Jovens Mães

Jovens Mães (Tribuna do Planalto, 31/10/2008)

No Colégio Estadual Madre Germana, localizado no Setor Madre Germana II, além da responsabilidade sobre as disciplinas que lecionam, os professores assumiram também um outro papel. Os educadores estão mobilizados em conscientizar e orientar os estudantes sobre as formas de prevenção à gravidez precoce e doenças sexualmente transmissíveis (DST's). A escola tem 600 alunas e conta com o saldo de 12 grávidas (2%), somente este ano. As idades variam entre 14 e 20 anos.

O número é considerado alto pela direção do colégio e mostra o desafio que o tema representa nas regiões menos favorecidas da capital. Para a professora de Biologia, Fernanda Guerra, o índice de gravidez no colégio é uma preocupação. Principalmente porque em termos nacionais, este índice vem caindo ao longo dos últimos 10 anos.

Um estudo conduzido pelo Ministério da Saúde (MS) aponta que, entre 1997 e 2007, o número de partos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em adolescentes de 10 a 19 anos sofreu redução de 26,7%. Os dados mostram que, em 1997, foram realizados 720.338 partos em adolescentes nessa faixa etária. Após dez anos, o número caiu para 527.341. A região Sul apresentou a maior redução (35,6%), seguida pelas regiões Centro-Oeste (34,1%), Sudeste (32,4%), Nordeste (22,6%) e Norte (6,7%).

A coordenadora da Área Técnica da Saúde do Adolescente e do Jovem do MS, Thereza de Lamare, explica que a redução no número de partos nesta faixa etária está diretamente relacionada às políticas adotadas pelo órgão, que prioriza os métodos contraceptivos. Ela também destaca o peso das ações preventivas e de orientação nas escolas, que, segundo ela, tem contribuído para a conscientização. Na Secretaria de Estado da Educação (SEE) não há registros sobre o número de adolescentes grávidas matriculadas na rede estadual de ensino.

Falta de apoio                
Para a professora Fernanda Guerra, parte do problema no Colégio Madre Germana se deve à falta de apoio dos pais no trato das questões relativas à sexualidade. Segundo ela, é comum a insatisfação dos pais de alunos quando o assunto é levantado nas aulas específicas sobre sexualidade. Inclusive, com casos de constrangimento de educadores por parte de pais de alunos. "O bairro é marcado também por uma espécie de fundamentalismo religioso. E o preconceito impede ações mais focadas no tema", lamenta a educadora.

Localizado na região Sudoeste da Capital, o Madre Germana é formado maciçamente por moradores oriundos das regiões norte e nordeste do país. "Em razão disso, temos o desafio de adequar a linguagem para trabalhar as noções sobre sexualidade, sem ofender as famílias dos alunos", salienta Fernanda.

As doenças sexualmente transmissíveis também estão dentre as preocupações dos professores. Campanhas e ações educativas foram realizadas em parceria com a Associação de Moradores do bairro. Com o auxílio de médicos e enfermeiros, já foi possível intensificar os trabalhos preventivos também entre os moradores da região.

Palestras e cursos de pré-natal, além de distribuição de enxovais, foram outras ações desenvolvidas pelos educadores, que, diante das dificuldades e da falta de recursos, apelam para a criatividade. "O governo precisa dar atenção à periferia", cobra a professora.

Orientação
Para o diretor do colégio, Altair Mamare, a sexualidade é "muito aflorada" no bairro. Outro complicador é a falta de orientação sobre os riscos do início precoce da atividade sexual. O colégio integra o Comitê de Organização e Pessoas (Coep), uma organização criada pelo sociólogo Hebert de Souza, o Betinho, responsável por coletar dados relativos à exploração sexual e violência no país. Mamare conta que, no ano passado, idealizou o projeto Aldeia da Cidadania, em parceria com o Coep. A ação resultou na doação de enxoval às adolescentes grávidas de baixa renda.

Outro projeto idealizado pelo diretor é o projeto "Nossa Rádio". A idéia é criar uma rádio-pátio na escola, para produzir programas sobre temas considerados urgentes, como sexo na adolescência, gravidez precoce, violência sexual e doenças sexualmente transmissíveis, além de temas relacionados ao conteúdo das disciplinas escolares.

