Jogo dos 7 erros e acertos
Jogo dos 7 erros e acertos (Diário da Manhã, 28/10/2008)
O Festival de Artes Cênicas – Goiânia em Cena coloca em cartaz diversos espetáculos de circo, dança e teatro até 4 de novembro. Desta vez, as montagens foram agrupadas pelo tema Artes do espetáculo: tradição e diversidade. O festival é o principal evento do gênero em Goiás e chega a sua sétima edição com os desafios e responsabilidades daquela que é a principal mostra de espetáculos da capital goiana.
ERROS
1] tradição. A utilização deste termo requer sempre cautela porque utilizá-lo implica na conversão da fala para a primeira pessoa do plural.
Portanto, quem o profere torna-se porta-voz da coletividade. Na edição de 2008, fica invisível a linha que conecta os trabalhos selecionados sobre o eixo da “tradição”. Invariavelmente, classificar manifestações tradicionais exige que os agentes e os locais sejam devidamente explicitados. Em um festival que reúne circo, dança e teatro, que possuem uma riqueza infinita de nuances e vertentes, falar em tradição parece incorrer no uso panfletário do termo. Haja vista que a publicidade freqüentemente adota o substantivo para vender segurança e credibilidade. O festival começa oportunamente na data do aniversário de Goiânia, que comemora 75 anos. E este fator amplia o questionamento sobre os aspectos tradicionais em uma cidade extremamente jovem em relação à longa trajetória já percorrida pelas Artes Cênicas.
2] internacionalidade. O Goiânia em Cena foi idealizado para ser um festival internacional de Artes Cênicas e até o ano passado esta característica foi mantida. A diminuição da verba de patrocínio deve ser, neste caso, a maior responsável pela ausência de montagens vindas do exterior. Manter uma programação internacional é fundamental para o intercâmbio de informações, tanto para quem vem de fora quanto para quem recebe o estrangeiro.
3] patrocínio. O festival em 2008 não conta mais com o patrocínio da empresa Petrobras, a maior incentivadora dos projetos culturais no País.
Somente em 2007, a empresa injetou no mercado cultural mais de R$ 172 milhões, segundo relatório divulgado pelo Ministério da Cultura. A Petróleo Brasileiro S.A. tem um processo de seleção exemplar e ser patrocinado pela Petrobras também gera um status positivo porque os projetos, artistas, companhias e produtos que estampam a marca da estatal têm figurado como trabalhos de excelência no cenário artístico nacional e internacional. A parceria entre a Secretaria Municipal de Cultura e a Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da Universidade Federal de Goiás permanece e, juntas, as duas instituições são responsáveis pela estrutura e programação do evento. O patrocínio desta edição do Goiânia em Cena está atribuído ao governo federal, por meio da Caixa Econômica Federal e da Fundação Nacional de Arte (Funarte), e o festival tem apoio da Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico (Agepel).
4] inflação. O valor dos ingressos saltou de R$ 12 para R$ 15, Mostra Local, e R$ 20, Mostra Nacional. E já são ouvidas reclamações pela cidade. O festival também tenta manter uma política de democratização do acesso, vendendo os bilhetes por um preço abaixo do praticado por produções independentes. Mas, este ano, o montante a ser pago na bilheteria esbarra na tabela convencional. No entanto, os ingressos para a Mostra de Cinema não sofreram reajuste e permanecem a R$ 1.
5] RJ-SP-GO. A maioria dos convidados deste ano vem das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Juntamente com os artistas de Goiás, o festival destaca a produção do eixo Rio-São Paulo-Goiânia. Em consideração à vertente temática da “diversidade” e da atual nacionalização do festival, outros dos principais pólos de produção artística, como a região sul e a nordeste, não estão representados na edição deste ano. Evidentemente, o deslocamento de convidados vindos dessas regiões aumenta consideravelmente os custos de produção do evento.
6] comunicação. A publicação de uma página eletrônica faz falta. Buscar informação sobre o Goiânia em Cena em casa ou fora de Goiânia é um tanto complicado. O festival está em seu oitavo ano, embora tenha sete edições. Já se tem um bom material para confeccionar o histórico deste que é de longe e de perto um dos eventos que mais contribuem para o desenvolvimento das Artes Cênicas no Estado de Goiás. Ainda, um festival que quer discutir a tradição poderia começar por preservar e divulgar a sua própria memória. Uma página eletrônica também pode ser um excelente cartão de visita e o elo que se pode criar entre o festival e o público ao longo do ano.
7] festividade. Um festival nasce da vontade de celebrar. Nasce do ritualístico culto às artes ou a qualquer que seja o tema. O Goiânia em Cena está se diluindo na rotina da cidade. Está demasiadamente formal.
Apenas alguns rompantes lembram à cidade que o festival é mesmo dela.
ACERTOS
1] goianos. A seleção dos espetáculos devota um verdadeiro tributo a vários artistas locais destes tempos, que vão integrar pela primeira vez a programação do Goiânia em Cena. Ter a oportunidade de apresentar em um festival deste porte pode ser decisivo para a consolidação da carreira desses artistas.
2] formato. O festival acerta ao manter uma programação que contempla atividades de formação, reflexão, fruição e difusão, voltadas para as artes cênicas. As oficinas possibilitam o aprimoramento técnico com professores vindos de outras cidades. Os debates são direcionados às produções locais, onde críticos, público e artistas exercitam a análise de espetáculos. A Mostra de Rua valoriza as produções concebidas para ambientes externos, ressignifica os locais de apresentação e envolvem outra parte da população goianiense.
3] diversidade. O festival novamente agrega as linguagens da música e do cinema. Esta atitude demonstra uma estreita relação de diálogos e influências mútuas que as linguagens vêm mantendo com as Artes Cênicas na contemporaneidade.
4] aparelhos culturais. Além dos parques da cidade, os principais teatros administrados pelos governos municipal e estadual abrigam as montagens. As atividades estão concentradas no Teatro Goiânia e nos centros culturais Goiânia Ouro e Martim Cererê. Essa iniciativa reitera o papel fundamental que os teatros estatais desempenham e colaboram para a redução de custos do evento, que regulam diretamente o valor dos ingressos.
5] cidade. Em 2008, o festival, com 12 dias de atividades, é um presente para Goiânia. As apresentações se iniciaram exatamente no dia 24 de outubro, por diversos pontos da cidade, nos parques Areião, Flamboyant, Mutirama, Vaca Brava e Bosque dos Buritis. Um feriado municipal em uma sexta-feira ensolarada é um dia perfeito para sair de casa e se deparar com um espetáculo ao ar livre.
6] expoentes. É sempre bom ver nos festivais os grandes nomes das Artes Cênicas. No caso desta edição, a organização traz nomes não muito badalados, mais igualmente importantes para a cena contemporânea brasileira. O público tem a chance de conferir neste ano o trabalho da companhia de circo e teatro La Mínima (SP), as coreografias do Grupo Raça (SP) e do Cisne Negro Cia. de Dança (SP) e da companhia teatral Nu Escuro (GO).
7] sétimo acerto. Realizar a sétima edição. Este é certamente o melhor de todos os acertos. O Goiânia em Cena está inserido no calendário da cidade. Deixar de realizá-lo é criar uma lacuna irreparável para o histórico das Artes Cênicas em Goiás. Um festival como este é necessário e nos faz sentir e refletir sobre a razão da existência humana: sim, é possível!