Elas estão no comando
Elas estão no comando (Diário da Manhã, 17/12/2008)
A mulher é a protagonista da família brasileira no início do século 21. De acordo com o livro Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, divulgado ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o número de lares chefiados por mulheres cresceu mais de 1.000% em 14 anos. Em 1993, ano inicial da análise, 301 mil famílias tinham a mãe como principal fonte de renda. Em 2007, o número saltou para 3,6 milhões. Todas as famílias consideradas têm pelo menos um filho.
Na fase inicial da pesquisa, ainda no início da década de 90, a estatística de mulheres que exerciam a função de chefia representava 22,3% do total das famílias brasileiras. No ano passado, o número correspondia a 33% de todos os arranjos familiares do País. Para os próprios pesquisadores do Ipea, a mudança na fonte provedora da família brasileira sintetiza a alteração na sociedade e na economia do Brasil.
Mesmo inserida no mercado de trabalho, o levantamento do Ipea mostra que as mulheres continuam com estigma dos últimos séculos. Além de receber menos para realizar a mesma jornada de trabalho, ainda trabalham mais no serviço doméstico da própria casa. Os números dizem que enquanto homens dedicam menos de 10 horas semanais a serviços domésticos, média das mulheres ultrapassa 27 horas.
Na remuneração, a diferença sexual também se mantém: enquanto a média do homem branco gira em torno de R$ 1,2 mil mensais, a mulher com a mesma cor da pele recebe R$ 788. Nas negras, a diferença é mais gritante. Enquanto recebem em média R$ 415, os homens da mesma raça são remunerados em R$ 648.
Para o doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília e professor do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG) Joaze Bernardino Costa, a variável raça ainda está presente no mercado de trabalho brasileiro. “Gênero e raça ainda têm efeito sobre a remuneração. Números são irrefutáveis.”
O livro editado pelo Ipea estratifica os indicativos sociais pelo critério cor/raça. De acordo com os números, a cor da pele afeta não só o salário, mas índices como desemprego, acesso à saúde e anos de estudo. Em relação à empregabilidade, os negros são os que mais sofrem com a ausência de postos de trabalho.
Para os homens desta cor, o desemprego atinge 6,4% da população acima de 16 anos. Às mulheres negras, o índices é o mais alto de toda a população brasileira: 12,2%. Homens brancos têm taxa de 5,3% e as mulheres brancas desempregadas representam 9,2% da população ativa. Para o professor de Sociologia, os índices sintetizam a interferência da cor nos indicadores. “Este aspecto está presente e explica em parte a redefinição nos padrões da família brasileira.”
Os índices obtidos pelo livro indicam que a cor da pele interfere até naqueles que ocupam os mesmos cargos profissionais. Em relação às empregadas domésticas, as brancas são as que mais dispõem de carteira assinada, 30,5% do total; entre as negras, apenas 25,2% têm a garantia.
Vendedora sustenta 4 filhos
A vendedora autônoma Dinorá da Silva, 39, sintetiza o novo padrão da família brasileira. Mãe de quatro filhos, ela sustenta a casa com o fruto do próprio trabalho. Negra e solteira, diz que já sentiu na pele a diferenciação mostrada no livro do Ipea. “Trabalhava em uma empresa onde era a única negra. Sentia que me tratavam diferente, até no salário.”
Ex-moradora da zona rural, diz que a localidade interferia na sua condição social. “Na fazenda era ainda mais difícil, porque não havia alternativas e discriminação era gritante”.
Aumenta escolaridade
Em 11 anos, subiu em mais de 2% a média de escolaridade do brasileiro. O levantamento estratificado do Ipea mostra que, em média, a mulher é a que mais acumula anos de estudo no Brasil. Em 2007, a média das mulheres brancas na escola era de 9,3 anos. Em 96, o número médio era de 7,6. Para as negras, o percentual de crescimento também se manteve. Enquanto a média em 96 era de 5,2 anos de estudo, em 2007 o índice saltou para 7,4. Para os homens, o crescimento seguiu a média nacional. Para os brancos, fixou em 8,4 no ano passado e 6,3 anos aos negros. Em comparação a 96, ambos registravam 6,8 e 4,4, respectivamente.
O Ipea analisou ainda o acesso da mulher à saúde, com a variável a partir do domicílio. O índice relativo ao ano de 2003 mostra que 32% mulheres que moram na cidade nunca se submeteram ao exame clínico da mama; no campo, o número chega a 63%.