Psicopatia, doença comum

Psicopatia, doença comum (Diário da Manhã, 17/11/2008)

Welliton Carlos
Da Editoria de Cidades


Mohammed D’ali é acusado de cortar o corpo da amiga Cara Burke. O pintor Caravaggio (1571- 1610), narram diversos historiadores da arte, agredia seus amigos de forma violenta e depois pintava maravilhosos quadros. Francisco de Assis Pereira, o “Maníaco do Parque”, agia friamente como se a vida humana fosse mais um objeto em suas mãos

. Em Goiânia, a empresária Silvia Calabresi foi sentenciada por torturar uma adolescente sem qualquer demonstração de remorso (estava apenas educando...). Todos fazem parte de uma literatura médica cada vez mais essencial e popular nos julgamentos criminais: o estudo dos perfis dos psicopatas, sádicos, assassinos em série, dependentes químicos e, até mesmo, doentes mentais que produzem agressões e fatos insólitos contra outros seres humanos. A maioria de criminosos excêntricos e violentos entra no rol dos psicopatas – um termo cuja definição é mais midiática do que científica. Apenas uma parcela pequena é integrada por doentes mentais, pessoas sem consciência do que praticaram.

O psicopata, não raro, é charmoso, se mostra educado, bom de papo e, de repente, apresenta alguma conduta anti-social. Ele não precisa matar.

Basta ser um chefe excessivamente rigoroso, um marido que não sente piedade da esposa adoentada ou do empregado que torce e faz de tudo para ver o “amigo” na rua.

De acordo com o Código Internacional de Doenças (CID), instrumento adotado pelas Nações Unidas (ONU), a personalidade de um psicopata se enquadra na classificação de distúrbio de comportamento anti-social.


Território forense é bastante vasto


Outros transtornos podem se confundir com a psicopatia, caso da personalidade sádica e de atitudes fronteiriças. Mas cada uma delas guarda suas diferenças. O território do psiquiatra forense é vasto.

Segundo estatística da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de uma entre 100 pessoas apresenta as características da psicopatia. E apenas uma parcela reduzida vai cometer alguma forma de crime. A grande maioria dos delitos horrorosos que lemos pela imprensa é prática de gente normal, com cabeça quente, motivada por alcoolismo ou drogas.

O que diferencia o psicopata dessa galeria de criminosos é a anterioridade e comportamento ao longo da vida. Ele tem capacidade de liderança, perspicácia, inteligência e audácia. Seu passado o condena.

O psiquiatra forense Guido Palomba explica ao DM que estes criminosos apresentam distúrbios acentuados de conduta. “São pessoas que não sofrem alguma forma de alucinação. Elas são bastante inteligentes, mas têm distúrbios de comportamento, por deficiência de valores éticos e morais”, explica.

O especialista prefere o termo condutopata do que psicopata, pois descreve uma patologia, uma certa anormalidade na conduta humana.

“Existem alguns indivíduos que nascem com propensão para praticar crimes. Eles nascem e morrem assim”, diz.

De acordo com Palomba, estudos com determinados filhos adotivos comprovam que eles tinham tudo para serem pessoas bem-sucedidas, mas optam pela prática de crimes. Neste sentido, não seria apenas o ambiente um fator determinante para a prática de delitos, pois mesmo em bons círculos de vida eles preferem transgredir as normas sociais.


Gente como a gente


De acordo com Ana Beatriz Barbosa Silva, autora do recém-lançado Mentes Perigosas (Editora Objetiva), os psicopatas transitam tranqüilamente pelas ruas. Em outras palavras: é gente como a gente.

“Eles cruzam nossos caminhos, freqüentam as mesmas festas, dividem o mesmo teto, dormem na mesma cama.” Pelos dados divulgados por Ana Beatriz, mais críticos do que os expostos pela ONU, os psicopatas são 4% da população, sendo que os homens ocupam 3% desta divisão, restando 1% deste perfil para as mulheres. Dentro desta lógica numérica, a cada 25 indivíduos um é psicopata – ou sociopata, como prefere Guido Palomba.

Saber separar a consciência da inconsciência e o criminoso do doente é o limite para a realização da justiça. Muitos advogados querem fazer de seus clientes pessoas incapazes de responder pelos atos bárbaros que cometem. É aqui que o psiquiatra forense é chamado a elucidar aspectos da culpabilidade.

O Código Penal Brasileiro reserva aos loucos e doentes mentais as medidas de segurança. O psiquiatra Paulo Gontijo, da Universidade Federal de Goiás, alerta para a necessidade de laudos técnicos de qualidade para que não se deixe impune a espécie mais maldosa de criminoso. Ele explica que é preciso separar o doente mental do psicopata e informa que estudos recentes comprovam que 90% dos presidiários são sadios e passíveis de responder criminalmente.


Sem arrependimento


O psiquiatra Guido Palomba explica que o sociopata não se arrepende da maldade que fez. Quando apresenta alguma forma de remorso, na verdade, está voltado para sua defesa. “Isso porque estão presos e não têm as regalias da liberdade.”

Os especialistas entendem que parte considerável dos sociopatas é de seres irrecuperáveis. Por esta lógica, a pessoa nasce com a propensão para cometer o crime, desenvolve na adolescência este comportamento e, na vida adulta, exerce estes atos com naturalidade.

Pela classificação de Palomba, existem cinco espécies de criminosos: ocasional, habitual, por ímpeto, fronteiriço e doente mental. É o exame pericial que vai demonstrar se uma pessoa pode ou não responder por seus atos. Em determinados casos, a pessoa jamais pode ser solta. “Nunca vi um condutopata se recuperar”, garante.

A psiquiatra Hilda Morana defende que determinados presos de personalidade anti-social têm a habilidade de liderar as rebeliões e brigas dentro dos presídios. Neste sentido, eles poderiam ser isolados para que a sociedade evitasse os conflitos nas cadeias.