Máscaras: usá-las ou não?

 

Máscaras: usá-las ou não? (Diário da Manhã, 14/11/2008)

Célia Maria Ribeiro
Célia Maria Ribeiro é socióloga, mestre em Ciências Sociais, especialista em Psicologia transpessoal e professora aposentada da Universidade Federal de Goiás cmribeiro@cultura.com.br

Eu diria que depende da hora, do lugar, das razões que te motivam, ou não, a usá-las ou não. Talvez a pergunta que deveria mesmo fazer seria a de se é possível viver sem usar máscaras. Uma pitada da história da utilização das máscaras poderá te ajudar a decidir se deve ou não usar máscaras, ou como e/ou quando usá-las.
Na minha história de vida, a primeira lembrança que tenho de máscaras é de pessoas usando-as na festa de reis, e um pouco depois no carnaval.
Mais tarde, já adulta, pude saber dela na história do teatro, onde era usada para os atores representarem suas personagens.
Mas segundo estudiosos do assunto, a máscara não tem sua origem no carnaval ou no teatro, e sim em práticas religiosas. Para os antigos, ao usar a máscara, incorporava-se a divindade por ela representada, que transmitia todo seu poder a quem a usasse (ainda hoje alguns países as mantêm).
A questão da incorporação das divindades foi sendo esquecida quando passa a ser utilizada pelo teatro. É o fim do seu caráter sagrado. Neste caso, a máscara expressa a personagem, realizando mesmo uma identificação entre uma e outra, tanto que no latim máscara e personagem significam a mesma coisa: persona.
Cotidianamente dizemos que alguém usa máscara quando é uma pessoa falsa. Mas as ciências humanas, particularmente a Sociologia, nos mostram que todos nós usamos máscaras, pois representamos papéis definidos pela sociedade, que seria um grande teatro. Elas nos são impostas pela sociedade e a maioria de nós nem sabe que está respondendo a expectativas sociais. A sociedade – quer seja pela punição ou pela recompensa – nos obriga a assumir papéis. O estranho é que, mesmo sabendo disso, usamos as máscaras que escondem quem realmente somos, nos massificando, nos igualando em grupos mais facilmente controláveis.
Vejo que, numa certa herança dos antigos, usamos máscara pelo poder (mesmo que profano) que sua utilização confere. Usamos máscaras para sermos aceitos, respeitados, para parecermos fortes etc. Enfim, para esconder nosso medo, principalmente o medo de não sermos amados.
Que fique claro, não considero um mal em si usar máscaras, principalmente num baile de carnaval, para ficar só com este exemplo. Se ela é usada conscientemente, poderá ser fonte de diversão, de proteção momentânea quando nos sentimos ou somos ameaçados.
O grande problema da utilização da máscara é que, de tanto usá-la, nos acostumamos e corremos o risco de nos identificarmos cada vez mais com ela. Passamos, assim, a acreditar que somos a imagem que ela expressa. Não deveríamos nos perguntar, inclusive, se o ator social que usa a máscara do bandido, por exemplo, não se confunde (ou confundiu) com ela a tal ponto que ele e nós esquecemos que, como todo ser humano, ele é essencialmente divino?
Por outro lado, muitos de nós as usamos por tanto tempo e sem consciência de que são máscaras que elas se colam em nós. Assim, mesmo descobrindo que não precisamos mais delas, é doloroso tirá-las, pois é como se arrancássemos nossa própria pele. Entretanto, num determinado momento, percebemos que não precisamos mais usá-las, que elas só interessam à sociedade, que elas fazem parte das aparências, do mundo das ilusões. Neste momento, continuar com elas nos faz muito mal e nos é também muito doloroso.
Se insistirmos em manter nossa imagem (que são nossas máscaras de bonzinhos, de malzinhos, de fortes, competentes etc) e não investirmos em saber quem realmente somos nós, qual a nossa essência, veremos/sentiremos suas conseqüências em nosso corpo, através de toda tipo de somatização. Gastrites, labirintites, úlceras, câncer são alguns sinais que nosso corpo nos dá de que chegou o momento de nos libertarmos, de transcendermos as máscaras.
Diante disso, só posso dizer que eu não vejo outro caminho para nosso equilíbrio e integridade se não o de superação das máscaras, quer seja retirando-as para sempre ou usando-as com parcimônia, consciência e humor. Aliás, não devemos nos levar muito a sério.
O que escolher cabe a cada um. Afinal, como dizia Sartre, somos condenados à liberdade.


Célia Maria Ribeiro é
socióloga, mestre em Ciências Sociais, especialista em Psicologia Transpessoal e professora aposentada da Universidade Federal de Goiás.
cmribeiro@cultura.com.br