior do que o sol. A quantidade de energia com que vamos trabalhar no LHC, embora seja muita energia, não se compara de maneira alguma com, por exemplo, o fenômeno da formação do buraco negro a partir de uma estrela. Você pode pensar na dimensão de uma estrela que é maior que o sol e toda essa energia que ela vai colapsar devido a gravitações para gerar o buraco negro. E você pode pensar também na energia do LHC. Quando acontecem as colisões ali, o máximo de energia que vamos conseguir é algo equivalente a 80 quilos de TNT. O que é muita coisa se você for pensar, mas não se compara com uma estrela gigante colapsando. Quando falamos em buracos negros produzidos pelo LHC, falamos em buracos negros que vão ser produzidos em escala pequena.

Ainda assim, trata-se de uma teoria, não?
É uma teoria apenas. Se existir vai ser algo pequeno, algo que vai existir em uma fração muito pequena de tempo e vai se desintegrar em algum tipo de radiação, nada mais do que isso. Particularmente, sou um pouco cético, porque ainda é possível debater muitas coisas dessa teoria que prevê a formação de buracos negros.

Teria algum reflexo ou poderia haver algum efeito colateral no espaço ou nas pessoas próximas, mesmo que mínimo?
Não. As pessoas que falam que tem um pouco menos de 1% de chances de produzir [um buraco negro] não param para pensar no que vai ser produzido. Vamos dizer que produziu um buraco negro, o tipo de buraco negro que vai ser produzido vai ser algum tipo muito pequeno, comparativamente na escala dos buracos negros. E que não vai nem destruir nossos equipamentos, nem destruir a Suíça, nem nada desse tipo. Existem, naturalmente, raios cósmicos produzidos devido a explosões de supernovas e outras coisas que acontecem no Universo, movimentando mil vezes mais energia do que existe no procedimento do LHC. E essas partículas estão viajando por aí, na galáxia. Algumas delas batem na atmosfera, como se fosse uma colisão que acontece na atmosfera. Coisa que é mil vezes mais energética do que o que estamos produzindo. Isso bate na atmosfera e produz interação, algo que já vem sendo observado há muitos anos e nunca se relatou a produção de um buraco negro. Então, dizer que estamos colocando o planeta em risco é má informação. Quem afirma isso, está promovendo informação incorreta ou parcial.

Até quando duram as pesquisas?
Sabemos que o projeto tem tempo para nascer e tempo para morrer, como todo projeto científico. Às vezes, tem algumas prorrogações ou corte da verba antes da época, mas acho que a previsão é de que deve funcionar por algo em torno de 15 anos, a partir de agora.

Como é a participação dos brasileiros no experimento?
Somos um grupo de 70 brasileiros. Existe participação individual, de gente como eu, que está em outras instituições espalhadas pelo planeta. E existe uma participação institucional, que é financiada pelo governo brasileiro [a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) faz parte das instituições envolvidas nas pesquisas com o LHC]. A participação individual de gente que está fora do Brasil é financiada por outras instituições. No meu caso, é financiada pelo governo Britânico. Tenho colegas, por exemplo, que são financiados pelo governo americano. Há também aqueles que são financiados pelo próprio CERN. Então, existem dois níveis de participação, gente que por causa das dificuldades de conseguir trabalhar no projeto por meio de uma instituição brasileira acabaram indo para instituições fora. E existe gente que insistiu em continuar com o apoio institucional de universidades brasileiras.

Como o cientista brasileiro tem sido recebido lá fora, levando-se em conta que o Brasil não tem, digamos, uma cultura de pesquisa científica?
Em ciência, ter tradição é algo importante. Quando você faz um projeto desses, que demora 20 anos para ficar pronto e outros 15 anos funcionando, você precisa saber que o financiamento vai ser estável, que os cientistas que estão trabalhando vão estar realmente comprometidos.  Um centro sério de financiamento para pesquisas espera confiar que a instituição é respeitável, que os grupos vão se desenvolver e dedicar tempo e pessoal. Que poderá contar com recursos, humanos e materiais. Infelizmente, a tradição institucional brasileira na área de física de partículas ainda é muito alternante. Tem épocas que está bem, tem épocas que não está. Todavia, individualmente, há brasileiros ligados a instituições brasileiras ou não também com funções de liderança no Cern.

Qual a sua função no projeto?
Sou coordenador da área de análise. Fiquei responsável pelas primeiras medidas que vão ser feitas no nosso experimento. Sou responsável por coordenar o grupo que vai preparar para medir as coisas, fazer a análise e publicar o artigo.

Perfil

* Formado em Física, com mestrado em Óptica Quântica, pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Arthur M. Moraes é doutor em Física de Partículas pela Universidade de Sheffield, na Inglaterra. Faz parte do Departamento de Física e Astronomia da Universidade Glasgow, na Escócia, e integra a Organização Européia para Pesquisas Nucleares (Cern), órgão responsável pelo maior acelerador de partículas do mundo, o LHC.