A aceitação da violência policial pela sociedade
A aceitação da violência policial pela sociedade (Diário da Manhã, 15/11/2008)
Da Redação
Com um mínimo de conhecimento sobre segurança pública, é possível evidenciar como se articulam ao relacionamento social as noções de contenção e castigo, ao longo da história humana. Com a ordem econômica imposta pela Revolução Industrial, instaurou-se também uma nova ordem social que abominou a desordem e a indisciplina e enalteceu o trabalho e, principalmente, o ganho de capital como formas de obtenção de bem-estar social. Cito isso apenas para citar que a repressão de uma parcela da sociedade por outra sempre existiu. Porém, sua finalidade, antes de tudo, visava manter o domínio do homem enquanto força de trabalho, tão-somente. E a polícia, desde sua constituição, esteve em vinculação direta com o governo e com as técnicas de controle social, pois nasceu relacionada à necessidade do controle das ilegalidades e das ameaças ao regime disciplinar do capitalismo industrial, tendo como uma das suas táticas a supressão das ditas classes ‘perigosas’.
Historicamente, importa citar que as instituições policiais no Brasil, assim como na Europa ocidental e em áreas historicamente relacionadas, surgiram durante a transição de século XVIII para o século XIX. Essa época é contemporânea com a difusão da ideologia liberal e o início da aplicação de mecanismos impessoais de coerção. A luta travada entre as facções ideológicas e políticas nacionais, praticada no Brasil durante os anos de repressão política no século passado, deixou marcas profundas que ainda delineiam as relações entre Estado versus sociedade e autoridade versus cidadão, nos tempos atuais. E, apesar de toda a inovação legislativa trazida pela Constituição Federal de 1988, onde os poderes públicos ficaram delimitados e foi imposta uma determinação expressa de atribuições de nossas forças de segurança, existem conflitos na atuação do serviço policial, o qual é discutido exaustivamente pelos personagens sociais, sem maiores êxitos.
Pode soar paradoxal, mas existe uma demanda dentro da sociedade para a prática da violência policial. É esta violência que serve à sociedade dentro de diversos aspectos e circunstâncias, mas especialmente no tocante à solução dos crimes contra o patrimônio e na repressão às (ditas) classes perigosas. A análise deve afastar a hipótese de que esses estereótipos orientadores da ação policial sejam produtos exclusivos do próprio meio sociopolicial, no seu trabalho cotidiano de traduzir a lei abstrata em ações concretas. Essa afirmação deve ser vista não como a corroboração da autonomia da cultura policial em relação ao contexto social, mas a constatação de que a polícia reproduz o modelo hierárquico que permeia as relações sociais num sentido muito mais amplo. Geralmente, os moradores condenam a polícia por não diferenciar entre bandidos e trabalhadores. No entanto, quando a polícia faz “justiça”, eliminando pessoas criminosas, recebe com freqüência o aplauso da população local.
A polícia, vista como instância de controle social, tem que buscar legitimação dentro da sociedade civil, principalmente para fazer sua função primaz, que é manter a ordem social, a partir de atos legítimos - e demonstrar a justiça desta legitimação. Na discussão sobre o modelo policial, devem ser discutidas suas relações com segmentos excluídos e discriminados da sociedade. Em vez de analisar a violência policial como um fato que vem de cima ou é imposto de fora, contra a vontade dos indivíduos e grupos sobre os quais ela recai, prefere-se, sempre, discutir as condições de possibilidade que tornam certos abusos plausíveis e aceitáveis para muitos e, inclusive, para suas vítimas. Vista desta maneira, a arbitrariedade policial não é um aspecto isolado, mas é parte de um sistema que, abrangendo autoridades e cidadãos, coloca o combate da criminalidade acima da aplicação da lei e da proteção da sociedade.
Fabiano da Silva Faria é policial rodoviário federal em Goiás; especialista em Gerência em Segurança Pública pela Universidade Estadual de Goiás e em Criminologia na Universidade Federal de Goiás; federal5391@hotmail.com