A vegetação da cidade de Goiás e redondezas

A vegetação da cidade de Goiás e redondezas (Diário da Manhã, 15/10/2008)

José Ângelo Rizzo
José Ângelo Rizzo é professor

Encravada às margens do lendário Rio Vermelho, a cidade de Goiás é circundada, em parte, pela Serra Dourada e suas ramificações, as quais recebem nomes regionais, como Catalango e São Francisco. Emoldurada por esses acidentes geográficos, a cidade tem suas belezas arquitetônicas realçadas.
Ao lado de casarões, ruas tortuosas, becos e rios, a Serra Dourada e seus morros são cobertos por uma vegetação característica do bioma Cerrado, que é constituído por formações típicas como floresta semicaducifólia, floresta ciliar e de encosta, como pode ser vista próximo às nascentes do Rio Vermelho, e formações rupestres, notadamente na Serra Dourada, criando componentes que favorecem a beleza da cidade.
A partir de 1819, ilustres pesquisadores como Johann Baptist Emanuel Pohl e August de Sanit-Hilarie adentraram a Província de Goiás, atingindo Vila Boa, quando registraram importantes observações sobre os hábitos e costumes da população local, e também sobre a flora. O botânico Pohl descreveu pela primeira vez o conhecido papiro da Serra Dourada como o Lasiandra papirus, hoje com o nome científico alterado para Tibouchina papiros, e o botânico Saint-Hilaire descreveu a conhecida fruta-de-lobo ou lobeira Solanum lycocarpum St. Hil., demonstrando atenção especial para com a nossa flora, Hugh Algernon Weddll, Ernest Heinrich Ule e outros também pesquisaram a flora da região.
Ainda hoje, pesquisadores nacionais e estrangeiros realizam estudos sobre a flora de Goiás e da Serra Dourada.
As belas floradas do ipê-amarelo-da-mata (Tabebuia serratifolia (Vahl.) Nichols), do ipê-do-cerrado (Tabebuia aurea (manso) Bentahn & Hooker) e do ipê-roxo (Tabebuia impetiginosa (Mart. ex DC. Standl.), juntamente com as flores arroxeadas do cega-machado (physocalymma scaberrimum Pohl) e o amarelo do conhecido esgorrega-macaco (Vochysia haenkeana Mart.), emergem-se sobre o fundo verde. O pau-de-leite ou tiborna (Himatanthus obovatus (M. Arg.) Woods) e o pau-santo (kielmera coriacea (Spr.) Mart.), comuns no Cerrado, destacam-se pela beleza de suas folhas e flores. Muito ornamental pela suas flores lilases é o ipezinho-do-cerrado (Arrabidaea brachypoda (DC.). A flor-do-cerrado (Calliandra dysantha Benth.) divide com outras espécies do mesmo gênero a beleza de suas flores e o imbiruçu (Pseudobombax longiflorum (Mart. et Zucc.) A. Robyns), com sua florada creme, se prestam como plantas ornamentais. Essas espécies podem ser usadas na arborização urbana.
Nos Cerrados ocorrem palmeiras de notável valor ornamental, como a macaúba (Acorcomia aculeata (Jacq.) Lodd.), cujo nome vulgar foi emprestado a uma rua próxima a Igreja do Rosário; nome este consagrado pela população. O buriti (Mauritia flexuosa L. f.), ocorre nas partes mais úmidas, onde formam as chamadas veredas.
Outras espécies vegetais convivem neste ambiente e são utilizadas no preparo de pratos típicos da culinária goiana. O pequi (Caruocar brasiliense Camb.) é ingrediente do popular arroz com pequi, e a guariroba ou gueroba (Syagrus oleracea (Mart.) Becc.), do saboroso empadão goiano; ambos dão toque especial à famosa galinhada goiana. Da guariroba aproveita-se o palmito para alimentação humana, e a polpa do fruto é complemento alimentar para bovinos e suínos. Do já citado buriti, é muito apreciado o doce feito dos frutos. A mangaba (Hancornia speciosa Gómez), o caju (Anacardium humile St. Hil.) e outras espécies do mesmo gênero e a cagaita (Eugenia dysenterica DC.), ocorrentes nos Cerrados circundantes, fornecem frutos comestíveis, dos quais são produzidos doces e sucos.
Conhecimentos passados de geração a geração mantêm vivo o uso de plantas medicinais, como a arnica (Lychnophora ericoides Mart.), com ação comprovada nas inflamações e machucadura; a sucupira (Pterodon emarginatus Vog.), cujas sementes são largamente utilizadas contra infecções da garganta; a douradinha (Palicourea coriaceae (Cham.) Schum), sendo as suas folhas usadas no tratamento das infecções urinárias. O rabo-de-tatu Centrosema bracteosum Benth.), cujo nome popular origina da forma de suas raízes, que lembram o rabo de tatu, usado na medicina popular nas perturbações digestivas; da carobinha (Jacaranda ulei Cham.) faz-se o chá das raízes, que têm ação depurativa; o velame-do-campo (macrosyphonia velame (St. Hil.) Mart.) presta-se ao tratamento de doenças de pele.
Além de ser largamente utilizada com finalidade medicinal, alimentícia e ornamental, a flora local é também fonte de inspiração para a música, a pintura e outras formas artísticas, caracterizando ainda mais as raízes históricas de Vila Boa na formação da cultura de Goiás.
