Comidas típicas do Brasil em extinção

Comidas típicas do Brasil em extinção (Diário da Manhã, 03/11/2008)

Welliton Carlos
Da Editoria de Cidades

Parte da comida típica brasileira, patrimônio cultural de todo o povo, corre risco de desaparecer. Assim como a arte, a cozinha é um capítulo importante da história e da cultura. E, da mesma forma que um quadro de Portinari, merece ser preservada. Foi assim recentemente com o acarajé, que passou de simples prato a patrimônio imaterial da humanidade. Estudos da pesquisadora Raquel Botelho, da Universidade de Brasília (UnB), indicam que as comidas típicas brasileiras passam por transformações que podem descaracterizar sua composição. “Os cozinheiros modificam as substâncias e até mesmo o modo de preparo. Alguns pratos correm, sim, riscos com estas transformações”, afirma a pesquisadora, que fez um levantamento nacional dos pratos.

Em um estudo inicial, Raquel observou que os restaurantes self-service oferecem uma grande gama de alimentos considerados típicos, mas parte dos chefs e dos cozinheiros modificam a base que configura a comida. Como a alimentação de self-service atinge grandes massas, a tendência é que estes pratos mantenham apenas os nomes, mas descaracterizando sua composição.

A correria da vida não nos permite parar e pensar sobre a origem, preservação e aspectos nutritivos dos pratos. Além de aglutinadores sociais, estas combinações de alimentos podem fundamentar políticas de saúde pública. Daí a preocupação com o resgate dos pratos.

Esta é uma das preocupações, por exemplo, da ONG Maniva, criada pela chef Tereza Corção, que resolveu pesquisar a mandioca – alimento que pode ser utilizado, por exemplo, em programas do governo voltados para combate à fome. Ela explica ao Diário da Manhã que a mandioca tem grande poder nutritivo, podendo ser utilizada tanto a raiz quanto a folha em combinações nutritivas e tradicionais. “Estamos interessados agora em pesquisar diversos temas, como a cocção do alimento”, diz a chef.

Tereza diz que a preservação das comidas que caracterizam a alimentação brasileira depende de uma série de fatores. Para ela, as interferências e variações devem ser realizadas com muito cuidado. “Algumas podem ficar ótimas e interessantes e outras podem ficar horríveis.” As principais preocupações dos pesquisadores e chefs referem-se ao resgate histórico e ao valor nutritivo – um tema constante nos estudos de nutrição.

A professora Maria Margareth Veloso Naves, da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Goiás (UFG), diz que os padrões alimentares esboçam parte do perfil cultural de uma comunidade. Daí as origens dos alimentos estarem quase sempre envolvidas em momentos históricos. Ela explica que muitos pratos foram trazidos de fora, caso da galinhada e pamonha, e depois adaptados à realidade dos goianos.

Autora do livro denominado Culinária Goiana (Editora Kelps), ao lado de outras três pesquisadoras, ela calculou o valor nutricional de 30 pratos tradicionalmente goianos. O resultado é uma catalogação que registra e permite às gerações do futuro voltar ao passado.

O livro chama a atenção para um prato típico ameaçado de desaparecer da cultura goiana. “O doce de ovos corre sérios riscos, pois quase ninguém mais faz. Tem uma caraterística bastante rústica”, explica. O doce não é encontrado em padarias, restaurantes e possivelmente a maioria das cozinheiras típicas já não produz mais o alimento.

No caso da descaracterização detectada pela tese de doutorado de Raquel, a “releitura” proposta pelos cozinheiros – em sua maioria – gera refeições ainda mais calóricas que o original. Neste sentido, ela faz o mesmo que a professora Maria Margareth e sua equipe. Ao demonstrar como é realmente o prato, os pesquisadores da UnB lançam um documento de advertência para que as modificações jamais abandonem a base cultural destes alimentos.

Um dos casos que mais chamam a atenção de Raquel é o baião-de-dois. A receita tradicional sofre variações de Teresina (PI) para Fortaleza (CE). No primeiro, os cozinheiros fazem o prato tradicional. Em Fortaleza, porém, o prato leva arroz, lingüiça, charque e, em alguns casos, creme de leite. “O melhor seria dar outro nome”, diz.