Igualdade aos olhos da Justiça
Igualdade aos olhos da Justiça (Jornal Hoje, 18/01/09)
Em um bem organizado escritório de advocacia no Centro de Goiânia, Aldenor Carneiro dos Santos, 38, elabora suas petições e estuda os processos cíveis. No computador, um software o permite escutar artigos e a fazer pesquisas. Apenas um feixe de luz chega à mesa do advogado, que luta pela inclusão de deficientes visuais do mercado de trabalho e já conquistou seu espaço. Além de advogado há três anos, ele é gestor público e faz pós-graduação em Direito Público. Como ele, cada vez mais deficientes visuais têm se destacado em profissões que hoje abrem mais oportunidades a candidatos especiais.
Natural de Porto Nacional (TO), Aldenor crescia na roça enquanto os nove irmãos iam para a escola. Lembra que sempre pensava em estudar. “Mas não vislumbrava qualquer possibilidade de ser diferente. Na minha cidade, o cego ou ia pedir esmola ou ia ser músico na rua”, recorda.
Aos 11 anos de idade, foi para a escola pela primeira vez. Aldenor teve a oportunidade de vir morar com a tia em Goiânia, onde cursou o antigo primário no extinto Instituto Artesanal dos Cegos. Teve de ir para o Rio de Janeiro concluir o ginásio, no Instituto Benjamin Constant. De volta à capital goiana, se mostrou cada vez mais esforçado. Fazia o segundo grau no Colégio Lyceu de Goiânia e curso profissionalizante na Escola Técnica Federal. Foi quando conseguiu o primeiro emprego, como empacotador de uma indústria alimentícia. Abandonou o curso de Telecomunicações. “Não tinha condições de competir no mercado. Não existia um livro em braile na área, nem as tecnologias que temos hoje."
Aldenor também foi auxiliar de serviços gerais e encadernador em uma unidade que editava livros em braile. O menino de Porto Nacional que sonhava ser cirurgião neurologista passou a estudar para ser advogado. Trabalhou como assessor técnico na superintendência de ensino especial, onde se engajou na luta pela educação inclusiva.
DISCRIMINAÇÃO
A única vez que sentiu a discriminação na pele foi no ato de matrícula na universidade, que declarou que não tinha condições de recebê-lo. Mas ele conseguiu ingressar na faculdade e foi um dos precursores na defesa dos direitos dos deficientes na instituição de ensino superior.
Hoje, Aldenor também presta assistência jurídica a pessoas carentes. O maior desafio, acredita, é o deficiente visual tentar ocupar seu espaço profissional e ter mais acesso à leitura. Aldenor tem poucas limitações e usa a criatividade no cotidiano. Inventou uma minilupa que coloca sobre os óculos para leituras breves. Das tarefas corriqueiras, a única que sente falta é poder dirigir um carro. Tem uma namorada, também deficiente visual, e um filho de 14 anos, luz da sua vida.
MERCADO AINDA É MUITO RESTRITO, AFIRMA ONG
A deficiência visual é a mais comum, representa 48,1% da população deficiente. Em Goiânia, algumas entidades trabalham na qualificação e no encaminhamento para o mercado de trabalho. É o caso da Associação dos Deficientes Visuais do Estado de Goiás (Adveg). No mês passado, a instituição inaugurou o Centro Brasileiro de Reabilitação Visual (Cebravi), parceria entre a Universidade Federal de Goiás (UFG) e secretariais estaduais de Educação e Saúde.
A presidente Geralda Maria de Lacerda observa que o mercado ainda é muito restrito, mas acredita que os empresários estão mais abertos. Há muitos cursos de capacitação, como na área de informática, além dos tradicionais cursos de telefonia e de radiologia. Ela comemora cada encaminhamento para o mercado de trabalho.
Janilda Collo, procuradora do Trabalho, observa que, entre profissionais com algum tipo de deficiência, os que têm mais difícil aceitação das empresas são os deficientes visual e mental. O visual tem obtido mais sucesso nos concursos públicos – por exemplo, a seleção da Agência Goiana de Administração e Negócios Públicos (Aganp) teve 23 deficientes visuais aprovados. Mas no âmbito das empresas, os empregados têm mais resistência. O estudo “População com Deficiência no Brasil - Fatos e Percepções”, publicado em 2006 pela Federação Brasileira de Bancos (Fenabran), mostra que 57,9% dos deficientes visuais não trabalham e a maioria deles segue no mercado informal (60,4%).
O Ministério Público do Trabalho há dez anos atua na inserção de deficientes e frequentemente promove cursos de qualificação com entidades parceiras, pagos com dinheiro de execução de ações de empresas que descumprem a lei de cotas. Para Janilda, os deficientes visuais têm qualificação, mas a inserção no mercado de trabalho esbarra na discriminação dos empregadores. Muitos profissionais, infelizmente, ainda reclamam pouco seus direitos. Segundo a procuradora, o preconceito acontece de forma muito velada e por isso quase não há denúncia de deficientes visuais.
Maria Helena da Silva, 42, veio na semana passada para Goiânia procurar emprego. Acredita que na capital goiana terá mais oportunidade de trabalho do que em Belo Horizonte, onde trabalha como auxiliar técnica de radiologia e está concluindo o curso de Gestão de Recursos Humanos. Já Francisco Lima de Souza, 52, maratonista e deficiente visual há seis anos, tem menos esperança. Ele trabalhou como porteiro, vigilante, encarregado de limpeza, e hoje se dedica apenas às corridas. “Parei de procurar. Hoje vivo só para correr.”