Do alto da Igreja de Santa Bárbara descortina uma das mais belas vistas do complexo urbano da cidade. Envolvida pelas formações rochosas, destaca-se no horizonte a Serra Dourada, de lendária tradição para habitantes e visitantes, com seus paredões que dão uma visão de ouro quando refletem os raios solares, o que justifica seu nome. Essas formações contribuem, de maneira muito importante, para a beleza da cidade. Da Ermida de Santa Bárbara pode-se observar o Morro das Lajes, de onde foram retiradas as lajes usadas no calçamento da cidade, formando um conjunto extremamente belo, avocando as suas características de cidade histórica. Atualmente, com a diminuição da extração de pedras, a cobertura vegetal vem se recompondo com as espécies típicas do cerrado, que á formação marcante para o morro.
Pouco mais adiante, nota-se o Morro Cantagalo, igualmente envolto pelo cerrado; o jatobá-do-campo (Hymenaea stignocarpa Mart. ex Hayne) possui frutos comestíveis e o vinhático (Plathymenia reticulada Benth.), com madeira de alta resistência às intempéries, é notadamente usado no meio rural.
Prosseguindo, vê-se a separação do Morro Cantagalo do Morro São Francisco, pelo Rio Vermelho, em cujas margens ocorrem formações florestais com várias espécies de grande interesse, como aroeira (Myracrodruon urundeuva Fr. All), angico (Anadenanthera peregrina (L.) Speg). Nessas formações encontra-se o cedro (Cedrela fissilis Vel.), do qual o grande escultor goiano Veiga Vale extraía a madeira para esculpir as delicadas e belas imagens sacras que ornamentam as igrejas da cidade e residências.
O Morro de São Francisco exibe os muros de pedras feitos por escravos, entremeando a vegetação do cerrado e das matas, do sopé, lembrando o árduo trabalho dos negros nas divisas das propriedades dos senhores dominantes da época.
Uma marcante característica da vegetação para a cidade é observada quando deparamos com a arborização que envolve a malha urbana.
Goiás, desde os primórdios, teve as residências dotadas de amplos quintais, onde foram plantadas muitas espécies nativas, como jenipapo (Genipa americana L.), cujos frutos são comestíveis e utilizados no fabrico de saboroso licor, e ainda quando verdes, extrai-se dele corante; outras foram introduzidas e igualmente adaptadas, como o caju (Anacardium occidentale L.), originário da região Norte do país, cujos frutos são largamente apreciados pelos habitantes; a exótica mangueira (Mangifera indica L.), dentre outras.
Nas praças, a arborização é feita notadamente com o oitizeiro (Licania tomentosa (Benth.) Fritsch).
Esse complexo vegetacional cria um ambiente extremamente aconchegante, mostrando as casas com seus telhados coloniais emergindo do verde, e amenizando o calor tropical.
Na malha urbana há uma construção anteriormente denominada Palácio Episcopal. Nesse palácio havia anteriormente um Jardim Botânico para aclimatação de plantas estrangeiras, oriundas principalmente das índias e de outros países, numa tentativa de cultiva e disseminar essas plantas em benefício da população, conforme Pohl, quando de sua estada em Vila Boa.
Mas adiante surge a Serra Dourada, que guarda uma flora muito interessante, tendo como destaque o pau-papel ou papiro (Tibouchina papyrus (Pohl) Toledo), ocorre somente na Serra Dourada, em larga escala, e no Estado de Tocantins, na Serra de Natividade, não tendo sido referenciada para outros Estados do Brasil. Devido suas características, foi, pela Lei 7.160, de 30/11/72, considerada a árvore-símbolo de Goiás.
Da Serra Dourada são extraídas areias de diversos matrizes, empregada por artistas de Goiás para confecção de quadros.
A Universidade Federal de Goiás mantém na Serra Dourada uma reserva biológica, visando proteger essa importante formação geológica, que é divisora de águas da bacia do Tocantins e Araguaia, e da bacia do Paraná, e que tem inúmeras nascentes, as quais alimentam os rios formadores dessas bacias e a vegetação característica de pontos altos, que, neste local, atingem aproximadamente 1000m de altitude. Na reserva, encontram-se laboratórios e alojamentos, que permitem o desenvolvimento de atividade de ensino, pesquisa e extensão.
Recentemente foi criada pelo Governo do Estado de Goiás a Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra Dourada, com uma extensão de 22.388 ha (vinte e dois, trezentos e oitenta e oito mil hectares), que foi transformada no Parque Estadual Serra Dourada. A Reserva e o Parque contribuem para a manutenção da Serra Dourada, componente da beleza natural da cidade de Goiás.
As formações geológicas e a cobertura vegetal são fortes componentes da cidade de Goiás, os quais emprestam à antiga Capital as características marcantes comuns às cidades do ciclo do ouro do Brasil.
Foi reconhecido em 2001 pela Unesco como sendo Patrimônio Histórico e Cultural Mundial, a cobertura vegetal e as suas características topográficas muito concorreram para que a cidade se tornasse Patrimônio da Humanidade.


José Ângelo Rizzo é professor