O projeto foi apresentado à Secretaria de Estado da Educação (SEE), mas inicialmente não obteve sucesso. O diretor reformulou o documento inicial e deve reapresentar a proposta ao órgão. Enquanto isso, dois estudantes e uma professora do colégio devem participar de curso de capacitação voltado às técnicas de comunicação pelo rádio.

Grávidas
Mariana*, 20 anos recém-completados, conheceu o jovem Yan*, atualmente com 18 anos, no Colégio Estadual Madre Germana. O relacionamento resultou em gravidez. "Bastou apenas três meses de namoro", comenta. Hoje, ela aguarda ansiosa a chegada do filho e afirma que pretende viver ao lado do pai da criança. Também se diz pronta, embora assustada, para os desafios de ser mãe pela primeira vez.

Relato semelhante é apresentado pela também estudante do Colégio Madre Germana, Bruna*, 16, grávida de três meses. Ela conheceu o homem, hoje com 22 anos, que a engravidou no ano passado. Ela conta que o rapaz, recém-separado, tem planos de se casar com ela. "Vamos nos casar no próximo mês", comemora, lembrando que ele também já se dispôs a assumir a paternidade da criança. Em nenhum dos dois casos, foram tomadas medidas contraceptivas.

Informação
Com o objetivo de levar aos jovens brasileiros informações relativas à saúde e sexualidade, o Ministério da Saúde (MS) lançou, na semana passada, a Caderneta de Saúde do Adolescente. A distribuição será feita a partir do mês de janeiro. No primeiro momento, serão priorizados os municípios inseridos no Programa Saúde na Escola, que inclui 27 capitais.

Responsável pela distribuição da caderneta em Goiás, o psicanalista Miguel dos Reis Cordeiro Neto diz que a iniciativa é essencial, já que a estatística de gravidez precoce entre adolescentes ainda é alta no Estado. Há cinco anos, 26% dos nascidos vivos eram filhos de adolescentes com idades entre 10 e 19 anos. Atualmente, 21,3% de todos os nascidos vivos no Estado são filhos de adolescentes.

Suspeitas
Pós-graduado em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG), o diretor do Colégio Madre Germana tem ainda outra preocupação. Ele suspeita de que existam adolescentes envolvidos com redes de prostituição no bairro. Altair Mamare diz não ter como sustentar as suspeitas, mas cobra o empenho da polícia e do Ministério Público. Relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pedofilia, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) explica que, caso existam evidências de exploração sexual de crianças e adolescentes no Madre Germana II, é possível instaurar procedimento que resulte em investigação.

Para ele, é fundamental estabelecer parceria entre o colégio, a CPI da Pedofilia e a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) da capital (a escola funciona no perímetro urbano de Goiânia), como forma de coibir a ação de prováveis grupos de exploração sexual e pedofilia. "Vamos aguardar a publicação da matéria (pela Tribuna), para então tomar as providência e investigar com base em provas a ser obtidas", enfatiza.

Envolvimento escolar
Para o psicólogo Luiz Gonzaga Pinto, o tema sexualidade não é fácil de ser abordado nas escolas, tendo em vista a difícil aceitação por parte da família. Ainda permanece o entendimento, inclusive entre os pais de alunos, de que educação sexual está aliada à permissividade para a prática sexual livre. Para ele, pais e educadores devem enfrentar a sexualidade de forma corajosa, abordando o tema com naturalidade e sem preconceitos.

Ele sugere a criação de programas que incentivem a integração entre a família e a escola, além de formar educadores para dar continuidade ao programa e estabelecer supervisão com profissionais habilitados e especialistas em educação sexual. Gonzaga diz que a educação sexual também é a melhor maneira de prevenir a pedofilia, um crime que tem preocupado a sociedade.

Segundo Gonzaga, é fundamental orientar os estudantes quanto aos riscos de possíveis envolvimentos com adultos ou suspeita de relacionamento destes fora do contexto funcional. Para o psicólogo, o modelo da Escola Estadual Madre Germana, onde até o professor de matemática reserva espaço na grade da disciplina para abordar o tema sexualidade, é o apropriado. "A formação e a preparação dos educadores que abordem o tema de forma ampla e oportuna, deve envolver todas as disciplinas do currículo", diz.

* Os nomes das adolescentes são fictícios, foram alterados para preservar a integridade moral das entrevistadas. As turmas em que as jovens estudam não são mencionadas a pedido da direção da instituição.