Perigos da tecnologia em excesso
Perigos da tecnologia em excesso (Diário da Manhã, 08/10/2008)
Cristiane Lima
Da editoria de Cidades
Quem não se lembra do Bambolê, Vai-e-vem, Genius, Lego, Comandos em Ação, Pega Vareta, Cubo Mágico, Aquaplay e Autorama? Esses brinquedos estão cada vez mais presentes apenas na lembrança dos mais velhos. Pesquisa feita pela Universidade Federal de Goiás (UFG) mostrou que a maioria das crianças quer tecnologia de presente no dia 12 de outubro. As sugestões são MP3, celulares e até computadores. Especialistas alertam que o excesso de tecnologia pode causar prejuízos no aprendizado intelectual e no desenvolvimento social dos pequenos.
Levantamento feito com 200 adolescentes e jovens de universidades de São Paulo perguntou quantos ainda guardavam brinquedos de infância. A resposta positiva foi dada por 30%, que ainda possuem bonecas, carrinhos, jogos de tabuleiro e coleções de latinhas, figurinhas e chaveiros. Coordenador da pesquisa, professor Marcos Crivelaro acredita que isso mostra que esses jovens quiseram guardar momentos bons do passado.
Perguntados sobre o que gostam de fazer para se divertir, a maioria dos entrevistados respondeu passeios e jogos em grupo. Especialista em finanças e professor da Faculdade de Informática e Administração de São Paulo (Fiap-SP) e do Centro Federal de Educação Tecnológica de São Paulo (Cefet-SP), Marcos Crivelaro diz que brinquedos tecnológicos impedem que crianças tenham contato com outras crianças e, assim, sentimentos que deveriam ser obrigatórios nessa idade, como saber ganhar, saber perder e compartilhar, não são estimulados.
Jogos on-line e internet, para o professor, podem ser prejudiciais porque são individuais. “Alguns jovens me disseram que, em lan houses, várias pessoas interagem jogando juntas. Não acredito em interação, porque uns se juntam aos outros para matar o companheiro, que eles se quer olham nos olhos, apenas apertam botões”, critica. Marcos Crivelaro diz que objetos tecnológicos não podem ser considerados brinquedos porque não estimulam a convivência, nem o aprendizado.
O pequeno Jefferson Ataíde, 5, já escolheu o que quer ganhar no Dia das Crianças: um aparelho celular. Depois de pensar muito, a auxiliar de rouparia Ivone Ataíde, 38, mãe do garoto, decidiu que vai dar o presente ao filho. Ela cedeu aos apelos do pequeno, que faz o pedido há mais de um ano. Essa é uma tendência. Pesquisa do Centro de Estudos e Pesquisas de Relações Públicas (Cepe) da UFG aponta que 75% das crianças preferem ganhar brinquedos eletrônicos aos tradicionais carrinhos e bonecas.
A pesquisa ouviu 350 crianças com idade entre 9 e 12 anos. Aparelhos como MP3, celular, computador foram os mais citados na pesquisa. Ganhar o dinheiro vivo para gastar como quiser foi preferido por 63%, e apenas 37% querem o brinquedo. Especialistas apontam para o perigo do excesso de tecnologia. De acordo com a psicóloga Débora Diva Alarcon Pires, brinquedos tradicionais têm capacidade de estimular o raciocínio e o desenvolvimento cognitivo.
A mãe de Jefferson diz que só vai dar o presente porque ele pede há muito tempo. Ivone se lembra que a filha mais velha, Lorrainy, 16, preferia bonecas e brinquedos. Ela acredita que a tendência atual de querer tecnologias é difícil de controlar. Segundo ela, os aparelhos eletrônicos fazem parte do desenvolvimento das crianças de hoje. Ela se diz cuidadosa e promete estar atenta para possíveis problemas que o uso do aparelho possa trazer. Ela vai comprar celular usado e pré-pago para o filho. “Quero agradar, mas sem prejudicar. Não vou fazer gasto alto pois sei que ele pode estragar ou sumir. Com esse presente, quero ensiná-lo a ter responsabilidade e cuidado com suas coisas.”
A psicóloga Débora Alarcon acredita que excesso dos eletrônicos no dia-a-dia das crianças pode prejudicar o desenvolvimento intelectual e social. As imagens e idéias prontas cedidas pelas máquinas impedem o raciocínio próprio. Além disso, ela alerta para o lado emocional. Crianças que não compartilham momentos com outras crianças tendem a ser mais egoístas e ansiosas. Como jogam contra uma máquina, a psicóloga explica que eles têm dificuldades em ganhar. Quando ganham, querem novo desafio e ficam cada vez mais tempo em frente à tela da televisão ou do computador.
A pesquisa da UFG perguntou ainda sobre o que as crianças gostam de fazer fora da escola. Usar o computador foi a resposta de 62,3%. Brincar com amigos e ver TV foi dada por 51,3%. A preferência de 34,9% da meninada quando estão navegando é o site de relacionamentos Orkut, e 33,3% gostam do programa de conversas on-line MSN. Jogos on-line receberam 31,9% das preferências.
Débora Diva Alarcon diz que esse tipo de passatempo pode prejudicar o desenvolvimento intelectual das crianças. Alerta para pais de crianças que estão entre o 1° e o 6° ano do ensino fundamental. Nessa fase, eles estão afirmando sua leitura, escrita e criatividade. É comum jovens usarem linguagem em códigos para se comunicar na internet. Por isso, o excesso pode ser prejudicial. Débora Alarcon comenta que, nas universidades, são freqüentes alunos com dificuldades de redação. A leitura superficial e simples da internet prejudica o vocabulário. “A internet não exige raciocínio, vem tudo pronto. A dificuldade existe porque os jovens não sabem ler, entender e interpretar.” A psicóloga acrescenta que a internet é indispensável, mas deve ser acessada dentro dos limites, que devem ser estabelecidos pelos pais. Destaca que a web deve ser usada apenas como ferramenta de apoio.
Dona de loja e fábrica de brinquedos pedagógicos, Dagmar Brigitte Sturm diz que brinquedos e brincadeiras tradicionais desenvolvem a noção de ordem, equilíbrio, concentração e dedução das crianças. Outro ponto destacado pela lojista é o desenvolvimento da inteligência e coordenação motora durante as brincadeiras. Para ela, o brinquedo pedagógico dá oportunidade de mexer, pegar, sentir. Além de dar noção de espaço, peso, tamanho. Os brinquedos tradicionais exigem que a criança se movimente para pegá-los. Ao contrário dos computadores e videogames, que não pedem esforço físico.
Dagmar Sturm costuma dizer que os brinquedos preferidos de hoje tornam as crianças adultas antes da hora. Para ela, criança tem que correr, pular, brincar com outras crianças e cansar.