Mais pessoas dizem ser negras no Brasil
Mais pessoas dizem ser negras no Brasil (Jornal Hoje, 21/11/2008)
Wanessa Rodrigues
O Brasil está se assumindo como uma nação de negros, conclui estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea), ontem, data em que se comemora o Dia Nacional da Consciência Negra. A publicação Desigualdades Raciais, Racismo e Políticas Públicas 120 anos após a Abolição, mostra o “escurecimento da população brasileira” nos últimos dez anos. De acordo com os dados do estudo, entre os anos de 2001 e 2007, a proporção de pretos e pardos na população brasileira aumentou em torno de 0,7 ponto percentual ao ano. Revela ainda que na Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio (Pnad) do ano passado, quase metade da população brasileira (49,8%) se classificava em uma dessas duas categorias.
“Mudanças em como as pessoas se vêem são responsáveis pela quase totalidade dessa mudança. Não é que o Brasil esteja tornando-se uma nação de negros, mas, sim, que está se assumindo como tal”, avalia, no estudo, Sergei Soares, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea. Conforme a divulgação, até o início dos anos de 90, a população negra aumentava de modo relativamente lento e vegetativo. Mas a pesquisa avalia que, em algum momento, entre 1996 e 2001, há o início de um processo de mudança em como as pessoas se vêem. A partir daí, passam a ter menos vergonha de dizer que são negras e a não precisar se “branquear” para se legitimar socialmente.
Na pesquisa, Sergei diz que acreditar que a mudança no perfil da população brasileira se deva muito à influência do movimento negro e àqueles que repercutem na sociedade suas reclamações. Ele salienta que identidade negra se fortalece à medida que o debate da identificação racial ganha as páginas dos jornais e a sociedade vê que é um tema legítimo e em que negros são apresentados nas telenovelas como personagens poderosos e não apenas empregados domésticos. Além disso, à medida que negros são vistos compondo o Supremo Tribunal Federal (STF) e ocupando os mais diversos cargos na política e em que o movimento negro sai da marginalidade e ocupa espaços no debate político.
O presidente do Centro de Cidadania Negra no Estado de Goiás, Aluísio Francisco Arruda, ressalta que a criação de políticas públicas voltadas à população negra levantou a auto-estima dos negros. “Assim, os negros passaram a se assumir”, acredita. Aluísio declara que, em tempos anteriores, nem mesmo as pesquisas comandadas pelo governo não continham a palavra “negro” para que as pessoas se identificassem. O que, segundo ele, era uma forma de discriminação e motivo de constrangimento entre a comunidade.
Aluísio observa que leis federais, aprovadas com a luta do movimento negro, a implantação de secretarias de governo voltadas para a cultura negra e para discussões sobre a história dos afro-descendentes, abriu portas para que as pessoas se reconhecessem. Ele cita a Lei Federal 10.639, de 2003, que determina o ensino da cultura afro-brasileira e africana nas escolas, também motivou essa mudança no pensamento dos negros.
AINDA MAIOR
Paulo Renato Vitória, professor de teatro formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e da Companhia Teatral Zumbi dos Palmares, diz que os números do Pnad não revelam a quantidade real de negros no País. Para ele, apesar de a pesquisa demonstrar que os negros passaram a se assumir, muitos ainda têm vergonha de falar que são negros. Isso porque, segundo ele, ainda existem barreiras raciais como no mercado de trabalho e no ensino. “Basta observar os comercias de TV, onde a maioria é de brancos. O racismo não é só preconceito, é número também”, diz. Paulo afirma que a palavra “negro” ainda não é respeitada. “Muitos ainda dizem ‘a coisa está preta’, ‘serviço de negro’. Mas foi esse ‘serviço de negro’ que construiu o Brasil”, observa.
CONSCIENTIZAÇÃO
No início da noite de ontem, pessoas ligadas ao movimento negro de Goiás participaram da Chamada dos Tambores, realizada no Setor Pedro Ludovico, em Goiânia. Um dos objetivos do evento foi reforçar a luta pela aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, garantia de terra para quilombolas, defender a implantação da história da África e dos afro-descendentes nas escolas e lutar pelo respeito às religiões de matrizes africanas. Além de apresentações artísticas, estava prevista a realização de uma caminhada contra o racismo.
A abertura do evento é realizada há dois anos em frente ao Ilê Axé de Ode Iba Ibomin, naquele setor. Esta é uma forma de homenagear o Babalorixá João Abuk, já falecido. A filha de João, a jardineira Maria do Socorro, 40, diz que um dos motivos da homenagem é o fato de seu pai ter sido um dos fundadores do candomblé de Goiás. Ela ressalta que, independente da homenagem, a Chamada dos Tambores é um evento importante para ressaltar os aspectos da cultura negra. “É uma confraternização de todas as culturas negras, que deveria acontecer mais vezes ao ano”, diz.