Conselho tutelar: nem trampolim eleitoral, nem arma da revolução
Conselho tutelar: nem trampolim eleitoral, nem arma da revolução (Diário da Manhã, 17/11/2008)
João Campos
João Campos é deputado federal pelo PSDB de Goiás, delegado de Polícia, contabilista e pastor evangélico
Neste ano de 2008, o Brasil comemorou a maioridade do Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, que substituiu o antigo Código de Menores. Entretanto, mais do que bater palmas, é preciso arregaçar as mangas – ainda há muito a ser feito pelas crianças e adolescentes do País. Inspirando-se na Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela ONU em 20 de novembro de 1989, o Estatuto se propôs a revolucionar a relação da sociedade adulta com suas crianças e adolescentes, mudando radicalmente não só a intervenção do Estado nesta relação, mas também a interação entre pais e filhos e professores e alunos, para ficarmos em duas esferas da vida social – a família e a escola – em que o Estatuto interfere mais diretamente. Como ocorre com toda lei que versa sobre práticas culturais da sociedade, notadamente aquelas relativas à família, o Estatuto da Criança e do Adolescente ainda não superou todos os problemas decorrentes de sua aplicação.
Exemplo disso é o conselho tutelar, instrumento indispensável para a efetiva implementação do Estatuto. Composto por cinco membros, escolhidos pela comunidade local para um mandato de três anos, o Conselho Tutelar fundamenta-se no princípio da democracia participativa, previsto na Constituição de 88. Cada município, de acordo com o Estatuto, tem de contar com pelo menos um conselho. Mas a data de 19 de novembro – em que se comemora o Dia do Conselho Tutelar – passará em branco em muitos municípios brasileiros, que, 18 anos depois da promulgação do Estatuto, ainda não criaram o seu. Em 2006, segundo pesquisa realizada pelo Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), havia 4.343 conselhos tutelares no País, além de 4.545 conselhos municipais. Como o Brasil tem 5.564 municípios, significa que, até 2006, 1.221 municípios ainda não dispunham de um conselho tutelar.
Mas essa realidade está mudando e 74 mil conselheiros tutelares já atuam no País. O número é expressivo, apesar de insuficiente e mal distribuído. Além disso, o conselho tutelar tem sido vítima de equívocos. Alguns o vêem como uma espécie de polícia informal, à qual seriam entregues os menores infratores. Outros acreditam que se trata de uma entidade invasiva, que interfere na autonomia das famílias, tentando substituir o papel dos pais. E há quem veja no conselho tutelar o salvador das crianças e adolescentes que são vítimas de maus-tratos, bastando denunciar esses casos ao conselheiro mais próximo para que ele apresente uma pronta solução para o problema. Porém, até por ser constituído através do voto, o conselho tutelar não é bedel nem salvador – ele é apenas o espelho da comunidade em que se insere, com seus defeitos e qualidades. Sua eficácia depende, antes de tudo, de sua integração com outras instituições responsáveis pelo bem-estar da criança e do adolescente, começando pela família.
Para que essa integração ocorra, é preciso que os conselhos tutelares sejam objeto de uma política pública consistente, capaz de dotá-los de uma infra-estrutura mínima, começando pelos meios de subsistência do conselheiro. Segundo dados do Conanda, a remuneração dos conselheiros tutelares varia de um salário mínimo a mais de 3 mil reais. Essa discrepância não se explica apenas pelas diferenças econômicas regionais, até porque criança é criança em qualquer lugar, e, nas regiões mais pobres, longe da grande imprensa, quando uma criança é vítima de abuso, costuma ser mais difícil denunciar o caso e punir os culpados. Também são imprescindíveis os cursos de capacitação, iniciativa que já começa a vingar no País, ainda que de forma tímida. Em Goiás, por exemplo, o Ministério Público acaba de promover um seminário de capacitação para os conselheiros tutelares do Estado, que contou com uma participação expressiva de conselheiros.
Iniciativas do gênero são importantes não apenas para qualificar os conselhos tutelares, mas até para desfazer equívocos em relação a eles. Pesquisas científicas realizadas pelas universidades a respeito dos conselhos tutelares mostram que, pelo País afora, há prefeitos que não aceitam sua autonomia e tentam asfixiá-los por meio da escassez de recursos. Há partidos políticos que fazem do conselho tutelar um trampolim eleitoral. E alguns promotores tratam os conselheiros como serviçais do Ministério Público, esquecendo-se que, por lei, o conselho tutelar tem autonomia em relação aos órgãos da administração pública, respondendo apenas judicialmente por seus atos. Mas também há teses acadêmicas, de orientação marxista-leninista, que defendem a transformação do conselho tutelar numa ferramenta de combate ao capitalismo. Enfim, dada a sua importância cada vez maior na sociedade, o conselho tutelar se torna objeto de cobiça política e tem de ser protegido de quaisquer interesses que não sejam os da criança e do adolescente.
Daí a necessidade de se integrar o conselho tutelar com as demais instituições da sociedade que cuidam da criança e do adolescente. Prevenir maus-tratos contra uma criança não é apenas melhor que remediá-los – é um imperativo moral, diante do qual nenhum de nós pode se omitir. O combate à pornografia, por exemplo, tem de ser intensificado no País. Os veículos de comunicação – cumprindo sua parcela de responsabilidade social – precisam ser parceiros nesse combate. Praticamente todos os casos de abuso sexual de crianças e adolescentes envolvem também a prática da pornografia. Tanto que a Câmara dos Deputados – mediante requerimento de minha autoria – acaba de promover um seminário para discutir esse assunto, com a participação de renomados especialistas. Nesse trabalho preventivo, os conselhos tutelares têm um papel crucial. Mas o sucesso dessa luta depende do engajamento de toda a sociedade.
Neste 19 de novembro, quando se realiza em Goiás, na cidade de Luziânia, o IV Congresso Nacional de Conselhos Tutelares, cumprimento os 74 mil conselheiros tutelares do Brasil, notadamente aqueles que atuam em Goiás, na pessoa da dra. Ana Lídia Ferreira Ramos, presidente da Associação dos Conselheiros Tutelares de Goiás.
João Campos é deputado federal pelo PSDB de Goiás, delegado
de Polícia, contabilista e pastor evangélico